O contributo económico da floresta como capital natural é inquestionável, mas numa altura em que a própria União Europeia questiona as empobrecidas trajetórias da sustentabilidade em direção à neutralidade carbónica, o reconhecimento, contabilização e valoração do leque alargado de serviços dos ecossistemas florestais torna-se essencial ao progresso inclusivo de uma Economia de Base Natural.
Nos últimos tempos a floresta tem-se tornado popular nos mediáticos créditos de carbono, mas a visão afunilada do carbono e a corrente crescente do “greenwashing” (ou “greenwishing”) condicionam a relevância da floresta como elemento de restruturação, inovação e resiliência do território a desafios sociais e económicos, que vão desde a segurança pública às alterações climáticas.
Como será que responderia à questão “Quais os serviços que considera essenciais para o seu dia-a-dia?” Talvez dissesse eletricidade, televisão, combustível ou gás. Talvez a imagem das faturas que recebe (e paga) todos os meses lhe passe pela cabeça! Agora pense nos bens e serviços que são indispensáveis para si e para a sua família, sem os quais não conseguiria ter saído da cama, ou até, sem os quais não teria uma cama. Talvez dissesse ar puro para respirar, fruta para tirar a fome, água para saciar a sede e até mesmo conhecimento para o seu labor? Pois então acaba de pensar em capital natural!
Em termos mais técnicos, o capital natural corresponde ao conjunto de recursos e ativos vivos e não vivos da Natureza. Por outras palavras, o capital natural inclui, entre outros, paisagens, ecossistemas, recursos silvestres, espécies, água e ar, que a natureza, e a floresta mais especificamente, oferece quer à sociedade, quer aos nossos negócios.
O capital natural – onde se obtêm os serviços dos ecossistemas florestais – está presente em praticamente todas as nossas escolhas diárias, muitas delas dadas como garantidas e sobre as quais nem refletimos, tais como a água que tomamos quando chegamos a casa depois de um longo dia de calor, o ar que respiramos para simplesmente funcionarmos no nosso quotidiano, ou a escolha de saída de fim de semana para desfrutar de uma caminhada sob a sombra de velhos carvalhos.
À semelhança de outras formas de capital (humano, financeiro, tecnológico, intelectual, social, etc.), o capital natural tem um valor económico e social indissociável. Também tal como outras formas de capital, o capital natural fornece um fluxo de bens e serviços. Ou seja, as várias componentes do capital natural, incluindo a água, o solo, o ar e os recursos renováveis e não renováveis (como espécies vegetais e animais, florestas e minerais, entre muitos outros), interagem para fornecer à sociedade e às empresas a diversidade de bens e serviços dos ecossistemas. Estes serviços dos ecossistemas são imperativos para a sobrevivência e o bem-estar humano, ou por outras palavras, constituem a base de toda a atividade económica.
Grande parte das florestas nacionais (e europeias) é dedicada à produção. Nestas áreas, as matérias lenhosas são, na grande maioria dos casos, o produto de capital natural com mercado formal reconhecido. Para além das matérias lenhosas, a integração do valor económico e social do capital natural e dos serviços dos ecossistemas florestais está, contudo, longe de ser conseguida, uma vez que conceitos como ‘externalidades’ e ‘fatores de produção’ limitam a perceção de valor e acrescem um certo sentido de ‘descartabilidade’ aos bens e serviços da floresta.
É certo que a floresta tem recebido um papel de destaque na regulação climática, ou melhor, um papel de sumidouro de emissões de gases com efeito de estufa, o que muitas vezes se centra numa visão ‘túnel de carbono’ que condiciona o reconhecimento do contributo da floresta numa diversidade mais alargada de bens e serviços. Há uma crescente tendência em reconhecer a floresta como um banco de créditos de CO2 ou de associar uma forma utópica de floresta como sequestradora de carbono de crescimento linear e infinito. No entanto, recentemente, temos também testemunhado vários alertas de “greenwashing”, muitos deles associados à consideração de projetos de carbono florestais (entre outros) para offset (compensação), que questionam essencialmente a transparência, robustez e motivações subjacentes aos mesmos.
Em paralelo, observamos uma expansão de agentes e mercados focados no carbono (da floresta), dos quais é exemplo a recente proposta de Lei para um mercado voluntário de carbono de âmbito nacional. Esta expansão não deve ocultar o papel multifuncional da floresta portuguesa sob pena de criação de riscos e perda de oportunidades de valor natural para além do carbono. Devemos refletir como reconhecer, contabilizar e integrar o restante capital natural e serviços dos ecossistemas florestais como forma de apoio à restruturação, inovação e resiliência do território a desafios sociais, culturais e económicos.
É nesta ótica que entra uma Economia de Base Natural que, tal como o nome indica, integra o valor da Natureza como forma de bem-estar e progresso económico assente na minimização de riscos e criação de oportunidades alavancadas no capital natural. A Economia de Base Natural assenta na valorização e valoração dos recursos e serviços da floresta, quer seja pela captura do valor ecológico ou económico de bens e serviços para o bem-estar das pessoas, trazendo para o centro o envolvimento com as comunidades e empreendedores. A Economia de Base Natural pressupõe, entre outros:
Para tal, é necessário percebermos como abordar o capital natural com investimento adequado ao modelo de negócio, privilegiando opções de custos reduzidos com elevada rentabilidade (ecológica, económica e social) a médio e longo prazo, tal como soluções baseadas na natureza. Entre as opções já existentes, destacam-se:
Para avançar com uma Economia de Base Natural na floresta cabe implementar ações estratégicas, operacionais e financeiras, mas também de capacitação e de divulgação de informação transparente – por exemplo, através dos relatórios anuais de gestão e de sustentabilidade das empresas – que reconheçam e valorizem a diversidade de capital natural e dos serviços dos ecossistemas.
Afinal, tal como as outras formas de capital, o capital natural e os serviços dos ecossistemas florestais também devem ‘entrar nas contas’ e serem reportados à luz da minimização de riscos e da criação de oportunidades e valor na jornada da sustentabilidade económica nature-positive.
Outubro de 2023
Caso de Estudo
Ao contrário da maioria dos bens com origem nos espaços florestais, os serviços que são proporcionados por estes ecossistemas não são tradicionalmente transacionados, razão pela qual não lhes é atribuído um valor de mercado. Ultrapassar esta lacuna, estimando o valor económico total dos espaços florestais de Portugal foi o objetivo do ECOFOR.pt. Conheça mais sobre este projeto e sobre os seus resultados quanto a este valor.
Serviços do Ecossistema
Um novo relatório, desenvolvido no âmbito do projeto europeu INCA, estimou em 234 mil milhões de euros o contributo que os serviços do ecossistema prestados pelas florestas e outras áreas florestadas, prados, charnecas e matos, áreas agrícolas, rios, pântanos e outros ecossistemas trazem à União Europeia.
Biodiversidade
Em plena Década das Nações Unidas para a Recuperação dos Ecossistemas, a ação global afigura-se mais urgente do que nunca. É necessário salvaguardar a biodiversidade e mitigar os efeitos das alterações climáticas, entre outros serviços dos ecossistemas, mas há muito por fazer e as metas globais estão longe de serem cumpridas. Um estudo recente demonstrou uma abordagem eficaz para maximizar os efeitos da recuperação: definir áreas prioritárias de intervenção.