Comentário

Filipe Duarte Santos

Queima de madeira, em lugar de carvão, não contribui para metas do Acordo de Paris

A queima de lenha, em lugar de carvão, não contribui para cumprir as metas do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, mas tão só para integrar as regras que contabilizam as emissões de gases com efeito de estufa.

Recentemente, por todo o mundo, mas especialmente na União Europeia, Estados Unidos e Japão, o carvão tem sido substituído por lenha, sob a forma de pellets, nas centrais térmicas de geração de energia elétrica. Contudo, por kWh de energia elétrica gerado, a queima de biomassa, sob a forma de resíduos florestais, lenha ou pellets, emite mais dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera do que a queima do carvão e, por maioria de razão, do que a combustão do fuelóleo e do gás natural. Por isso, não contribui para atingir a descarbonização prevista nas metas do Acordo de Paris, porque temos muito pouco tempo para as cumprir, ou seja, porque estamos numa situação de urgência. Então por que razão se preferem as pellets?

A queima de pellets para energia é justificada pelo princípio, nem sempre observado, de que as zonas florestais voltam a crescer e a sequestrar CO2 atmosférico, mas isto implica tempo e o tempo escasseia para cumprirmos as metas do Acordo de Paris. A queima de resíduos florestais em lugar de lenha é, pois, recomendada.

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Preferem-se os pellets simplesmente devido às regras para contabilizar as emissões de gases com efeito de estufa a nível nacional, estabelecidas pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC).

De acordo com tais regras, as emissões provocadas pela queima da biomassa nas centrais térmicas são contabilizadas como nulas no ponto de emissão, ou seja, no país em cujo território se encontra a central. Tal significa que, quando um país substitui o carvão por pellets, as suas emissões de gases com efeito de estufa baixam consideravelmente. Qual a razão para esta regra de contabilização aparentemente absurda?

A justificação está na regeneração da biomassa. Parte-se do princípio, nem sempre observado, de que nas zonas desflorestadas, de onde proveio a biomassa, as florestas voltam a crescer sequestrando o CO2 atmosférico, e fechando assim este ciclo do carbono. Resta, porém, a questão do tempo.

Quanto tempo se leva a fechar o ciclo, especialmente quando se está a queimar madeira? Pelo menos algumas décadas e o problema é que não temos muito tempo para cumprir as metas do Acordo de Paris, já que o objetivo é descarbonizar a economia mundial até meados do século.

Em resumo, com a regra de não contabilizar as emissões de CO2 provenientes da queima da biomassa em centrais térmicas, os países que mais comercializam pellets para geração de energia elétrica estão a aumentar as emissões, pelo menos nas próximas décadas. O ponto de vista da CQNUAC é que a perda de biomassa florestal para uso como combustível é contabilizada no inventário das emissões que o país tem de fazer para as Nações Unidas no sector de Uso de Solo, Alterações de Uso de Solo e Florestas, designado por LULUCF em inglês.

Contudo, a madeira pode ser importada como acontece com o comércio de pellets no interior da União Europeia e entre esta e os Estados Unidos e o Japão.

A União Europeia estabeleceu recentemente o valor de referência para o período 2021-2025 da quantidade de carbono armazenado pelas florestas, ou stock de carbono de cada Estado Membro, para efeitos de aplicação da Diretiva UE 2018/2001, RED II, relativa ao sector LULUCF, que irá entrar em vigor em julho de 2021.

Portugal comprometeu-se a ter uma floresta que, no referido período de 2021-2025, representa um sumidouro médio anual de 11165 mil toneladas de CO2 equivalente, e a que os fogos florestais representem, anualmente e em média, emissões de 897 mil toneladas de CO2 equivalente.

Porém, a monitorização dos fluxos e do stock de carbono de cada país afigura-se bastante complexa e difícil de implementar e controlar.

Em conclusão: a atual legislação sobre a queima de madeira para gerar energia elétrica não está a contribuir para cumprir as metas do Acordo de Paris. Note-se que a queima de resíduos florestais em lugar de lenha é muito importante para reduzir a biomassa das florestas e assim baixar o risco de incendio florestal, especialmente nos países do Sul da Europa. A utilização deste tipo de biomassa é, pois, recomendada.

Maio de 2021

O Autor

Filipe Duarte Santos é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É Diretor do Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, que envolve as Universidades de Lisboa, Nova de Lisboa e East Anglia, no Reino Unido. É ainda Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.

Além de ter sido review editor do 5º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), integra o grupo de investigação Climate Change Impacts, Adaptation and Modeling (CCIAM), do Centro de Investigação “Center for Ecology, Evolution and Environmental Changes” (cE3c) da Universidade de Lisboa.

Publicou mais de 150 artigos científicos em revistas internacionais e livros em várias áreas da Física, Ciências do Ambiente, Alterações Globais e Alterações Climáticas. “Time, Progress, Growth and Technology. How Humans and the Earth are Responding” é o seu livro mais recente, publicado em 2021, pela Springer, na The Frontiers Collection.