Comentário

Paula Simões

A gestão conjunta da floresta: benefícios e enquadramento legal

Num contexto de propriedade privada muito fragmentada como o português, espera-se que da cooperação entre pequenos proprietários privados e, em particular, da gestão conjunta da floresta resultem vários tipos de benefícios ambientais, sociais e económicos.

A gestão da floresta corresponde ao processo de planear, organizar, implementar e monitorizar práticas e operações com o objetivo de proteger, estabelecer, manter e cuidar a floresta, de modo que esta desempenhe funções ambientais, económicas, sociais e culturais, como nos dizem os trabalhos Who Owns Our Forests? Forest Ownership in the ECE Region (Lawrence, 2019) e Forest ownership changes in Europe: State of knowledge and conceptual foundations (Weiss et al., 2019). A gestão conjunta da floresta pode ser entendida como a ação coordenada entre proprietários privados não industriais, cada um mantendo a propriedade dos seus terrenos, de acordo com o artigo The challenges of coordinating forest owners for joint management” (Górriz-Mifsud et al., 2019). Assegurar a provisão de produtos e serviços, proteger a floresta de fogos, pragas e doenças, e controlar o uso dos recursos florestais são alguns dos objetivos específicos da gestão.

Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), Entidades de Gestão Florestal (EGF) e Unidades de Gestão Florestal (UGF) são três instrumentos legais que enquadram a cooperação e gestão conjunta da floresta. As estatísticas apontam para que cerca de 246 ZIF tenham sido criadas (duas das quais hoje extintas) e indicam a existência de seis EGF e de zero UGF em finais de 2020.

Num contexto de propriedade privada muito fragmentada como o português, espera-se que da cooperação entre pequenos proprietários e, em particular, da gestão conjunta da floresta resultem vários tipos de benefícios. Neste sentido, as autoridades portuguesas têm procurado estimular a cooperação entre os proprietários privados e incentivar uma gestão florestal ativa capaz de garantir a sustentabilidade ambiental e a viabilidade económica, evitando o abandono dos terrenos e das florestas.

Um marco importante neste âmbito foi a instituição legal das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) em 2005. Em 2017, num esforço renovado para promover a gestão conjunta da floresta e ultrapassar algumas lacunas das ZIF, foram aprovadas duas novas figuras, as Entidades de Gestão Florestal (EGF) e as Unidades de Gestão Florestal (UGF).

O enquadramento legal que apoia a cooperação e gestão conjunta da floresta

As ZIF são atualmente definidas como uma área territorial contínua e delimitada, constituída maioritariamente por espaços florestais, submetida a um plano de gestão florestal (PGF) e que cumpre o estabelecido nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, e administrada por uma única entidade”, segundo o artigo 3.º alínea q) do Decreto-Lei n.º 67/2017 de 12 de junho. Desde 2009 é possível que organizações com fins lucrativos sejam entidades gestoras das ZIF.

Este Decreto-Lei reduziu a superfície mínima exigida, o número mínimo de proprietários e o número mínimo de prédios para a sua constituição. Este diploma estabeleceu também que as autarquias devem ser parceiras prioritárias dos núcleos fundadores das ZIF, podendo constituir‑se como a entidade gestora, definindo como entidade gestora da ZIF “qualquer organização associativa de proprietários e produtores florestais ou outra pessoa coletiva, aprovada pelos proprietários e produtores florestais, cujo objeto social inclua a prossecução de atividades diretamente relacionadas com a silvicultura e a gestão e exploração florestais, e a atividade agrícola no caso de administração total, bem como a prestação de serviços a elas associadas, e ainda, com as necessárias adaptações, os municípios, em parceria com organização associativa de proprietários e produtores florestais ou outra pessoa coletiva”.

O caráter inovador das ZIF resulta da ambição de ter a paisagem como unidade efetiva de gestão, com uma abordagem de gestão centralizada, conforme observado no artigoWildfires, forest management and landowners’ collective action: A comparative approach at the local level” (Canadas et al. 2016).

O regime jurídico de reconhecimento das Entidades de Gestão Florestal (EGF) foi estabelecido pelo mesmo Decreto-Lei n.º 66/2017 de 12 de junho. No entanto, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 111/2017 de 19 de dezembro, as EGF são agora definidas como “a pessoa coletiva de direito privado, constituída nos termos do Código Cooperativo, do Código Civil, sob a forma de associação com personalidade jurídica, ou do Código das Sociedades Comerciais, sob a forma de sociedade por quotas ou de sociedade anónima, cujo objeto social seja a silvicultura, a gestão e exploração florestais e, no caso das associações, a prestação de serviços aos seus associados nessas áreas”.

As EGF “visam promover e facilitar a gestão conjunta dos espaços florestais, preferencialmente no minifúndio, segundo os princípios da gestão florestal sustentável, através da constituição de áreas de exploração que permitam proporcionar a valorização e rendibilidade adequada dos ativos”. As EGF têm a obrigação legal de obter certificação da gestão florestal até ao final do sexto ano de reconhecimento da entidade.

O regime jurídico das Unidades de Gestão Florestal (UGF) foi estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 111/2017 de 19 de dezembro, sendo estas definidas como “a pessoa coletiva de direito privado, constituída nos termos do Código Cooperativo ou do Código Civil, sob a forma de associação com personalidade jurídica, gestora de prédios rústicos contínuos, de área não superior a 50 hectares cada, com uma área territorial mínima de 100 hectares e máxima de 5000 hectares”.

As UGF visam promover e facilitar a gestão conjunta dos espaços florestais contínuos, preferencialmente no minifúndio, e pelos próprios proprietários agregados em cooperativas ou associações, segundo os princípios da gestão florestal sustentável, em áreas que permitam proporcionar a valorização e rendibilidade adequada dos ativos.

O artigo 9.º da referida Lei n.º 111/2017 estabelece que:

1. As EGF e as UGF reconhecidas podem beneficiar de apoios específicos com vista à sua dinamização.
2. Os instrumentos públicos de apoio financeiro, nacionais ou comunitários, designadamente dos programas de desenvolvimento rural, no âmbito da defesa da floresta contra incêndios e da promoção do investimento, da gestão e do ordenamento florestais, devem incluir cláusulas de discriminação positiva ou majorações para candidaturas apresentadas por EGF ou UGF.
3. As EGF e as UGF beneficiam também de um regime específico de benefícios fiscais e reduções emolumentares (ou seja, encargos processuais), definido no Estatuto dos Benefícios Fiscais e no Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado.

Estas formas de cooperação são de adesão voluntária e coexistem com as associações e cooperativas de proprietários/produtores, algumas delas com uma longa história. A exigência de propriedades contíguas, que pressupõe interdependência espacial, é uma característica comum às ZIF e UGF mas não se aplica às EGF e às propriedades dos membros de associações e cooperativas, elemento que as torna conceptualmente diferentes.

As estatísticas oficiais, divulgadas pelo ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas apontam para cerca de 246 ZIF, criadas entre 2005 e o final de 2020 (duas das quais já foram extintas), seis EGF e zero UGF. Cerca de 150 organizações de produtores florestais estão também registadas no ICNF. Os dados oficiais disponíveis não permitem uma caracterização, quer dos proprietários, quer das organizações envolvidos. Não se trata, contudo, de uma especificidade portuguesa, como fica patente em “Who owns our forests? Forest ownership in the ECE region” (Lawrence, 2019, p. 7).

Diferentes formas de cooperação ou gestão conjunta da floresta

Apesar dessa caracterização não ser possível, estudos académicos mostram que os objetivos dos proprietários e as lógicas económicas subjacentes à gestão das propriedades florestais influenciam a decisão de participar em iniciativas de gestão conjunta da floresta, que correspondem a uma forma particular de cooperação.

A cooperação pode ocorrer ao nível da gestão, em aspetos financeiros ou limitar-se à partilha de equipamento ou de informação, como identificou Kittredge, em “The cooperation of private forest owners on scales larger than one individual property…” (2005):

• No caso da gestão conjunta, esta é realizada ao nível da paisagem, integrada no espaço e no tempo. As decisões de gestão são tomadas de forma integrada e implementadas atendendo ao enquadramento natural e cultural e aos recursos económicos, ou seja, baseiam-se no ecossistema.

• A cooperação financeira corresponde à organização dos proprietários para obterem uma posição mais vantajosa no mercado, nomeadamente ao nível do preço de venda da madeira, que resulta de um aumento de escala. O aumento de escala permite ainda fornecer aos membros das organizações de proprietários/produtores informação organizada, oportunidades de formação e serviços de gestão das propriedades (por exemplo, planos de desenvolvimento, venda de madeira, reflorestação, desenho e construção de estradas, etc.), e exercer influência política.

• No caso da partilha de informação ou de equipamento, cada proprietário continua a gerir de forma independente a respetiva propriedade, não existindo gestão conjunta.

A sustentabilidade ecológica, financeira e social resume benefícios da gestão conjunta da floresta

Da gestão conjunta da floresta devem resultar benefícios ecológicos, sociais e económicos. No fundo, os três pilares visados na certificação da gestão florestal sustentável e conhecidos num âmbito mais geral como os 3P, no original inglês Planet, People e Profit, que poderíamos traduzir por Planeta, associado à vertente ecológica; Pessoas, associadas à vertente social; e Lucro, associado à vertente económico-financeira.

Os benefícios ecológicos resultam de uma gestão à escala do ecossistema e são tanto maiores quanto maior for a sensibilidade dos proprietários às questões da conservação dos recursos naturais e à preservação dos processos ecológicos. Quando estas preocupações existem, alguns efeitos negativos são minimizados e a seleção das espécies arbóreas é concertada entre proprietários, de modo a contribuir para o equilíbrio do ecossistema e para a vida selvagem. A gestão conjunta facilita a criação de corredores verdes, a proteção da floresta contra agente bióticos (por exemplo, pragas) e abióticos (por exemplo, incêndios florestais).

Os benefícios sociais traduzem-se num maior bem-estar da comunidade e na defesa dos seus interesses. A representação política e social tende a melhorar, o sentimento de comunidade e a coesão são promovidos, minimizando o conflito de objetivos, e facilitando a comunicação e a aprendizagem. A gestão conjunta pode, ainda, potenciar a gestão ativa das parcelas dos proprietários ausentes e, a um nível espacial alargado, tem o potencial de contribuir para a melhoria dos valores estéticos da paisagem e das oportunidades recreativas.

Os benefícios económicos estão associados primeiramente a economias de escala e à redução dos custos de transação, com impacto nos rendimentos e nos gastos. A ação conjunta tende a aumentar o poder de negociação, com reflexos positivos no preço. A coordenação de atividades permite aumentar a eficiência das operações, desde a plantação até ao corte da madeira. O aumento da escala de atuação propicia a obtenção de descontos de quantidade e viabiliza a contratação de serviços externos (assistência técnica e financeira, elaboração de candidaturas a fundos, atividades de marketing, adesão a programas de certificação).

Em paralelo, a partilha de conhecimento, de experiências e de ideias promove a aprendizagem, a conjugação de esforços e favorece a inovação; e a integração vertical da cadeia de produção e de valor pode ser potenciada, aumentando, contudo, a complexidade da gestão.

A concretização de objetivos de diferente natureza é, por vezes, conflituante. Assim, um dos desafios da gestão conjunta da floresta é fazer escolhas equilibradas que conciliem as vertentes ecológica, social e económica, isto é, que garantam a sustentabilidade.

abril 2021

O Autor

Paula Simões é licenciada e doutorada em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e mestre em Economia Regional pela Universidade de Évora. Tem também uma pós-graduação em 6 Sigma ao Nível de Black Belt.

É professora adjunta na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria desde 2013, onde leciona nas áreas científicas da Economia e da Gestão.

É investigadora do Centre for Business and Economics Research (CeBER), Universidade de Coimbra.
Faz investigação na área da economia do ambiente, tendo publicado em revistas científicas, designadamente, Journal of Forest Economics, Environmental Management e Journal of Environmental Psychology.

Integrou a Comissão Científica do Programa de Recuperação das Matas Litorais (colaboração na linha 4.3 Modelos de silvicultura para áreas de equipamentos de turismo e recreio).