Comentário

Filipe Costa e Silva

Melhoramento genético florestal em Portugal: quo vadis?

Há um longo caminho a percorrer para que se façam sentir os benefícios efectivos do melhoramento genético florestal em Portugal. Desconstruir preconceitos e esclarecer a opinião pública é uma barreira a transpor, mas o passo mais relevante tem de ser dado pelo sector florestal e implica a consciencialização de que sem melhoramento genético não haverá uma floresta moderna, sustentável e produtiva.

Preferir, escolher, seleccionar. Este é um comportamento humano tão antigo como a própria humanidade. A acção de escolher a fruta das melhores árvores e usar a sua semente surgiu provavelmente com o dealbar da sedentarização do homem. Muitos milhares de anos depois, juntando a esta acção uns conhecimentos de biologia reprodutiva, silvicultura e estatística, chegámos ao melhoramento genético florestal.

Para muitos leigos na matéria, este melhoramento genético está, no entanto, associado a uma visão de milho híbrido transgénico ou de árvores alienígenas, semelhantes a aberrações perigosas saídas de um qualquer laboratório tipo Jurassic Park. Esta generalizada opinião pública é fruto de um tempo moderno em que as ideias são divulgadas, não através de conhecimento fundamentado, mas através de chavões e frases feitas, lugares-comuns instantâneos e apelativos, com a única intenção de causar um efeito psicológico, uma reacção pavloviana.

 

Existe também um certo complexo enraizado contra a genética, pois, na verdade, o que ela teima em afirmar insolentemente é que os seres vivos não são todos iguais, longe disso, até. E esta é uma evidência que vem chocar uma sociedade que tudo quer nivelar à força.

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© Helena Almeida

Junte-se a isto um déficit de contacto com a natureza e obtemos muitos cidadãos urbanos, alimentados de ideologias ambientalistas em 10 lições despegadas de qualquer sentido de realidade ecológica. E assim, paradoxalmente, numa sociedade que passeia o seu animal de estimação ao colo, construiu-se uma mentalidade tipicamente urbana e dicotómica, da árvore boa e da árvore má, em que a floresta natural é o arquétipo do paraíso perdido e a floresta plantada é o anátema, o artificial condenável.

No entanto, por esse mundo fora, são as plantações florestais com material vegetal melhorado que põem a madeira na mesa, literalmente. Por exemplo, as plantações florestais nos trópicos produzem em média 10 vezes mais madeira do que as plantações naturais nativas; no Brasil e na Zâmbia, as plantações representam apenas 1% da área florestada e fornecem 50% do total da madeira industrial; igualmente, no Chile e na Nova Zelândia as plantações ocupam 16% da área florestada e produzem 95% da madeira industrial. E no nosso país?

Qual é o estado actual do melhoramento genético florestal em Portugal?

Pode dizer-se que a única espécie com um programa de melhoramento genético florestal em Portugal estruturado e completo é o patinho feio da nossa floresta, o Eucalyptus globulus. Apesar de ter a fama de ser o primeiro programa de melhoramento desta espécie no mundo, o Material Florestal Reprodutivo de eucalipto, qualificado ou testado, ainda representa apenas 50% do total de plantas comercializadas. Isto implica que, com as presentes taxas de arborização anuais, a conversão da área total de eucalipto em plantações com material genético melhorado levará mais de cem anos a atingir. Assim, em consequência das muitas arborizações feitas com material de qualidade inferior – e também pela ausência de gestão silvícola – a produtividade real do eucalipto no país, sobretudo nas zonas com as condições naturais que propiciam uma maior produtividade, ainda está muito abaixo da produtividade potencial.

Por seu lado, o pinheiro-bravo, apesar de um arranque promissor das actividades de melhoramento na década de 60 do século passado, tem carecido de um investimento continuado, quer na manutenção (ex. avaliações genéticas) e instalação de novos ensaios (ex. selecção de indivíduos superiores), quer na realização dos ganhos genéticos por não haver um aproveitamento efectivo da produção dos pomares de semente instalados. Com efectivo quero dizer transformar os ganhos genéticos obtidos, de 21% em volume de madeira e de 17% na forma do fuste, em recolha de semente melhorada nos pomares de semente, em plantas melhoradas produzidas nos viveiros e em novas arborizações que, com este material, deem origem a um aumento real e significativo de produtividade da fileira do pinho.

Quanto à árvore nacional de Portugal, o sobreiro, já cansa ouvir falar de património cultural, de contributo para a biodiversidade e ter de repetir vezes sem conta o que já Vieira da Natividade, há noventa anos, afirmara: “é urgente melhorar a qualidade das nossas cortiças (…) utilizando plantas de origem conhecida”. Reconhecendo a importância do melhoramento genético do sobreiro, cria e inicia em 1930 as primeiras actividades na Estação de Experimentação do Sobreiro, em Alcobaça. Passado quase um século, a justificação para a ausência de investimento, público ou privado, continua a ser o longo ciclo reprodutivo do sobreiro, a sua complexa biologia reprodutiva e o tempo necessário para obter uma avaliação precisa da qualidade da cortiça. De facto, é uma árvore que cresce demasiado devagar para os projectos de investigação que são financiados a três anos e para os governos que duram quatro. É um curto tempo quando nos colocamos à sombra das árvores, a investigar, e queremos dar respostas sobre como melhor crescem, onde e porquê.

Em resumo, muitos projectos, muita investigação espalhada por gabinetes, muitos artigos científicos sobre melhoramento genético florestal em Portugal, mas poucas árvores de pé com melhor qualidade genética por esse país fora, isto é, muita parra e pouca uva.

Definitivamente, há ainda um longo caminho a percorrer para chegarmos à utilização efectiva dos ganhos genéticos alcançados, de maneira a transformar significativamente a qualidade das arborizações florestais. Neste contexto, o primeiro passo tem de vir do sector florestal, em geral, e implica compreender que não existe uma silvicultura moderna, sustentável e produtiva, sem melhoramento genético florestal.

Março 2023

O Autor

Filipe Costa e Silva é professor auxiliar no Instituto Superior de Agronomia. Lecciona e desenvolve investigação nas áreas de Genética e melhoramento florestal, ecofisiologia florestal, relações hídricas das plantas e fluxos de carbono dos ecossistemas.

Nota: o autor escreve segundo as regras anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

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