Num relatório que alerta para a necessidade de conjugar diferentes conhecimentos e interesses para tomar decisões mais informadas sobre as florestas no espaço europeu, o EFI – Instituto Europeu da Floresta destaca 12 questões sobre as florestas europeias que importa reter.
O que vê quando pensa em florestas? A resposta varia entre uma paisagem e refúgio de biodiversidade ou uma fonte de madeiras e outros bens e serviços, dependendo de quem dá a resposta. Diferentes pessoas conhecem e valorizam aspetos específicos da floresta com os quais estão mais familiarizadas, mas as perceções dos diferentes grupos – ecologistas, silvicultores, indústria de base florestal, entre outros – estão, com frequência, incompletas e enviesadas.
As expectativas e o papel que se espera que as florestas tenham dependem destas visões diferenciadas. É necessária uma visão inter-relacional, transversal e holística sobre a floresta para definir objetivos e orientar a gestão. Consciente de que para esta visão é indispensável um diálogo construtivo, capaz de aproximar as partes interessadas, desconstruir mitos e preconceitos, assim como de sustentar uma análise e decisão política informada, o EFI – na sigla inglesa European Forest Institute – divulga 12 questões sobre as florestas europeias que todos deveriam conhecer.
Estas 12 questões sobre as florestas europeias estão patentes no relatório “Key Questions on Forests in the EU”, através do qual o EFI disponibiliza informação que pode ser compreendida pelo público em geral e não apenas por especialistas ou técnicos que atuam em áreas específicas das florestas.
Aspetos como os impactes das alterações climáticas nas florestas e as relações entre gestão florestal e biodiversidade estão em destaque nestas 12 questões-chave, que abordam também as perceções do grande público sobre as florestas que lhes são próximas, informação que o EFI recolheu por meio de inquérito à população.
1. Como é que as florestas europeias evoluíram e porque são diferentes das que existiam no passado?
As florestas na União Europeia mudaram significativamente face ao passado. A expansão da agricultura necessária para a alimentação e a sobre-exploração da floresta para usos como a energia, construção e mineração provocaram elevadas perdas durante milénios. Só desde o início do século XIX esta tendência começou a alterar-se.
Em resultado das intervenções humanas e das suas interações com os processos naturais, a maioria das florestas na UE são seminaturais, restando apenas fragmentos das florestas nativas. Além da extensão, as espécies existentes hoje são também diferentes, após décadas de gestão, em que foram escolhidas algumas espécies (maioritariamente coníferas) como fonte de madeira e outras matérias-primas. Desde 1990, devido à maior suscetibilidade das coníferas a alterações climáticas e a pragas e doenças, entre outros fatores, que as espécies folhosas têm sido utilizadas de forma crescente, especialmente na Europa central.
As florestas cobrem atualmente cerca de 40% do território europeu, distribuindo-se por 159 milhões de hectares – o equivalente a quatro vezes o tamanho da Suécia -, e esta distribuição varia muito entre países: em Malta, por exemplo, apenas 1% do solo é florestado, enquanto na Finlândia a floresta cobre 74% do território. Atualmente, melhores práticas de gestão, alterações no clima e outros fatores como a deposição de azoto ou o aumento do dióxido de carbono na atmosfera contribuíram para aumentar o ritmo de crescimento das florestas. Este ritmo tem aumentado mais do que o do corte de madeira.
2. A quem pertencem as florestas e como são geridas?
As florestas europeias pertencem a cerca de 16 milhões de proprietários florestais públicos e privados. Cerca de 60% da área florestal é privada, enquanto 40% é considerada propriedade pública, pertencendo a municípios, governos regionais ou nacionais. A propriedade florestal privada domina no norte e ocidente europeu. O êxodo rural afastou muitos proprietários das suas florestas, tanto na europa ocidental como na de leste.
Quase 90% dos proprietários têm parcelas menores de 10 hectares (muitos deles, terrenos muito mais pequenos). Os proprietários de pequenas áreas florestais têm tendencialmente pouco conhecimento, capacidade e interesse na gestão florestal. Quanto mais fragmentada é a propriedade, mais difícil é conhecer e envolver os proprietários na prossecução de objetivos estratégicos e menos capacidade de retorno e investimento existe. Gestão conjunta e certificação são algumas das iniciativas que podem apoiar estas dificuldades.
3. O que pensam as pessoas acerca das florestas na União Europeia?
As florestas são especialmente valorizadas pelos seus benefícios ambientais, como a biodiversidade, o ar puro ou o sequestro de carbono. Alguns estudos mostram que o valor recreativo associado às florestas pelos cidadãos também é elevado. O valor económico das florestas, pelo contrário, não é uma vertente percecionada ou valorizada pela maioria dos habitantes da UE. A capacidade das florestas fornecerem madeira e produtos lenhosos, contribuírem para o desenvolvimento rural e emprego não é considerada tão relevante, o que explica que as operações florestais também não sejam apreciadas. A floresta é vista pelo público em geral como um espaço a preservar e a desfrutar (embora este grupo nem sempre tenha a noção da importância para a biodiversidade de árvores mortas ou caídas, por exemplo) e não como um recurso que pode ser valorizado, que é uma visão predominante dos proprietários e gestores florestais.
4. Como é que as alterações climáticas afetam as florestas e o que pode vir a acontecer?
Nos últimos anos, nomeadamente entre 2018 e 2020, as florestas foram afetadas por secas severas, tempestades de vento, diversas pragas e grandes incêndios florestais, mas os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir há mais tempo. Estes eventos extremos têm vindo a afetar o crescimento e a estabilidade das florestas: são já observadas perdas de produtividade, declínios de crescimento, redução dos limites de distribuição de espécies e crescentes taxas de mortalidade. No futuro, tanto o crescimento das florestas como a sua composição continuarão a sofrer alterações, embora seja difícil prever as direções destas mudanças.
A atual taxa e magnitude das alterações climáticas excede a velocidade de adaptação natural das espécies. A gestão ativa, incluindo a seleção de espécies mais bem adaptadas é, por isso, essencial.
Deixar a floresta seguir o seu curso, sem qualquer intervenção humana, com o objetivo único de armazenar carbono nos ecossistemas florestais? Gerir ativamente a floresta para aumentar o armazenamento de carbono neste ecossistema? Ou gerir de forma a obter produtos lenhosos que retenham carbono ao longo do seu ciclo de vida e que permitam substituir materiais de origem fóssil?
Entre gerir e não gerir a floresta há um vasto espectro de opções a considerar e o ponto de equilíbrio poderá estar na conjugação de diferentes abordagens e medidas, combinando conservação e gestão ativa com o objetivo de: conservar florestas antigas com stocks de carbono elevados; substituir povoamentos mais suscetíveis por espécies mais bem adaptadas; reduzir riscos em zonas com maior probabilidade de incêndios e aumentar o uso de madeira e de outros materiais lenhosos.
6. Como é que a gestão florestal afeta a biodiversidade?
As florestas europeias têm uma longa história de uso humano. Os regimes de gestão introduziram alterações nos ecossistemas florestais naturais, causando mudanças na biodiversidade. As antigas florestas naturais são importantes para a biodiversidade e armazenamento de carbono, mas representam apenas cerca de 2% do total das florestas europeias. Por isso, as florestas semi-naturais e plantadas, mesmo as que têm uma gestão mais intensiva, também devem apresentar valores de conservação.
Existem múltiplas opções para integrar a conservação da biodiversidade na silvicultura, nomeadamente através da criação de condições que recriem processos naturais e da integração de elementos característicos das florestas antigas ou primárias. A manutenção de árvores de diferentes estruturas etárias, de árvores mais velhas e a permanência de madeiras mortas no terreno (microhabitats para inúmeras espécies) são alguns exemplos.
7. Qual o papel das florestas no ciclo da água?
A água tornou-se um recurso essencial no século XXI, dado o aumento da procura e de eventos extremos que têm causado secas e faltas de água em algumas zonas do planeta. O papel das florestas no ciclo da água tem sido alvo de intenso debate. Se anteriormente eram vistas como “esponjas” que absorviam água e ajudavam a regularizar os caudais dos rios e a evitar enchentes, sabe-se hoje que a relação entre água e floresta gera um contributo mais abrangente, com implicações que vão desde o arrefecimento da atmosfera à formação das nuvens, reciclagem de precipitação, passando pelo controlo da erosão, purificação da água e contributo para as reservas subterrâneas. Esta inter-relação entre a floresta e a água tem de ser preservada para manter equilíbrios essenciais, como o do clima, dos solos e da qualidade da água.
8. Como é que as florestas melhoram a saúde e o bem-estar?
As florestas fornecem diversos bem e serviços (como alimentos e suplementos alimentares, plantas medicinais, água potável ou rendimento) que têm impacte indireto na saúde e bem-estar humanos. Mas há também efeitos diretos a considerar no curto e longo prazo. Por exemplo, uma caminhada na floresta tem influência positiva no sistema nervoso à medida que a frequência cardíaca e a pressão arterial diminuem. Os benefícios incluem outras vertentes, desde a recuperação de estados de stress à melhoria da qualidade do sono. Alguns destes benefícios foram evidenciados pela crescente procura de espaços florestais e zonas verdes desde o início da pandemia de Covid-19.
Os impactes da floresta no bem-estar e saúde precisam de ser aprofundados para que se possam incorporar, junto com outras áreas verdes, como componentes importantes de infraestruturas que beneficiem a saúde pública.
9. Como é que as árvores e florestas podem apoiar cidades sustentáveis e amigas do clima?
As florestas e as árvores contribuem para o clima das cidades de duas formas: fornecendo produtos de base biológica e renováveis, nomeadamente para a construção, e serviços do ecossistema importantes para a regulação do clima e para o bem-estar. Além disso, a capacidade de fixação de carbono é um benefício relevante, tendo em conta que 70% das emissões de dióxido de carbono têm origem nas cidades.
As florestas e árvores dos perímetros urbanos melhoram a qualidade do ar das cidades, melhoram a qualidade do solo e ajudam a reduzir as ondas de calor. Os efeitos do ensombramento e arrefecimento permitem ainda reduções significativas nos gastos energéticos.
A maior parte das cidades europeias está localizada em zonas perto de rios, pelo que as florestas destas bacias hidrográficas têm um papel importante na quantidade e qualidade da água, além de protegerem estas zonas de possíveis cheias.
A maioria das áreas florestais está localizada em zonas rurais, sendo, no entanto, fonte de muitos bens e serviços lenhosos e não lenhosos que “alimentam” as cidades.
10. Qual o contributo das florestas para a economia e o emprego?
Um estudo recente (que inclui UE-28 e parte europeia da Rússia) estimou em 23,3 mil milhões de euros o valor anual da floresta na Europa. Para os proprietários da vasta maioria destas regiões, a madeira é a principal fonte de rendimento da floresta, mas para 1,7 milhões de lares, a principal fonte é o comércio de produtos florestais não lenhosos. Em 2018, cerca de 400 mil indústrias de base florestal (lenhosa e não lenhosa) estavam ativas e o emprego gerado pelas cadeias de valor da floresta foi estimado em 4,5 milhões. Em 2017, o Valor Bruto Acrescentado por elas gerado ascendeu a 129 mil milhões de euros (7,1% da indústria na UE).
Estima-se que os contributos da bioeconomia representem perto de 9% da força de trabalho da EU-27 e 4,7% do seu PIB – Produto Interno Bruto, valores que incluem apenas os sectores tradicionais (madeira, papel, etc.) e não as novas aplicações (têxteis, bioquímicos, bioplásticos, etc.). Não contabilizados estão também vários outros contributos, como o do turismo ou atividades recreativas.
11. Como pode uma bioeconomia baseada na floresta apoiar a biodiversidade e a neutralidade climática?
Estima-se que, na construção de infraestruturas, a utilização de uma tonelada de madeira – em substituição de materiais como o cimento ou o aço – permita evitar em média 2,4 toneladas de emissões de dióxido de carbono. Se o exemplo ilustra como a bioeconomia florestal pode ter impactes ambientais positivos, abrindo novas oportunidades também aos produtores florestais, importa que esta bioeconomia seja alvo de uma gestão sustentável e inteligente, que contrarie os efeitos negativos que a exploração florestal possa ter nos ecossistemas e na biodiversidade.
São necessárias também ações adaptadas às especificidades de cada região, que conciliem:
– aumento da área florestal e evitem a desflorestação;
– aumento da resiliência dos recursos florestais globais, coordenando medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas;
– utilização da madeira das florestas em produtos que armazenem carbono e que sejam alternativa a materiais fósseis não renováveis, que são fonte de emissões de gases com efeito de estufa.
12. Qual o impacte do consumo europeu (EU) nas florestas do mundo?
Embora os recursos florestais estejam a aumentar na Europa, estão sob ameaça em várias regiões do planeta. Globalmente, entre 1990 e 2016, perdeu-se uma área de floresta de 1,3 milhões de quilómetros quadrados, o equivalente a 800 campos de futebol, a cada hora, durante aquele período. A desflorestação é especialmente alarmante nos trópicos.
A conservação das florestas no mundo está ameaçada por um conjunto de fatores, nomeadamente a procura crescente por alimento, rações e energia. Embora muitos destes produtos sejam consumidos localmente, a UE é um dos principais importadores globais de diversos serviços e produtos associados à desflorestação, como, por exemplo, o cacau, o café, a carne de vaca, o milho, a borracha, o óleo de palma ou a soja, que são responsáveis por cerca de 80% da desflorestação global. As importações e consumo europeus representam entre 7% e 10% do consumo global de produtos associados com a desflorestação nos seus países de origem. Isto equivale à importação e consumo na UE de uma área desflorestada do tamanho de Portugal, no período entre 1990 e 2008.
A Comissão Europeia estabeleceu algumas prioridades para reduzir a pressão nas florestas globais, nomeadamente:
– reduzir a pegada ecológica europeia e incentivar o consumo de produtos não associados a desflorestação;
– estabelecer parcerias com os países produtores para reduzir a pressão sobre as florestas;
– fortalecer a colaboração internacional para parar a desflorestação e degradação florestal e encorajar a restauração florestal;
– redirecionar suporte financeiro para práticas mais sustentáveis de uso do solo;
– apoiar a disponibilidade e qualidade de informação sobre florestas e cadeias de fornecimento, o acesso a essa informação e a inovação e desenvolvimento.