Comentário

João Soveral

A certificação florestal em Portugal como instrumento de mudança das políticas públicas

É indispensável um muito maior esforço de promoção da certificação florestal em Portugal e da sua comunicação junto dos agentes económicos e do público em geral. O crescimento orgânico da área florestal e entidades certificadas sem o desenvolvimento de campanhas de promoção é uma quimera.

As florestas e, mais concretamente, as políticas florestais dos Estados têm vindo a ganhar centralidade no discurso e na acção política dos governos em resposta à crescente consciência e preocupação colectiva com o ambiente e o clima. A certificação florestal em Portugal tem aqui um papel relevante, mas urge potenciá-lo.

O papel essencial que as florestas assumem na acção dos Estados no combate às alterações climáticas veio acrescer a outras funções ambientais relevantes desde há muito reconhecidas, como a salvaguarda da biodiversidade e a prestação de muitos outros serviços do ecossistema. Esta tendência tem colocado a floresta crescentemente sob a esfera de influência da decisão política no domínio do ambiente, secundarizando a sua função produtiva e a sua inquebrável ligação a um conjunto muito vasto de actividades económicas de importância vital para as sociedades modernas.

Se inicialmente questões como a desflorestação, o comércio ilegal de madeira ou a perda de biodiversidade e de habitats foram os condutores principais do discurso e da acção que conduziram à certificação florestal em Portugal e no mundo, esta evoluiu para responder aos anseios colectivos mais vastos que se expressam relativamente à floresta e às actividades florestais. Hoje, é uma ferramenta importante de melhoria da qualidade da acção de produtores e indústria florestais (…).

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Silvicultura de produção: incompreendida apesar da substancial melhoria

Incompreendida e colhendo cada vez menos a boa vontade da opinião pública, a silvicultura de produção está sujeita no presente ao ataque de um conjunto de actores e forças políticas cada vez mais alargado e a políticas públicas progressivas, mas inexoravelmente, mais limitativas, porque insensíveis aos seus interesses e condicionantes.

Apesar dos continuados esforços desenvolvidos para contrariar esta evolução por aqueles que mais directamente dependem da floresta – produtores florestais e indústria de base florestal – a verdade é que o sector não tem conseguido os seus intentos. O cumprimento de um extenso e exigente corpo legislativo, a substancial melhoria da qualidade das operações, a incorporação de exigências ambientais na silvicultura praticada e também ao longo da cadeia de transformação, demonstraram ser insuficientes para lidar com a crescente exigência e mesmo alguma incompreensão da sociedade para com o sector.

Nascida na década de noventa do século passado, a certificação florestal tem precisamente como objecto principal responder às preocupações colectivas relativamente ao desempenho do sector florestal em domínios de carácter social e ambiental. Se inicialmente questões como a desflorestação, o comércio ilegal de madeira ou a perda de biodiversidade e de habitats foram os condutores principais do discurso e da acção que conduziram à certificação florestal em Portugal e no mundo, esta evoluiu para responder aos anseios colectivos mais vastos que se expressam relativamente à floresta e às actividades florestais.

Hoje, a certificação florestal é uma ferramenta importante de melhoria da qualidade da acção de produtores e indústria florestais e da sua comunicação com a sociedade, especialmente com alguns dos seus grupos de interesse mais directamente envolvidos, como consumidores, activistas ambientais ou mesmo os media.

A lenta evolução da certificação florestal em Portugal

Apesar disso, constata-se a lenta evolução da certificação da gestão florestal sustentável (GFS) no nosso país – menos de 15% da superfície de povoamentos florestais têm certificação florestal em Portugal – e também das cadeias de responsabilidade associadas (CdR). Paradoxalmente, este instrumento, estabelecido para responder à necessidade de demonstração do respeito de um conjunto exigências de natureza social e ambiental, é muito insuficientemente utilizado precisamente quando ela se torna mais imperiosa.

Mais do que procurar uma justificação na falta de discernimento ou empenho deste ou daquele grupo de actores na promoção da certificação florestal em Portugal, impõe-se a todos os que crêem na sua bondade uma cooperação efectiva e uma alteração do paradigma de actuação.

Produtores florestais e indústria de base florestal não podem encarar a certificação florestal com o propósito principal da valorização económica da sua produção. Têm de incorporar as preocupações da sociedade que integram e, genuinamente, percebê-la como uma ferramenta poderosa de melhoria da qualidade da sua actuação e, principalmente, de comunicação com a sociedade em geral.

É indispensável um muito maior esforço de comunicação e de promoção da certificação florestal junto dos agentes económicos e do público em geral. O crescimento orgânico da área florestal e entidades certificadas sem o desenvolvimento de campanhas de promoção é uma quimera.

Contrariamente a muitos outros países, em Portugal não predominam as áreas florestais públicas ou as propriedades de grande dimensão, nem os produtores florestais se encontram maioritariamente organizados em associações ou cooperativas florestais, factores facilitadores da progressão da certificação florestal. O mercado interno, de tão diminuto, não tem capacidade de induzir mudanças nas empresas industriais do sector, que exportam a quase totalidade da sua produção. Assim, a certificação florestal em Portugal é mais o resultado da indução indirecta por movimentos colectivos e mercados externos do que de um processo intrínseco e dirigido à satisfação de anseios da nossa sociedade.

Portugal tem uma floresta importante nas suas diversas dimensões, uma economia sectorial importante e empresas relevantes internacionalmente e, acima de tudo, tem um potencial ainda muito insuficientemente aproveitado. Os agentes do sector têm uma necessidade urgente de comunicar mais proficiente e intensamente com a sociedade, de modo a melhorar a compreensão colectiva dos benefícios que lhe proporcionam e do contexto em que actuam.

A certificação florestal em Portugal poderá e deverá ser um elemento central dessa comunicação, desde que seja encarada como um propósito comum dos agentes do sector e haja uma muito maior participação na sua promoção.

O Autor

Engenheiro silvicultor, pela Universidade de Lisboa, integra o quadro da Confederação dos Agricultores de Portugal assessorando a sua direção no domínio da política florestal e representando-a em diversas instâncias nacionais e internacionais.
No seu percurso profissional desempenhou também funções públicas, de direção, no Instituto Florestal, Autoridade Florestal Nacional e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
João Soveral foi ainda Presidente do PEFC™ Portugal, função que ocupava quando escreveu este artigo, em junho de 2020, então integrado em edição impressa da revista The Newsletter.
João Soveral escreve segundo as regras anteriores ao atual Acordo Ortográfico.