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Bioeconomia

Bioembalagens: dos tradicionais sacos às futuras garrafas de papel

Motivadas pela procura de alternativas sustentáveis ao plástico, centenas de equipas por todo o mundo dedicam-se à investigação e desenvolvimento de bioembalagens. Um dos objetivos mais ambiciosos é a produção de garrafas de papel, mas dezenas de soluções permitem já reduzir a componente das embalagens que depende do petróleo.

As garrafas de papel ainda não são uma alternativa às comuns garrafas de plástico, que constituem hoje uma das maiores fontes de resíduos e poluição, mas o futuro pode passar por aqui. Centenas de equipas de investigação continuam a trabalhar por todo o mundo em novas soluções de bioembalagens – embalagens com origem em matérias-primas renováveis, biodegradáveis e compostáveis.

Muitas soluções que chegam ao mercado permitem já reduzir a percentagem de plástico, um material derivado do petróleo. Algumas embalagens, que antes eram feitas na sua totalidade em plástico, podem ter hoje em dia níveis inferiores a 5% deste material na sua composição. Não é, por isso, inédito beber um sumo por uma palhinha de papel, tomar um café num copo maioritariamente produzido em cartão ou embalar um alimento fresco em película bioplástica.

Boa parte desta inovação baseia-se no potencial das fibras vegetais e florestais, nomeadamente dos amidos e da celulose, esta última usada há muito na produção de papéis e cartões comuns no nosso dia-a-dia, inclusive em sacos de papel ou embalagens de ovos.

Sabia que mais de 100 milhões de garrafas plásticas de água são usadas diariamente no mundo? Apenas uma em cinco segue para reciclagem. As restantes acabam em aterros ou abandonadas no ambiente e esta é uma das razões pelas quais as garrafas de papel ou cartão são um dos grandes desafios para as equipas de investigação.

Estes dois componentes estruturais das plantas são usados na criação de biopolímeros – bioplásticos de origem orgânica renovável (biomassa), biodegradáveis e compostáveis – que constituem uma alternativa aos polímeros convencionais, ou seja, aos plásticos que integram petróleo na sua composição. Pinheiro, eucalipto ou cana-de-açúcar são exemplos de fontes de fibras usadas para a produção de embalagens e outras continuam em estudo, como é o caso da cortiça, fonte de suberina, um dos biopolímeros que está a ser investigado por equipas de investigação em Portugal.

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Quando o objetivo é embalar conteúdos sólidos e secos, que não oxidam com o ar nem se degradam com a humidade, há bioembalagens 100% derivadas de fibras naturais já disponíveis. No entanto, há situações em que é necessário juntar a estes biomateriais plasticizantes e aditivos para os adequar a funções em que as soluções bio ainda não são viáveis ou eficazes. É isto que acontece quando se pretende embalar líquidos, sejam recipientes de cartão para champôs e detergentes, copos de café ou garrafas de água de papel. O mesmo se passa com bioembalagens para acondicionar alimentos perecíveis que se degradam em contacto prolongado com o ar (película para envolver uma alface, por exemplo) ou em caixas para alimentos com gordura (como um hambúrguer confecionado ou batatas fritas). Em situações como estas, as soluções sem recurso ao plástico são escassas.

A pegada de carbono das embalagens de papel e cartão é comparativamente mais reduzida face à dos plásticos tradicionais: por um lado, usam matérias-primas renováveis, biodegradáveis e compostáveis; por outro, as melhorias conseguidas nos processos de produção permitem reduzir a quantidade de matérias-primas utilizadas (embalagens mais finas e leves, por exemplo), com economia de recursos naturais e de custos de transporte.

Barreira e moldagem entre os desafios a ultrapassar nas bioembalagens

Entre o conjunto de desafios a ultrapassar está a moldagem dos biomateriais, a criação de uniões estanques entre as diferentes peças que compõem uma embalagem – por exemplo, a união entre a base e a lateral de copos ou garrafas de água –, assim como o desenvolvimento de barreiras de proteção e separação eficientes entre a embalagem e o conteúdo, explica Luís Ganhão Simões, responsável da área de embalagem da The Navigator Company. É por isso que a maioria dos protótipos anunciados para conter líquidos, gorduras e perecíveis necessita ainda de integrar uma fina camada plástica.

Esta é a realidade das garrafas de papel que a Unilever está a testar para o seu detergente Omo, que contêm plástico projetado, ou das que a Procter & Gamble já anunciou para o seu amaciador Lenor, previstas para o mercado europeu em 2022, num projeto piloto que ainda recorre à barreira plástica. Os exemplos surgem integrados em dois dos maiores consórcios mundiais dedicados à inovação de embalagens sustentáveis: Pulpex e Pabboco, respetivamente.

Recorde-se que a Pulpex já patenteou uma solução de pasta (fibras de celulose) e o respetivo processo de moldagem para criação de garrafas de papel destinadas a conter líquidos e investe agora no desenvolvimento de tecnologias que permitam criar barreiras protetoras seguras e eficientes, para que as garrafas de papel possam conter, por exemplo, líquidos quentes ou bebidas com gás.

Por sua vez, a Pabboco divulgou, em 2018, um protótipo para garrafas de papel com barreira protetora feita de biomateriais.

Películas transparentes com base em celulose, para acondicionar alimentos, estão já no mercado, a exemplo da NatureFlex . A celulose proveniente da madeira – oriunda de florestas sob gestão sustentável – é o seu principal material, mas também ainda não é o único componente deste “papel transparente”.

Preço e disponibilidade, além do desempenho

Os condicionantes à massificação de bioembalagens de materiais 100% derivados de fibras renováveis não são apenas científicos, refere Luís Ganhão Simões, que identifica como barreiras o preço e a disponibilidade, além do desempenho. Segundo o especialista, estes são obstáculos que implicam tempo para serem ultrapassados – pelos menos alguns anos – e o ritmo de desenvolvimento abrandou no contexto da pandemia de Covid-19, com a retração do consumo e do investimento.

Segundo explica, um bioplástico proveniente de celulose, como o PLA, pode custar quatro vezes mais do que um plástico tradicional, o que vai refletir-se no preço que o consumidor terá de pagar. Da mesma forma, a entrega de um biopolímero pode implicar um tempo de espera de cinco ou seis meses após a encomenda, enquanto um plástico está habitualmente disponível em prazos bastante curtos.

Finalmente, para usos mais desafiantes que exigem a já referida barreira que separa e isola conteúdos da embalagem, o desempenho dos biopolímeros ainda se mostra aquém do proporcionado pelos plásticos, um desafio que permanece na área da química.

As bioembalagens ajudam a reduzir a utilização de polímeros derivados do petróleo. Além deste esforço da ciência e da indústria, é preciso alterar comportamentos, para reduzir o uso de embalagens descartáveis ou de utilização única, que são a principal preocupação em termos ambientais, já considerada em termos de restrições legais.

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