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Maria Margarida da Silva

A polémica origem e evolução da Mata Nacional de Leiria

Quem mandou plantar o Pinhal de Leiria? As hipóteses avançadas diferem consoante os autores e indicam que poderá ter sido D. Sancho, D. Afonso III, D. Dinis ou os Monges de Cister. E será que a espécie hoje dominante, o pinheiro-bravo, foi a inicialmente introduzida? Conheça a controvérsia em torno da origem e evolução da Mata Nacional de Leiria e qual a hipótese mais plausível.

A Mata Nacional de Leiria, vulgo Mata da Coroa, Pinhal de Leiria, Pinhal do Rei ou Pinhal da Marinha, tem cerca de 60% da sua área localizada no concelho da Marinha Grande e é propriedade do Estado Português.

Atualmente ocupa uma área que ronda os 11 mil hectares, tendo sido explorados cerca de 7622 antes do grande incêndio de 2017, em que arderam mais de 9475 hectares (cerca de 86% do coberto vegetal) e dos efeitos da tempestade Leslie, que destruiu mais 1137 hectares em 2018.

Esta mata tem como principal população vegetal o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e, em 2025, está em execução o plano de recuperação do pinhal, a cargo do Instituto de Conservação da Natureza e das florestas (ICNF).

A origem do Pinhal de Leiria é controversa. Os estudos de genética molecular – em particular, de ADN mitocondrial efetuados ao pinheiro-bravo –, bem como os estudos de registos fósseis, palinológicos (pólen e esporos, por exemplo) e de carvões em território português mostram que a espécie Pinus pinaster já existia há milénios no nosso território, considerando-se mesmo ter sobrevivido durante as glaciações do Médio Würm, entre há 55 mil e 25 mil anos Antes do Presente (AP), Pleriglacial tardio, entre há 25 mil e 15 mil anos AP, e Pleistocénico terminal, entre há 12 mil e 11 mil anos AP (AP é a marcação temporal que assume 1950 como ano zero).

Além disso, os autores destes estudos consideram que os resultados semelhantes que obtiveram sobre a diversidade genética desta espécie podem ser explicados pela atividade humana, ou seja, por plantações de pinheiros.

Isto significa que o pinheiro-bravo espontâneo tem muito mais tempo de existência em Portugal do que se pensava. Contudo, durante a última glaciação (entre 7580 e 6550 anos AP), a espécie desapareceu ou diminuiu muito em número de indivíduos presentes no território, pelo que os espécimes existentes terão sido plantados.

Maria Margarida da Silva Interior

Planta e Mapa da Mata Nacional de Leiria. Fonte: adaptado de ICNF

Quem mandou semear a Mata Nacional de Leiria?

Na minha memória de infância, ficaria do Pinhal de Leiria a ideia de que tinha sido mandado semear pelo rei D. Dinis (que reinou de 1279 a 1325), para diminuir o assoreamento dos terrenos agrícolas existentes provocado pelos intensos ventos – a nortada, frequente nesta região. Esta minha aprendizagem é corroborada em vários manuais escolares das últimas décadas do século XX, inclusive em documentos que indicam a permanência de D. Dinis e D. Isabel de Aragão em Leiria por vários períodos, devido à secagem do Paul de Ulmar, parte do campo do Lis, e à defesa da costa contra a invasão das areias do mar através da semeadura desta mata.

Esta ideia é perpetuada por muitos documentos, que referem este rei como o responsável por mandar fazer as sementeiras de pinheiro-bravo, tendo como principais finalidades impedir o assoreamento de terrenos agrícolas situados junto à costa e utilizar a madeira para a construção de embarcações destinadas ao comércio e à segurança da fronteira marítima contra a pirataria e os sarracenos (guerreiros mouros).

Outros, como o historiador José Mattoso, consideram plausível a sua origem no séc. XIII, numa ordem proveniente dos monges cistercienses de Alcobaça, para reflorestar os solos arenosos da região de Leiria, com a intenção de diminuir o progresso das dunas para o interior.

Há quem atribua a plantação do pinhal ao rei D. Sancho II (1223-1248), embora a ideia seja contrariada pelo historiador Joaquim Veríssimo Serrão (1992). Por outro lado, vários historiadores e autores – como Nuno Leitão, Arala Pinto, Jorge Carvalho Arroteia e Joel Serrão – não atribuem a ordem de sementeira a D. Sancho II ou consideram-na uma lenda. Embora aludam à existência do pinhal antes do reinado de D. Dinis, atribuem-na ao seu pai, rei D. Afonso III (1248-1279).

Os pinheiros que marcaram a evolução da Mata Nacional de Leiria

Considerando a hipótese mais plausível, a origem do Pinhal de Leiria será anterior a D. Dinis e, nesse tempo, segundo Arala Pinto, teria sido constituído pelo pinheiro-manso (Pinus pinea), e por lenhos de medronheiro e de aderno, arbustos espontâneos do pinhal, até há pouco representados ainda por loureiros e samouqueiros, urzes e outras espécies existentes nas matas da região.

Salienta-se, por isso, a evolução do coberto vegetal do séc. XIII para o XIV, em particular a substituição de árvores de pinheiro-manso por pinheiro-bravo. A plantação deste último, bem como o aumento da área plantada nesta região costeira, na época de D. Dinis, ter-se-á devido às características desta espécie, nomeadamente à sua altura, que se adequa melhor às necessidades de madeira para a construção naval, em particular para o fabrico dos mastros das embarcações. A procura desta madeira para este fim teve um incremento devido ao aumento do número de viagens marítimas e também à continuação da fixação das dunas, de modo a prevenir o assoreamento dos terrenos cultivados.

Sabemos hoje que as diferenças da utilização destas duas espécies, Pinus pinaster e Pinus pinea, variam em função de diversos fatores, como o mercado, a gestão florestal e o ciclo de produção, tendo o pinheiro-manso um crescimento mais lento nas condições desta região e sendo menos utilizado para a construção. Assim, na Idade Média, a melhor espécie de pinheiro para as finalidades referidas era o pinheiro-bravo. Semeado no lugar do pinheiro-manso, tornou-se na árvore mais abundante do Pinhal de Leiria. A monocultura de pinheiro-bravo nesta área permaneceu até aos nossos dias.

Podemos afirmar que a origem do Pinhal de Leiria é anterior a D. Dinis, devendo-se, provavelmente, a D. Afonso III, e que existiu uma alteração nas espécies, com o pinheiro-manso a ser substituído pelo pinheiro-bravo. Houve também um acréscimo da área de plantação, durante a Idade Média, devido ao aumento das necessidades humanas por madeira. O conhecimento atual sobre os ecossistemas florestais –  em particular o conhecimento histórico – permite-nos melhorar a conservação e preservação destas áreas.

Em 2025, a Mata Nacional de Leiria tem ainda em curso um plano de recuperação, a cargo ICNF, para recuperação das áreas florestais destruídas pelas catástrofes naturais e associadas à atividade humana, em particular, a devastação causada pelo incêndio de 2017.

A intervenção tem em vista manter a espécie Pinus pinaster, que, como vimos, não foi a pioneira da área plantada, mas persistiu desde o reinado de D. Dinis, e acrescentar outras espécies arbóreas adaptadas às condições da região, de modo a aumentar a biodiversidade e tornar o ecossistema mais resiliente às futuras catástrofes.

Outubro de 2025

O Autor

Maria Margarida da Silva é mestre em Ensino das Ciências, com especialização em Ensino em Geociências, pela Universidade de Aveiro, pós-graduada em Ambientes sedimentares, pela Universidade de Coimbra (UC), e licenciada em Geologia-Ramo científico (UC).

Em 2025, é professora na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro – AERBP (desde 1986), no grupo de Biologia e Geologia, e formadora acreditada pela CCPFC (desde 1995), tendo realizado diversos cursos e ações de formação na área da Educação Ambiental e da Geologia. Os seus interesses centram-se nas áreas da geodiversidade, biodiversidade e história da geologia e biologia.

Anteriormente, foi vogal da direção da APG – Associação Portuguesa de Geólogos (2010-2020), colaborou com a APPBG – Associação Portuguesa de Professores e Biologia e Geografia (2018), foi coautora de programas de ensino e participou na proposta de aprendizagens essenciais (2004) da disciplina de Geologia do 12º ano do ensino secundário.

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