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Personalidades

Arala Pinto, uma vida dedicada ao Pinhal do Rei

António Arala Pinto dedicou grande parte da sua vida ao Pinhal de Leiria, onde implementou várias modernizações. Além da sua ligação ao Pinhal do Rei e ao pinheiro-bravo, foi um homem com preocupações sociais e humanas. Fique a conhecer mais sobre esta personalidade marcante do sector florestal neste artigo escrito em colaboração com Mariana Carvalho.

“Filho” de Ovar, António Arala Pinto trabalhou mais de 30 anos na então chamada “Circunscrição Florestal da Marinha Grande”, a estrutura que geria a maior mata pública portuguesa, mais conhecida como Pinhal de Leiria. Entre os vários temas que estudou, destacam-se o pinheiro e as atividades com ele relacionadas, como a resinagem. As suas preocupações sociais levaram-no não só a publicar trabalhos de divulgação destinados a um público mais vasto (do que o do sector florestal), mas também a defender os direitos de guardas e trabalhadores florestais.

António Arala Pinto (1888 – 1959) nasceu na Ribeira, em Ovar, de onde eram naturais os seus pais, Júlia Augusta Arala Pinto e de Francisco António Pinto. Foi viver para Lisboa em 1889, onde estudou na Escola Politécnica. Depois de uns tempos a viver no Brasil (entre 1912 e 1914), voltou a Portugal e passados uns anos inscreveu-se no Instituto Superior de Agronomia (ISA).

No ISA formou-se como Engenheiro Silvicultor e foi presidente da Associação de Estudantes de Agronomia e colega de outras figuras notáveis, como Joaquim Vieira Natividade, de quem foi amigo (e que o pode ter influenciado a fazer o curso de Silvicultura depois de Vieira Natividade ter completado Agronomia) e Francisco António de Santos Hall.

A turma de Arala Pinto no Instituto Superior de Agronomia (ISA)

A turma de 1922 do ISA: Arala Pinto é o quinto a contar da esquerda, Santos Hall o sétimo e Joaquim Vieira Natividade o penúltimo. Fonte: Joaquim Vieira Natividade, 1899-1968 : ciência e política do sobreiro e da cortiça

Concluídos os estudos universitários, começou a trabalhar nas Matas Nacionais em março de 1922, na 3ª Circunscrição Florestal – Mata de Leiria, passando a chefiá-la em 1927. Aqui fez todo o seu percurso profissional até se aposentar, em 1957, por motivos de doença, tendo vivido num dos chalés do Parque do Engenho – instalações onde funcionou historicamente um “engenho” movido a vento para serração de madeira. Voltou para Lisboa, onde viveu até 30 de março de 1959.

Ainda antes desta data, os contributos que trouxe à região foram reconhecidos pela Câmara Municipal da Marinha Grande, que atribuiu o seu nome a um novo parque infantil em São Pedro de Moel (em 1953). Já a título póstumo, em abril de 1966, foi nomeada a Rua Engenheiro Arala Pinto, na Marinha Grande.

Em 1938 é publicado “O Pinhal do Rei – Subsídios”, a maior obra literária dedicada ao Pinhal de Leiria.

Publicada em dois volumes, profusamente ilustrados e complementados com fotografias, mapas e quadros, o livro encontra-se dividido em quatro partes, abordando a história do Pinhal, a sua evolução até ao século XIX, o Pinhal de Leiria nos tempos modernos e um apêndice com ‘notas’.

É uma obra que demonstra os profundos conhecimentos técnicos do autor, mas que revela também o seu conhecimento sobre a história da região e as suas preocupações sociais e humanas.

Como escreveu Arala Pinto em “Pinhal do Rei”, a Marinha Grande não figurava nas cartas de 1730, aparecendo somente em 1745 com a instalação da Real Fábrica de Vidros. A indústria vidreira tinha aqui o combustível e as areias necessárias para laborar, tendo sido a Fábrica dos Vidros o ponto de partida do desenvolvimento do núcleo urbano, primeiro com as habitações dos trabalhadores e depois os edifícios mais importantes.

Sementões na areia: uma imagem que evoca Arala Pinto

Ainda de acordo com Arala Pinto, em 1816 existiam 17 edifícios na Marinha Grande, tendo crescido para 55 em 1841. Em 1840 surgiu o edifício para instalação dos serviços da Administração Geral das Matas, a estação telegráfica e as casas de habitação dos funcionários administrativos das matas; em 1856 é construído o edifício da Estação do Caminho-de-Ferro e em 1859 é concluído o edifício da Resinagem.

A ligação de Arala Pinto à Marinha Grande e ao Pinhal de Leiria está bem patente na imagem escolhida para o seu ex-libris: os sementões nas areias. De relembrar que estes dois recursos naturais (pinheiros e areias) estão na origem da Marinha Grande e esta imagem acabou por ficar para sempre associada ao autor e à sua obra.

As modernizações de Arala Pinto na Mata Nacional de Leiria

António Arala Pinto foi chefe da Circunscrição Florestal da Marinha Grande entre 1927 e 1957 e, nestes 30 anos de trabalho, implementou várias modernizações no Pinhal de Rei, nomeadamente:

  • 70 quilómetros de estradas e caminhos florestais, incluindo a Estrada dos Vidreiros e os trilhos que permitiram a deslocação dos guardas-florestais de bicicleta.
  • O “comboio de lata”, nome pelo qual era conhecido o Caminho de Ferro do Pinhal de Leiria, uma rede ferroviária no concelho de Marinha Grande, que servia o Pinhal de Leiria. O caminho de ferro de via estreita (sistema Decauville), tinha cerca de 30 quilómetros de comprimento e servia para o transporte de madeira e outros materiais, assim como de passageiros, incluindo o acesso da população à praia e ao pinhal. Foi desativado em 1965 e desmantelado em 1967.
  • A construção da “Ponte Nova”, que obrigou ao desvio do ribeiro e à criação do que é hoje o Açude da Ribeira de São Pedro e ao corte de alguns eucaliptos de grandes dimensões (para serem usados como vigas e tabuado), tema que terá levado a uma troca de correspondência entre Arala Pinto e outro nome de referência da silvicultura – Baeta Neves.
O comboio instalado por Arala Pinto no Pinhal de Leiria

“Comboio de Lata” da Mata Nacional de Leiria, em 1923. De notar a direção do fumo da locomotiva, indicadora da forte velocidade do vento nesta zona.

  • Renovação dos pontos de vigia, que, nas palavras de Arala Pinto, “são quatro olhos vigilantes da mata”.
Inovações propostas por Arala Pinto na resinagem

Púcaro, bicas e tapamento do púcaro e bicas imaginados por Arala Pinto. Fonte: Pinhal do rei Subsídios, volume II

  • Novos métodos de resinagem. A questão da baixa qualidade da resina obtida em recipientes abertos levou a que, ainda em 1921, Arala Pinto tivesse imaginado uma bica e um púcaro tapado, ambos em zinco, para permitir a recolha de resina com menos resíduos. Mais tarde, preocupado com o valor das bicas e dos púcaros, que poderiam tirar valor à receita dos resineiros, imaginou uma calha de madeira para tapar as feridas e os púcaros, mais fácil de fazer, mas que permitia igualmente proteger a resina das impurezas.
  • Renovação do viveiro do Tromelgo, que já existia no tempo do primeiro Administrador Geral das Matas, Frederico Luiz Guilherme de Varnhagen. O viveiro recebeu várias sementes e produziu árvores e plantas para Câmaras Municipais e Serviços Florestais de todo o país. Abandonado pelos Serviços Florestais em meados do século XX, no seu local existe hoje um parque de merendas, o Parque do Tromelgo.

Um homem solidário e atento às condições sociais na Marinha Grande

António Arala Pinto fez todo o seu percurso profissional na Mata Nacional de Leiria, mas o seu trabalho foi além dos limites do Pinhal do Rei, tendo ficado ligado à justiça social na Marinha Grande, tanto às condições dos operários do vidro como às dos trabalhadores que tinha a seu cargo.

Recorde-se que desde o final do século XIX tinham sido fundadas muitas várias fábricas de vidro na Marinha Grande por iniciativa de antigos vidreiros e seus familiares. No final dos anos 20, muitas encerraram e houve reduções salariais generalizadas. A situação agudizou-se na década seguinte, com movimentos operários, como o de 18 de janeiro de 1934, que ficou conhecido como a Revolta da Marinha Grande, com uma greve que desafiou as novas regras constantes da “nova”  Constituição (de 1933), que dissolvera os sindicatos e proibia as greves.

Não ficando indiferente à situação de grande carência em que vivia a população, criou a Lutuosa Florestal, que teve por objetivo socorrer as viúvas dos guardas-florestais, e incentivou a fundação do Grémio Florestal, uma associação com fins recreativos e lúdicos, mas também com uma vertente educativa. Inaugurado em abril de 1928, no recinto do Parque do Engenho, este Grémio destinava-se, de acordo com os Estatutos, à “instrução, distração e recreio dos sócios pela leitura, reuniões de famílias e jogos recreativos, conferências e diversões teatrais”.

De notar que o segundo volume da sua obra “O Pinhal do Rei – Subsídios” tem capítulos como “A vida social” e “A população à volta do Pinhal, o seu labor, as fábricas de vidro”. Além disso, nesta obra, Arala Pinto insurge-se contra a diminuição, imposta pelo Estado Novo, dos salários dos trabalhadores florestais. Esta preocupação está também patente na sua correspondência oficial como chefe da Circunscrição, em que alerta para as condições de trabalho e remunerações dos seus subordinados.

No início dos anos 1930, na qualidade de responsável pelo Pinhal, pertenceu aos Conselho Consultivo da Nacional Fábrica de Vidros, tendo redigido duas pequenas publicações em que desenvolveu as suas ideias relativamente à melhor forma de ultrapassar os problemas enfrentados por esta indústria. O Administrador da fábrica na altura, Acácio de Calazans Duarte, tinha ideia opostas.

Enquanto chefe da Circunscrição empregou também muitos vidreiros para trabalhar na construção das estradas do Pinhal, procurando verbas para lhes pagar.

30 anos de escrita, apresentações e publicações

Além de “O Pinhal do Rei – Subsídios”, que é a sua obra mais conhecida, as várias contribuições de Arala Pinto incluem-se em publicações especializadas nacionais e estrangeiras – Publicações da Direção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, revista Indústria Portuguesa, Le Sud-Ouest économique ou Le Portugal au point de vue agricole –, mas também trabalhos de divulgação para um público mais vasto e até peças de teatro e livros infantis.

Entre estas obras, refiram-se:

– “As Árvores”, um livro de divulgação dedicado “aos rapazes de Portugal” e, na terceira edição, também “aos guardas florestais do meu país”. Com 46 páginas, ilustrado e com imagens de árvores seculares e monumentais, devidamente referenciadas, foi publicado em 1922, teve uma segunda edição em 1935 e uma terceira em 1952.

– “Le pin maritime en Portugal”, publicado no número especial “Le Pin” da revista Le Sud-Ouest Économique, Huitième année – nº 154-155, de maio de 1927.

– “A Crise Vidreira”, um conjunto de três publicações de 1931-32, sendo a primeira de Arala Pinto, seguindo-se a resposta do administrador da Nacional Fábrica de Vidros, Acácio de Calazans Duarte, e a contra-resposta de Arala Pinto.

– “Contos para Miúdos e Graúdos”, do Tio Lala Pinto, de 1941. Um livro com 13 histórias, dedicado aos “Meus amigos, porque sempre gostei de miúdos”.

– “Fogos”, comunicação apresentada no Primeiro Congresso Nacional de Ciências Agrárias, em 1943, dedicada ao tema dos incêndios e abordando os conceitos de prevenção mais avançados à época, repetindo a ideia defendida por autores anteriores, de que a solução para os grandes incêndios não é combate, mas a prevenção.

Várias das obras escritas pelo engenheiro florestal Arala Pinto

– “A tradição no progresso do distrito de Leiria”, comunicação feita no I Congresso das Actividades do Distrito de Leiria, em setembro de 1943, e que abordava o povoamento florestal do distrito de Leiria e o Pinhal de Leiria nas lendas, tradições e no folclore regional.

– “Surpresas e Ensinamentos colhidos no Pinhal de Leiria”, uma conferência apresentada na Sociedade de Ciências Agronómicas a 20 de julho de 1948.

– “Areias e aproveitamento na indústria manual de madeira provenientes de ‘quasimodos’ da floresta”, um artigo publicado na revista Indústria Portuguesa nº 257, de julho de 1949, que fala dos pinheiros “serpente” da Mata Nacional de Leiria.

– “Nascimento da indústria de resinagem em Portugal”, um artigo publicado na revista Indústria Portuguesa, 263, em 1950.

– “Duas dívidas: D. Denis e o nacionalismo de Afonso Lopes Vieira”, uma comunicação que fez numa conferência realizada na Casa do Distrito de Leiria, em Lisboa, a 20 de junho de 1951.

Um agradecimento especial a José Neiva Vieira, Engenheiro Silvicultor apaixonado pela história florestal, pela disponibilização de informação.

*Artigo em colaboração com Mariana Carvalho

Mariana Carvalho frequentou a licenciatura de Biologia, no Instituto Superior de Agronomia, e colaborou com o Florestas.pt, na elaboração deste conteúdo, no âmbito dos estágios de verão AlumnISA 2024.