Comentário

Miguel Vilas-Boas

Bolota de carvalho-negral: conhecer é essencial para valorizar e gerir

Conhecer o potencial dos produtos derivados da bolota de carvalho-negral foi um dos propósitos do projeto AcornDew, que confirma a qualidade nutricional do óleo e da farinha desta bolota e a viabilidade da farinha para integrar a cadeia de valor do sector alimentar. Estas são informações relevantes para os proprietários florestais, pois a capacidade para gerir estas florestas depende em muito do seu potencial de valorização.

É no nordeste transmontano que se localiza uma das florestas europeias mais extensas de carvalho-negral (Quercus pyrenaica), em grande parte situada na área do Parque Natural de Montesinho, nos concelhos de Bragança e Vinhais.

Entre as diversas funções agroecológicas e socioeconómicas, as florestas de carvalho-negral são de particular importância para a sustentabilidade dos sistemas silvopastoris e proporcionam as condições ideais para a obtenção de um conjunto de produtos florestais não lenhosos silvestres, como cogumelos, ervas medicinais ou bolotas.

O conhecimento atual sobre o potencial destes carvalhos está ainda limitado à produção de madeira e biomassa, desconhecendo-se qual a produção e o valor do seu fruto, a bolota. Esta falta de informação contrasta com outras espécies de carvalho mediterrâneos, como a azinheira (Quercus ilex) ou o sobreiro (Quercus suber), que já têm uma base de exploração comercial para a bolota.

Liderado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, numa colaboração com o Instituto Politécnico de Bragança, o Agrupamento de Produtores de Mel do Parque e a empresa Bota um Cibo, o projeto AcornDew procurou dirigir a sua investigação no sentido de agregar informação capaz de permitir o desenvolvimento e a otimização de planos de gestão dirigidos à produção de bolota de carvalho-negral ou à coprodução de madeira, lenha e bolota. Ao mesmo tempo, procurou reconhecer o papel fundamental deste carvalho na produção de mel de melada e potenciar a utilização da bolota de carvalho-negral na indústria alimentar.

Os primeiros resultados do projeto AcornDew apontam para valores de produção de bolota de carvalho-negral a rondar os 100 quilogramas por hectare, mas identificam também uma variabilidade significativa nos níveis de produção. Além de estar associada aos fatores climáticos, esta flutuação está também dependente das caraterísticas do povoamento: a quantidade e peso das bolotas que atingem a maturidade aumentam em povoamentos menos densos (com menos árvores, de copas maiores, a competir por recursos) e em função do maior diâmetro quadrático médio das árvores no povoamento (com árvores de troncos mais grossos).

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© Miguel Vilas-Boas

Farinha de bolota de carvalho-negral tem potencial para gerar valor

No pilar da utilização da bolota de carvalho-negral na indústria alimentar, o projeto procurou avaliar o desenvolvimento de produtos regionais inovadores e diferenciados, num contexto de economia circular. Neste sentido, foram definidos dois focos de intervenção:

  1. A extração e caracterização do óleo de bolota;
  2. A preparação de farinha de bolota e aplicação na confeção de panquecas.

Os diferentes processos de extração de óleo avaliados – prensagem, ultrassons e extração térmica com solvente orgânico – demonstraram que este último é o processo mais eficaz, embora com um rendimento bastante reduzido, o que condiciona a sua viabilidade futura.

Apesar de extraído em pequena quantidade, o óleo de cor amarelada ténue, para além de um perfil rico em vitamina E, apresenta uma quantidade importante de óleos insaturados, nomeadamente ácido oleico e linoleico, dois ácidos gordos de elevado valor nutricional.

Já a produção de farinha de bolota de carvalho-negral apresenta elevado potencial.

A farinha de bolota de carvalho-negral é um produto sem glúten e com alto valor nutricional. Tem teores elevados de fibras e proteínas, mas menor quantidade de hidratos de carbono comparativamente a outras farinhas, como a de trigo, o que reduz o seu poder calórico e promove uma melhor digestibilidade. Complementarmente, apresenta, na sua composição, diversos compostos fenólicos com potencial antioxidante, como os derivados do ácido gálico e elágico.

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© Miguel Vilas-Boas

Com a remoção de taninos por escalda ou torra das bolotas, esta farinha é um excelente ingrediente para a produção de panquecas sem glúten. Na sua confeção podem utilizar-se mais de 50% desta farinha, mantendo elevados níveis de aceitação organolética (avaliação sensorial, do sabor, odor, textura, etc.).

A informação gerada neste projeto pretende ser um catalisador para a gestão das florestas de carvalho-negral numa visão inovadora e com capacidade de gerar valor acrescido para as populações locais. Esperamos agora que a indústria panificadora acompanhe o desenvolvimento da cadeia de valor, e que a farinha de bolota de carvalho-negral se transforme também num dinamizador da economia regional.

Julho de 2025

O Autor

Miguel Vilas-Boas é Professor Coordenador na Escola Superior Agrária, do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) e investigador do Centro de Investigação de Montanha – CIMO.

A sua investigação é direcionada para os produtos naturais e em especial para a tecnologia apícola. Coordenou vários projetos de investigação, destacando-se o projeto BeeSustain – Sustentabilidade da apicultura face às alterações climáticas: inovação e produtos de excelência, financiado pela Fundação La Caixa.

Em 2025, Miguel Vilas-Boas é também Presidente da comissão científica em qualidade e tecnologia apícola da APIMONDIA, vice-presidente da Comissão Internacional do mel e membro da comissão executiva do Centro de Competências para a Apicultura e Biodiversidade.

No projeto AcornDew trabalhou com Soraia I. Falcão, Investigadora Responsável pelo projeto no IPB e coautora deste comentário.

Soraia I. Falcão é Investigadora Auxiliar no CIMO, IPB. Os seus interesses de investigação estão centrados nos produtos apícolas e no desenvolvimento de aplicações inovadoras destes produtos para as indústrias alimentar, farmacêutica e cosmética.

Além de Coinvestigadora Principal no projeto AcornDew, financiado pelo Programa Internacional de Investigação sobre Montesinho, em 2024 teve aprovado, pela Fundação La Caixa– Programa Promove, o Projeto Piloto “BEE4CHEESE – Zelando pelas tradições: Os produtos da colmeia na valorização e conservação de queijos artesanais”.

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