Comentário

Rui Silva

Agrupamento de baldios: da gestão conjunta à maximização dos serviços de ecossistema

Poderá a gestão de áreas agrupadas ser um ponto chave para a real valorização dos serviços dos ecossistemas? Por outras palavras: pode ou não a valorização dos serviços de ecossistemas passar por uma boa gestão das áreas de forma agrupada? Acredito que sim e o agrupamento de baldios é um exemplo de como é possível maximizar estes serviços que precisam de ser remunerados.

Num tempo em que se fala cada vez mais do sequestro de carbono como um dos principais serviços de ecossistema (o mais facilmente mensurável) e, após a regulamentação para o mercado voluntário de carbono (Decreto-Lei nº4/2024, de 5 de janeiro), torna-se necessário e relevante não esquecer os restantes e inúmeros serviços que os ecossistemas vão oferecendo de forma, digamos que “gratuita” à sociedade, e que por nossa irresponsabilidade se vão esgotando a um ritmo exponencial.

Muitas destas perdas de serviços de ecossistema passam pelo facto de, ao longo dos tempos, existir uma sobre-exploração dos recursos naturais necessários para a o bem-estar da sociedade da qual somos parte integrante, sem nunca existir a preocupação e consciencialização de preservar, repor ou valorizar grande parte deles.

Num pensamento mais ecológico, o que se observa é que a minha geração já sofrerá com as consequências deste desgaste do capital natural e para travar esta tendência é necessário seguir e apoiar os exemplos já existentes ou criar meios de gestão para a real valorização dos ecossistemas.

Numa altura que se fala de projetos de (re)arborização como forma de aumentar a capacidade de retenção de carbono é preciso não esquecer a importância de conservar e preservar áreas de folhosas autóctones já existentes, assim como, fomentar a preservação de outros recursos endógenos existentes no território, tanto a nível natural, como cultural e social.

No caso de Portugal essa valorização pode passar por uma estratégia agrupada do território, nomeadamente das áreas que dispõem de um maior leque de serviços de ecossistemas numa só “propriedade”, como acontece nas áreas de baldios.

Esta gestão agrupada já tem sido fomentada e implementada em diferentes regiões do território nacional, nomeadamente através do Contrato-Programa assinado em 2019 para a constituição de Agrupamento de Baldios. Este contrato, celebrado entre o Estado e as Federações Florestais Nacionais, consistiu na criação de 20 agrupamentos com intuito de oferecer um apoio técnico de proximidade às comunidades locais envolventes.

Assim surgiu o Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês, que, neste momento, tem oito associados comunitários, abrangendo uma área com mais de treze mil hectares, localizados nos concelhos de Terras de Bouro (distrito de Braga) e Montalegre (distrito de Vila Real).

 

Neste agrupamento de baldios pretende-se trabalhar o território de uma forma multifuncional e cuidada, melhorando uma paisagem quase totalmente integrada no Parque Nacional Peneda Gerês (PNPG) e apoiando as comunidades locais, não só a terem uma gestão certificadamente mais sustentável, mas também a auxiliar na valorização e conservação das áreas de floresta autóctone existentes que, tal como os restantes recursos endógenos patentes, têm alto valor ecológico.

Interior-Comentario-RS

© Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês

O trabalho tem sido feito e pensado em conjunto, em perfeita sintonia e espírito comunitário com todos os baldios associados que, felizmente, também apoiam este pensamento a uma escala agrupada, com o intuito de estabelecer estratégias conjuntas para a maximização do potencial da região.

Recorde-se que o Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês teve início no ano de 2019 com apenas um técnico e, cinco anos depois, apresenta um corpo técnico de quatro elementos – uma equipa multidisciplinar e bastante competente, que traduz uma aposta fulcral na valorização dos territórios envolventes e na recuperação e preservação do capital social e natural destas comunidades.

Como podemos valorizar os serviços de ecossistemas?

É claro que este trabalho realizado no Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês não pode passar apenas por estas comunidades, uma vez que elas não são as únicas promotoras dos serviços gerados pelos ecossistemas, e, por vezes, nem são elas que têm o proveito principal do uso de determinados recursos naturais que a região “oferece”.

Como tal, este proveito deve ser “pago”. Para isso, é necessário um Programa de Remuneração de Serviços de Ecossistemas em Espaço Rurais mais extenso. Este programa teve como primeira fase apenas dois locais do território nacional e é essencial que seja agora ampliado a todas as áreas do Parque Nacional Peneda Gerês e a outras áreas protegidas e/ou classificadas de Portugal.

Essa valorização poderá passar pelo benefício de se terem áreas devidamente certificadas em Serviço de Ecossistemas, como é o caso, neste momento, das áreas das comunidades locais de Fafião e Pincães, integradas no Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês. Em conjunto, perfazem já uma das maiores áreas certificadas em Serviços dos Ecossistemas para a “Conservação da Biodiversidade – Florestas Naturais” e estão em processo de obter a Certificação do “Sequestro e Armazenamento de Carbono”.

Apesar destas comunidades ainda não sentirem o verdadeiro benefício desta certificação, acredito que nos próximos anos os pontos a ter em conta serão mais positivos do que negativos: acredito que, num futuro próximo, estas comunidades locais sejam verdadeiramente ressarcidas pelos valores que criam (além do valor de exploração) e não fiquem apenas e só com o ónus do trabalho de gestão que neste momento vão realizando.

Não se pode pensar apenas em (re)arborizar, mas sim e também em conservar e preservar as áreas florestais existentes de elevado valor, o que, consequentemente, irá salvaguardar um dos nossos bens essenciais, que é regulação da água. Esta conservação e preservação irá ainda permitir maior controlo de outros fatores bióticos e abióticos, rumo à verdadeira remuneração dos restantes serviços de ecossistemas.

Nestes serviços, e no caso específico do Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês, não posso de deixar de referir aqueles mais notórios para as nossas comunidades locais, que são a produção de mel, cortiça, madeira de pinho – ao nível do aprovisionamento e ao nível cultural, pois são uma das tradições mais bem preservadas e seculares desta região -, e as vezeiras onde o pastoreio é realizado em alta montanha e em regime comunitário. Graças a isto mantêm-se os terrenos limpos, férteis e o risco de incêndio é reduzido.

Uma solução para fomentar a gestão comunitária agrupada ao nível da paisagem – e assim garantir a gestão a médio-longo prazo, bem como o pagamento dos serviços do ecossistema que essas áreas agrupadas criam e cedem gratuitamente à sociedade – é aproximar o Programa de Gestão da Paisagem aos Agrupamentos de Baldios, fomentando a criação de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) e Operações Integradas de Gestão da Paisagem (OIGP) compostas por áreas comunitárias, em conjunto – ou não – com áreas privadas dos seus compartes. Aguardamos com expectativa o futuro próximo.

Será que as comunidades locais têm perfeita noção do qual o seu valor? Da sua importância nacional? Será que valorizam demasiado aquilo que dão ao país? Não propriamente. Os benefícios para o território são exponencialmente superiores àqueles que o território externo lhes dá.

Junho de 2024

O Autor

Rui Silva é Agrónomo. Licenciado em Agronomia de Espaços Verdes, pela Escola Superior Agrária de Ponte de Lima (ESA-IPVC), tem um mestrado em Sistemas de Informação Geográfica em Ciências Agrárias e Florestais, pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Desde 2020 é técnico no Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês, integrando uma equipa que conta também com o Tiago Monteira (Engenheiro Florestal), Maria Pereira (Bióloga) e Larissa Pêgo (Engenheira Florestal). Segundo Rui Silva é graças ao bom espírito de equipa e companheirismo deste grupo que o Agrupamento de Baldios tem sucesso, já que estes são elementos essenciais para a respetiva prosperidade.

Em 2024 também se encontra envolvido em associações culturais e recreativas ao nível local e concelhio, em Ruivães e Salamonde, no Concelho de Vieira do Minho.

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