Comentário

Nathalie Gontier

Ver a floresta através das árvores ou as árvores através da floresta? Uma perspetiva filosófica sobre o estudo das florestas pela ciência

A perspetiva filosófica abre horizontes sobre as diferentes visões que podem conjugar-se em torno de um objeto de estudo – neste caso, o estudo das florestas – apoiando a ciência a explorar diferentes abordagens para obter uma compreensão mais ampla sobre os múltiplos fatores que se entrecruzam nestes ecossistemas.

Quando uma árvore cai na floresta e não há ninguém por perto, será que ela faz barulho? Este é um antigo quebra-cabeça filosófico que questiona como os humanos e outros organismos interagem entre si e com o mundo em seu redor. O som é algo que existe por si mesmo ou só existe para aqueles que o ouvem?

Podemos hoje aumentar a complexidade deste antigo enigma e perguntar como é que os organismos pertencentes a diferentes espécies evoluíram de diferentes maneiras para ouvir ou perceber o som ou o impacte de uma árvore que cai na floresta.

Nós, humanos, vemos um carvalho, por exemplo, como um objeto sólido, com um tronco castanho que se divide em diferentes ramos, os quais, dependendo da estação, ficam nus ou cobertos de folhas verdes ou amareladas e pontuados pelos seus frutos – as bolotas.

Quando cai uma destas árvores, ouvimos o estalar do tronco, o assobio do vento nas folhas, o embate de toda a estrutura no chão. As formigas, como não têm audição como nós, humanos, aperceber-se-ão desta queda pelas vibrações provocadas nas suas pernas e patas. A perceção dessas vibrações pode resultar num comportamento de fuga, mas não resulta numa compreensão cognitiva, semelhante à nossa, da queda de uma árvore.

Os morcegos, por outro lado, ouvem muito melhor que nós por meio da ecolocalização. Nós humanos ouvimos sons entre 20 Hz e 20 kHz. Os morcegos têm uma faixa auditiva de 700 hertz (Hz) a 200 kilohertz (kHz). No entanto, isso não significa que a queda de uma árvore na floresta seja sentida como “mais barulhenta”. O Hz produzido pela queda da árvore depende simplesmente da sua massa e da velocidade com que cai.

O que difere quando uma árvore cai na floresta é o modo como os corpos e cérebros dos diferentes organismos dão sentido ao ambiente. Essas diferenças podem ser estudadas por meio de investigações biológicas e cognitivas comparativas, bem como da física com o auxílio da matemática. Cada uma destas disciplinas proporcionará diferentes perspetivas de investigação sobre a queda de uma árvore na floresta.

Interior-Comentario_2_Nathalie

O contributo filosófico para o estudo das florestas

Da mesma forma, podemos perguntar como é que os cientistas entendem e diferenciam as várias árvores e florestas. Responder a essas perguntas traz uma visão mais filosófica das práticas científicas. Na verdade, os cientistas desenvolveram muitas maneiras diferentes de pensar sobre a floresta e as árvores.

As florestas são tradicionalmente entendidas como áreas de terra, montanhas ou água (os mangais do Quénia, por exemplo) que são habitadas por árvores. Essas áreas são chamadas de biomas e albergam vários tipos de árvores.

Por exemplo, biomas desérticos quentes e secos, como o Saara africano, contêm diversas espécies de árvores, como as icónicas acácias, mas as árvores do Saara raramente formam florestas devido à falta de água e nutrientes nas areias. Outro exemplo vem dos biomas de savana, como os que encontramos na região portuguesa do Alentejo ou noutras regiões mediterrânicas, que combinam solos arenosos com pastagens onde crescem oliveiras e sobreiros.

Mas as florestas mais densas são tipicamente as florestas tropicais e subtropicais húmidas. Estas florestas contêm árvores enormes, como a menara (Shorea faguetiana) da Malásia ou o angelim-pedra (Dinizia excelsa) da Amazónia brasileira. Árvores altas também podem ser encontradas nos biomas de taiga ou florestal boreal, típicos dos países mais frios da Eurásia. Na taiga, há florestas de coníferas perenes que incluem pinheiros e outras espécies com folhas em forma de agulha, e que produzem frutos semelhantes a cones – as pinhas. Exemplos típicos são as árvores de Natal.

As regiões do mundo caracterizadas por climas mais temperados, como a Europa Ocidental, a Ásia Ocidental ou a América do Norte, são geralmente caracterizadas por florestas de caducifólias, compostas por árvores cujas folhas largas caem e voltam a crescer em sincronia com a mudança das estações.

O único bioma que não abriga árvores é a tundra fria, típica da região do Pólo Norte.

O estudo das florestas pode ser feito por muitas disciplinas, da biologia à ecologia e à genética, e sob diferentes ângulos de abordagem. A filosofia em geral e a filosofia da ciência em particular podem ajudar os cientistas a identificar estas múltiplas visões e formas de chegar ao conhecimento, apoiando os cientistas a promover uma compreensão mais ampla, assim como a melhorar os métodos e processos de validação do conhecimento.

Interior-Comentario_Nathalie

Foto de Cristina Marques

Quando os cientistas categorizam as árvores e florestas com base nos biomas nos quais elas são (ou não) capazes de crescer, os estudiosos entendem que o ambiente, com as suas altitudes e latitudes e os seus diferentes climas, fornecem solos variados e outros recursos naturais, que permitem ou incapacitam a crescimento da floresta.

Da perspetiva da biologia evolutiva tradicional, inspirada em Darwin, os estudiosos examinam como as árvores só irão crescer na medida em que o ambiente o permitir. Aquelas que crescem são consideradas como naturalmente selecionadas pelo ambiente e a ele adaptadas. Esta abordagem remete para a forma como o ambiente seleciona ativamente entidades passivas, assim como para qual é o papel que as alterações climáticas ou os fenómenos naturais, como os deslizamentos de terra, têm na floresta.

Da perspetiva das ciências ecológicas, os estudiosos examinarão não como o ambiente permite ou inibe ativamente o crescimento de árvores e florestas, mas como qualquer um destes elementos pode desempenhar um papel mais ativo na formação do seu ambiente. Isto porque as florestas podem alterar o ambiente de diversas maneiras. Podem absorver CO2 do ambiente e transformá-lo em oxigénio, podem drenar a água do solo, podem lançar sombra sobre a paisagem e arrefecer a terra, ou podem formar barreiras naturais.

As árvores podem, assim, mudar o ambiente e este reconhecimento leva a uma perspetiva diferente e complementar sobre a floresta; uma perspetiva que é igualmente científica e importante para compreender não só como as florestas evoluem ao longo do tempo, mas como se comportam no presente.

A investigação sobre simbioses, que aborda como as diferentes espécies interagem entre si, traz ainda outra perspetiva sobre a floresta. Uma floresta não é feita apenas de árvores e elas não existem sozinhas. Em vez disso, dependendo do bioma a que pertencem, as árvores abrigam e, por vezes, alimentam vários outros organismos, como pássaros, besouros, formigas, lagartas ou mesmo cobras, símios ou peixes.

Os seus troncos e galhos abrigam musgos, cogumelos e outros fungos. Numerosas comunidades bacterianas e fúngicas residem abaixo do solo, no rizoma ou sistema radicular das árvores. Esses microrganismos do solo formam comunidades que realizam processos bioquímicos complexos, como a fixação de azoto, um processo pelo qual o azoto atmosférico é transformado em amoníaco, nitritos e nitratos.

Esses processos bioquímicos permitem o crescimento de inúmeras outras plantas e flores que, por sua vez, atrairão animais terrestres, como ratos e coelhos, ou animais selvagens, como veados e javalis.

Esta visão simbiótica da vida é igualmente importante para o estudo das florestas porque investiga as comunidades formadas pelos organismos, o modo como essas comunidades ajudam a moldar o ambiente e como impactam as hipóteses de sobrevivência das atuais e futuras gerações de microrganismos, plantas e animais.

Existem inúmeras outras perspetivas científicas sobre as árvores e as florestas. Podemos examinar e comparar os genomas das árvores para investigar o parentesco evolutivo através de descendência e hibridização; podemos examinar os processos fisiológicos subjacentes à produção ou ao envelhecimento da seiva; ou podemos investigar a extinção ou a taxa de crescimento pela qual as espécies de árvores vão mudando.

A perspetiva filosófica pode ajudar a ciência a investigar quais as diferentes abordagens de investigação existentes e o que elas implicam para a nossa compreensão das florestas da Terra. E esse conhecimento é importante porque permite uma melhor compreensão dos numerosos fatores que estão na base da biodiversidade florestal e de como podemos ajudar a mantê-la.

Fevereiro de 2025

O Autor

Nascida na Bélgica, Nathalie Gontier fixou-se em Portugal em 2011 e é aí que trabalha, dividindo-se entre a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. Com formação em filosofia e antropologia da ciência, investiga como é que o conhecimento sobre a evolução impacta a nossa compreensão do mundo. Nathalie Gontier é também editora-chefe da Springer Book Series Interdisciplinary Evolution Research, bem como editora do Elsevier Journal BioSystems e do Springer Nature Journal Evolutionary Biology. É ainda membro executivo da Third Way of Evolution, uma iniciativa global focada na integração de teorias da evolução inovadoras na ciência convencional.

Temas | 

Comentário