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Dina Ramos

Ruralidades e Memórias: preservar a região gandaresa, a sua cultura e património

A associação Ruralidades e Memórias trabalha para promover o desenvolvimento sustentável da região gandaresa. A preservação da biodiversidade e das florestas é um componente essencial desta missão, garantindo que as futuras gerações possam continuar a desfrutar e aprender com a herança natural e cultural da região.

A Ruralidades e Memórias é uma associação sem fins lucrativos que tem por missão o desenvolvimento cultural, económico, tecnológico, social e ambiental da região gandaresa, envolvendo a comunidade e os agentes locais de forma a preservar e perpetuar a cultura gandaresa e a partilha intergeracional de saberes e tradições locais, promovendo a sustentabilidade social, económica e ambiental.

A região gandaresa, também conhecida como Gândara, abrange uma área de cerca de 500 km² ao longo do litoral de Portugal, nos municípios de Mira, Cantanhede e Vagos, estendendo-se desde as Gafanhas da Ria de Aveiro até à Serra da Boa Viagem, junto à Figueira da Foz. O seu nome deriva da arquitetura tradicional das casas da região – casa gandaresa – construídas em torno de um pátio que envolvia a habitação e as várias atividades rurais da família. Esta região era originalmente composta por dunas e desertos de areia, mas foi transformada numa das maiores manchas florestais em Portugal Continental.

A biodiversidade e a preservação das florestas são, por isso, temas centrais para a Ruralidades e Memórias. A associação reconhece a importância vital das florestas na manutenção dos ecossistemas e no suporte da biodiversidade local. As florestas não são apenas habitat para inúmeras espécies de plantas e animais, mas desempenham também um papel crucial na regulação do clima, na conservação do solo e na manutenção da qualidade da água.

A flora e fauna das florestas gandaresas são um tesouro de biodiversidade, com muitas espécies endêmicas e algumas em perigo de extinção. A conservação destas espécies é fundamental, não apenas para a preservação do meio ambiente, mas também para a manutenção das tradições culturais que dependem diretamente da biodiversidade local. Apesar da importância da biodiversidade, muitas espécies estão atualmente ameaçadas de extinção devido à destruição de habitats, exploração excessiva, poluição e mudanças climáticas.

A conservação das espécies ameaçadas de extinção na região Gandaresa enfrenta diversos desafios, incluindo a falta de recursos financeiros e a falta de conscientização pública sobre a importância da biodiversidade. Na Ruralidades e Memórias entendemos que é crucial adotar estratégias integradas de conservação que abordem esses desafios de forma holística e colaborativa. E procuramos desempenhar um papel ativo na promoção da sustentabilidade florestal da região através da organização de eventos de sensibilização sobre a importância da biodiversidade e da implementação de projetos práticos de conservação e restauro de habitats naturais.

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Um dos locais onde se iniciaram as atividades da Ruralidades e Memórias, em parceria com a União de Freguesias de Fonte de Angeão e Covão do Lobo

O dinamismo da associação Ruralidades e Memórias

Apesar de ser uma associação recente, a Ruralidades e Memórias tem organizado diversas atividades centradas na interação com a comunidade local, na promoção da sustentabilidade ambiental e na dinamização turística do território. Entre elas destacam-se:

– Encontros com a Biodiversidade

Este evento é uma oportunidade única para os participantes se conectarem com a natureza através de experiências visuais, olfativas e sonoras. O uso de binóculos, microscópios, lupas e outros utensílios permite identificar diversas espécies da fauna e flora locais.

As atividades incluem a identificação de espécies protegidas, promovendo a conscientização sobre a importância da sua conservação. Este evento também oferece workshops sobre a importância das florestas e como elas suportam a biodiversidade, incluindo sessões práticas de monitorização de espécies e discussão sobre a preservação dos habitats florestais.

Os Workshops dedicados à preservação da fauna e flora locais são especialmente importantes, pois ajudam a perpetuar os conhecimentos tradicionais sobre o uso sustentável dos recursos naturais. Os participantes aprendem técnicas de conservação e restauro de habitats, contribuindo para a preservação das espécies locais e a manutenção da biodiversidade.

– Trail Fontes e Lobos

É um evento anual que mobiliza a população local e os visitantes de várias regiões do país, com maior destaque para as regiões Centro e Norte.

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Criação de esteiras

– Workshops de Conhecimentos e Saberes

Anualmente, são organizados eventos de partilha de conhecimentos entre a população mais idosa, os jovens e os visitantes. Estes eventos incluem a participação de formadores especializados em diversas atividades tradicionais da região, como a produção de cestos, a pintura em aquarela, a criação de esteiras de bunho, breu e a pintura de porcelana.

As oficinas realizadas nestes encontros e noutras iniciativas, como o Domingo Radical, incluem atividades como o Storytelling “Conta-me a tua História” e o workshop de fotografia desportiva na natureza, que incentivam a interação com a paisagem natural e a valorização das tradições locais. A celebração do ‘São Martinho’, com a partilha de histórias, castanhas assadas e jeropiga, reforça a conexão entre a comunidade e o ambiente natural, celebrando a riqueza cultural e ambiental da região.

Criação de Museu é novo desafio da Ruralidades e Memórias

A Ruralidades e Memórias tem como objetivo a criação de um museu, que para além de preservar a cultura gandaresa e as artes e ofícios do território, procura potenciar a cocriação de experiências no espaço, a partilha de experiências e conhecimentos entre as populações locais e os visitantes, a recriação histórica de momentos através de storytellings, e a criação de materiais fotográficos, vídeo e edição de livros das várias atividades características do território.

Nesse sentido, e com o objetivo de dar seguimento à nossa premissa, o Museu Criativo de Memórias Rurais terá a sua localização no concelho de Vagos, em Covão de Lobo (na União de Freguesias de Fonte de Angeão e Covão de Lobo) e funcionará no espaço da antiga escola primária da freguesia de Covão de Lobo.

Com a criação deste Museu procura-se recolher e inventariar informação representativa da história e das vivências da comunidade local, através das suas tradições, culturas e pertences, e assim perpetuar as memórias e a autenticidade local.

Pretende-se ainda promover rotas de interação e reabilitação de locais e tradição como: a ‘rota dos moinhos’, com interpretação da moagem; a ‘rota do breu’, com interpretação do fabrico e aproveitamento dos vestígios existentes; as ‘rotas do tempo’, adaptadas às culturas existentes e com a cocriação/ participação ativa de quem visite a localidade nas experiências promovidas; as ‘rotas ambientais’, com interpretação da fauna e flora locais, entre outras.

Com o desenvolvimento deste Museu queremos, também, proporcionar aos visitantes (turistas) experiências únicas e autênticas, através de visitas onde se promove o contacto, a interação e envolvimento nas diversas atividades apresentadas, contribuindo assim para a sua aprendizagem e interação/ socialização com a população local.

Para além de preservar a cultura Gandaresa e as artes e ofícios do território, procuraremos potenciar a cocriação de experiências no espaço, a partilha de experiências e conhecimentos entre as populações locais e os visitantes, a recriação histórica de momentos através de storytellings, e a criação de materiais fotográficos, vídeo e edição de livros das várias atividades características do território.

O espólio a figurar no Museu Criativo de Memórias Rurais visa retratar atividades tradicionais, tais como o breu, a apanha do moliço, a agricultura, as vindimas, a pesca, as danças, as músicas tradicionais, as profissões: nomeadamente os moleiros, os carpinteiros, os sapateiros, os bacalhoeiros, os barbeiros, os agricultores, os ferreiros, entre outras.

Além de visitas internas à totalidade do espaço expositivo, queremos promover viagens e visitas ao exterior – levando o museu às pessoas, através de deslocações ao exterior onde se encenam e expõem os elementos que definem a cultura popular tradicional gandaresa.

O Museu prevê ainda oferecer atividades culturais de âmbito académico, como seminários e conferências, e artístico, como concertos e recitais de poesia. E os visitantes poderão ainda visitar e utilizar as ‘Oficinas Pedagógicas’ para, por exemplo, desenvolverem os seus próprios ‘trabalhos’ ou criarem as suas ‘lembranças’.

O envolvimento ativo da comunidade é vital para o sucesso destes esforços da Ruralidades e Memórias e a associação continuará a promover iniciativas que incentivem a participação e a consciência ambiental.

Uma vez que este Museu visa representar a vida de uma comunidade rural e com ela estabelecer uma relação específica, queremos que este seja um Museu de Comunidade: que a represente, mas também que a envolva. Neste contexto, serão dinamizados grupos de colaboradores locais que participem ativamente, quer no seu interior, quer nas atividades de exterior – nas Oficinas Pedagógicas e no Storytelling (contar histórias/ testemunhos) do passado, por exemplo.

Entende-se que será uma mais-valia para as crianças e jovens que, visitando este Museu e trabalhando nas Oficinas Pedagógicas, vão conseguir promover o diálogo intergeracional e dar valor à sua história e origens.

Parcerias e projetos colaborativos

A Ruralidades e Memórias já estabeleceu várias parcerias a nível regional e nacional. Estas parcerias têm sido fundamentais para a organização das suas diversas atividades ao longo do ano. Por exemplo, a relação de proximidade com o Museu Agrícola de Riachos (Torres Novas), a Charcos e Companhia e a Universidade de Aveiro, a Câmara Municipal de Vagos e a União das freguesias de Fonte de Angeão e Covão do Lobo, entre outras entidades, tem permitido a realização de projetos colaborativos centrados na cultura, criatividade e conservação ambiental.

Trabalhamos em parceria com várias instituições locais e também com voluntários para realizar plantação de árvores nativas e monitorização de ecossistemas, assim como para promover a educação ambiental nas escolas da região e colaboramos com as autoridades locais na elaboração de políticas de gestão florestal sustentável.

Entre os projetos colaborativos já aprovados, destacam-se ainda os estudos sobre a biodiversidade da região em colaboração com a Universidade de Aveiro. Este projeto envolve a pesquisa e monitorização de espécies, bem como a implementação de medidas de conservação. Já a parceria com a Charcos e Companhia foca-se na preservação ambiental e de habitats aquáticos, que são cruciais para a manutenção da biodiversidade.

Outubro de 2024

O Autor

Formada em Gestão de Empresas e com Doutoramento e Pós-Doutoramento em Turismo, com foco nas zonas de baixa densidade demográfica, Dina Ramos é Professora Auxiliar convidada na Universidade de Aveiro – Grupo de Gestão.

A par do ensino, é:

– Coordenadora na Associação Ruralidades e Memórias – Associação de Desenvolvimento Local, promovendo os eventos da associação, a criação do Museu Criativo de Memórias Rurais e a identificação de projetos que alavanquem o respetivo dinamismo e desenvolvimento;

– Cocoordenadora do projeto Gândara TourSensations, um modelo integrado de desenvolvimento local de Turismo Costeiro em Zonas Rurais na Região Centro de Portugal, financiado pelo Turismo de Portugal;

– Membro Integrado da unidade de investigação em governança, competitividade e políticas públicas (GOVCOPP) na Universidade de Aveiro.

Trabalhou em PME até 2010 e, em 2024, continua a ser consultora empresarial na área comportamental.

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