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Roteiro pelo Gerês: conheça a História e a paisagem da região

Carvalhos seculares, cascatas revigorantes, lobos-ibéricos, toupeiras-de-água e uma estrada romana construída no século I são alguns dos ex-libris do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

No mapa, é uma espécie de meia-lua raiana, numa área que chega a cinco concelhos portugueses e contorna graciosamente o território espanhol. Mas, no terreno, as linhas fronteiriças não chegam para conter a força natural desta “joia da coroa” que se alonga entre áreas protegidas nacionais e o parque natural espanhol do Xurês. Numa área de confluência de climas e habitats naturais e seminaturais, a região do Gerês apresenta uma bolsa de biodiversidade única. Para não perder nenhum dos seus tesouros, visite o Parque Nacional Peneda-Gerês com calçado confortável e binóculos.

Com uma área de quase 70 mil hectares, a Peneda-Gerês é uma “escapadinha” obrigatória para os amantes da natureza. A riqueza do seu património natural não é propriamente um segredo: afinal, o parque foi a primeira área protegida criada em Portugal e é a única que conta com o estatuto de Parque Nacional, desde 1971. A nível transfronteiriço, o Parque Internacional Luso-Galaico Gerês/Xurés foi aprovado pela UNESCO como Reserva Mundial da Biosfera em 2009, pelas suas riquezas florestais, importância dos ecossistemas e elevado número de espécies endémicas.

Imagem Roteiro Gerês Paisagem

Um território que é uma espécie de “máquina do tempo”

Ao longo da paisagem acidentada de montanha, destacam-se a variedade de espécies botânicas e animais, mas também os sinais da passagem de diferentes civilizações. A confluência entre a natureza e a ocupação humana ao longo dos séculos não acontece por acaso e está estreitamente ligada às características geográficas da Peneda-Gerês.

A ocorrência de diferentes tipos de clima – atlântico, mediterrâneo e continental – criam condições para diferentes tipos de habitats, associados a uma vasta diversidade de flora e fauna. Por outro lado, o relevo de montanha sempre prestou proteção e segurança às comunidades que, há milénios, ocupam as encostas da região, com vestígios visíveis ao longo de todo o parque.

Os exemplos da ocupação humana no Gerês ao longo da História são variados:

– As gravuras rupestres do Penedo do Encanto e da Chã da Rapada, a necrópole megalítica de Castro Laboreiro e as antas (monumentos tumulares) da Serra do Soajo são marcos da importância simbólica e ritual do Gerês para as comunidades pré-históricas. De visitar também o Complexo de Arte Rupestre do Gião, muito próximo da delimitação do Parque Nacional.

– As ruínas da Calcedónia ou o castro da Ermida são vestígios da Idade do Ferro – o último dos grandes períodos da Pré-História – nesta zona montanhosa.

– A famosa “Geira” – nome pelo qual se popularizou a via romana XVIII do Itinerário Antonino – é um dos vestígios mais emblemáticos da presença romana na região. Trata-se de uma estrada militar, cuja construção deve ter rondado o final do século I, e que serviu para ligar as cidades de Bracara Augusta (atual Braga) e Asturica Augusta (atual Astorga, Espanha), facilitando a deslocação das legiões. No território do Parque Nacional é possível observar troços e vestígios desta via romana entre as originais milhas XIV e XXXIV, como por exemplo marcos com indicação das milhas (miliários), estações de muda (mutatios) ou mansions, locais de descanso ao longo da via, atualmente submersos, e apenas visíveis quando desce o nível da água na albufeira de Vilarinho das Furnas. A Pedra dos Namorados, que pode ser vista no Núcleo Museológico da Ermida, é outro dos sinais da presença romana.

– Os castelos de Lindoso, de Montalegre e de Castro Laboreiro e as ruínas do mosteiro de Santa Maria das Júnias recordam a ocupação humana na era medieval.

– Construções como os espigueiros do Soajo e do Lindoso, silos em pedra para secagem do milho, protegidos estrategicamente de roedores e outros animais, ou os fojos do lobo de Germil e da Portela da Fairra, grandes estruturas em pedra que serviam como armadilhas para lobos e que, pelo seu porte, exigiam a mobilização de toda a aldeia, testemunham a vivência nas aldeias serranas nos séculos XVIII, XIX e XX.

Imagem Roteiro Gerês Gruta

Monumento megalítico perto de Castro Laboreiro

Imagem Roteiro Gerês Estrada

Troço da Geira Romana

Plantas e animais a descobrir no Gerês

A presença do ser humano – nos vestígios arqueológicos, nas aldeias de montanha e até nas albufeiras e estradas que vão transformando a paisagem – não chega para distrair a atenção do manto vegetal que cobre a Peneda-Gerês. Até porque são os recursos biológicos que estão na base do estatuto de Parque Nacional, como estabelecido pelo Decreto n.º 187/71, de 8 de maio.

No entanto, a paisagem montanhosa reflete também a intervenção humana. A começar nos espaços agrícolas do fundo dos vales e nas terras para pastorícia das zonas mais altas, mas visível ainda nas ações de desflorestação e arborização ao longo dos séculos.

De recordar que Portugal atingiu, no século XVIII, o grau mais elevado de desflorestação e que só no final do século XIX (1888-89) se iniciou por iniciativa estatal a arborização do Gerês (Perímetro Florestal do Gerês), a partir da apropriação dos baldios comunitários das populações de montanha.

Como resultado, habitats seminaturais, como as matas de pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris), os lameiros e os prados de montanha, convivem com os habitats mais característicos, como carvalhais, turfeiras, bosques ripícolas, matos húmidos e matos secos. No conjunto, criam o mosaico de biodiversidade e riqueza paisagística característico da Peneda-Gerês.

Na sua visita ao Gerês, esteja atento às espécies emblemáticas do Parque Nacional:

– aproveite as sombras do carvalho-alvarinho (Quercus robur) e carvalho-negral (Quercus pyrenaica) da Mata de Albergaria, um dos carvalhais em melhor estado de conservação da Península Ibérica;

– espreite os vibrantes lírios-do-gerês (Iris boissieri), espécie endémica do Parque Nacional reconhecida pela coloração azul e amarela (em floração em meados de junho);

– perto dos rios em altitude (por norma acima dos 700 metros), observe os bosques de teixos (Taxus baccata), espécie arbórea rara em Portugal, muitas vezes acompanhada do azereiro (Prunus lusitanica), azevinho (Ilex aquifolium) ou bétula (Betula alba);

– procure os narcisos-de-trombeta (Narcisssus pseudonarcissus) nos prados. Nas turfeiras, habitat raro em Portugal em zonas encharcadas, poderá encontrar as plantas carnívoras orvalhinha (Drosera rotundifolia) e pinguícola (Pinguicula lusitanica).

Carvalho-Alvarinho
Lírio-do-gerês
Orvalhinha

Da esquerda para a direita: Carvalho-alvarinho (Quercus robur) na Mata da Albergaria, Lírio-do-gerês (Iris boissieri) e Orvalhinha (Drosera rotundifólia).

A diversidade de habitats no Gerês permite uma grande variedade de espécies animais que fazem destas montanhas o seu lar, muitos deles vulneráveis e em populações reduzidas, que importa proteger. O lobo-ibérico (Canis lupus) tem aqui a sua população-mãe em Portugal, sendo um dos animais popularmente associados ao Parque Nacional.

Além das alcateias de lobos, as montanhas dão abrigo à salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), espécie endémica, e à víbora-cornuda (Vipera latastei), ambas com estatuto de proteção vulnerável. Nos céus, observe o pequeno cartaxo-nortenho (Saxicola rubetra) ou a narceja (Gallinago gallinago), por exemplo. Esta última tem no Parque Nacional da Peneda-Gerês o único local de reprodução identificado em Portugal. Na água, chamam a atenção as lontras (Lutra lutra) e as toupeiras-de-água (Galemys pyrenaicus).

Salamandra-lusitanica

Salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica)

Narceja

Narceja (Gallinago gallinago)

Víbora-cornuda

Víbora-cornuda (Vipera latastei)

Lontra

Lontra (Lutra lutra)

Há muito para explorar e descobrir nos solos, céus e águas do vasto território do Gerês. Deixe o carro, aventure-se em caminhadas, passeios de bicicleta ou a cavalo e aproveite, de perto, a natureza ao seu redor.

Como chegar ao Gerês?

O Parque Nacional da Peneda-Gerês localiza-se no extremo noroeste de Portugal, junto à fronteira com Espanha. Para chegar ao Gerês vindo do Centro ou Sul do país, rume a Braga (pela autoestrada A3, por exemplo). A partir de Braga, siga em direção ao concelho de Terras de Bouro. Vindo de Espanha, pode entrar pela fronteira Portela do Homem e chegar a Portugal já dentro das delimitações do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

O território classificado como Parque Nacional abrange cinco concelhos e quatro serras: os concelhos de Terras de Bouro, Melgaço, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Montalegre, e as serras do Gerês, Peneda, Soajo e Amarela. A área é recortada pelos rios Lima e Cávado.

A marcar a entrada na Peneda-Gerês, cinco “Portas” esperam os visitantes. Trata-se de um conceito turístico inovador da região e que marca diferentes acessos ao Parque Nacional com estruturas de receção, recreio, lazer e informações úteis. Cada uma das “Portas” tem associada uma temática específica para conhecer melhor o Gerês:

– Porta de Mezio (Arcos de Valdevez) – Conservação da Natureza e da Biodiversidade;

– Porta de Montalegre – Paisagem;

– Porta do Lindoso (Ponte da Barca) – Geologia e Água;

– Porta de São João do Campo (Terras de Bouro) – História e Civilizações;

– Porta de Lamas de Mouro (Melgaço) – História e Ocupação do Território.

Roteiro de dois dias pelo Gerês

Conhecer o Parque Nacional Gerês, com ‘olhos de ver’ e em toda a sua dimensão, variedade de paisagens e biodiversidade exige tempo. Mesmo os visitantes mais habituais destas montanhas são frequentemente surpreendidos pelos encantos escondidos do território.

No entanto, e para que possa planear uma primeira “escapadinha”, deixamos-lhe uma proposta de roteiro para dois dias. É uma espécie de cartão de visita pelos marcos naturais e de construção humana que podem ser encontrados na área protegida – e que, provavelmente, irão despertar a vontade de regressar.

Dia 1

Dia 2