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Gestão Sustentável

Decisão apoiada por ferramentas de gestão florestal ajuda a conciliar objetivos e recursos

Cada área de floresta tem características únicas e as decisões de gestão, naturalmente diversificadas, impactam todo o ecossistema. Conciliar objetivos de gestão e recursos disponíveis à escala da paisagem exige conhecimento, sintonia com as ferramentas de gestão do território e uma estratégia colaborativa entre os agentes. Se é certo que não existem receitas padrão, as ferramentas de gestão florestal apoiam uma tomada de decisão mais informada e sustentável. Conheça mais sobre este processo num texto em colaboração com Miguel Almeida.

Até meados do século passado, a maioria das áreas florestais e agroflorestais era gerida com o objetivo principal de produzir madeira, cortiça e outros produtos silvestres. Embora o fornecimento de serviços de ecossistema estivesse presente (especialmente em intervenções dos Serviços Florestais para fixação de dunas, arborização das serras ou correção torrencial dos caudais de rios), a informação e as ferramentas de gestão florestal disponíveis estavam associadas à produção de matérias-primas florestais.

Embora estes produtos mantenham procura, à medida que se ampliou o conhecimento sobre os ecossistemas florestais, a consciência ambiental e a escala de gestão ao nível da paisagem, outros objetivos ganharam relevância face ao propósito principal de manter as florestas saudáveis e produtivas: a remoção de carbono atmosférico, a preservação do solo, a gestão da água, a proteção da biodiversidade e o aumento da resiliência às alterações climáticas são apenas alguns exemplos.

A gestão florestal passou, assim, a incluir de forma mais generalizada a preocupação com a preservação dos serviços ambientais ou do ecossistema que as florestas podem fornecer, equilibrando a produção de bens, como a madeira, a cortiça, os frutos ou as sementes, com muitos outros objetivos, incluindo reduzir o risco de incêndio, promover a resiliência dos ecossistemas ou aumentar a eficiência hídrica. A estes proveitos diretos acrescem outros benefícios tangíveis, como o aumento do potencial de exploração turística, e intangíveis, como a melhoria do bem-estar e o gosto da vivência do local por parte das populações.

As agendas políticas nacionais e internacionais têm vindo a depositar grandes expectativas nas florestas. Estratégia para as Florestas 2030, pacote “fit for 55”, a Estratégia para a Bioeconomia, a Estratégia para a Biodiversidade 2030 e o Plano Nacional Integrado Energia e Clima 2021-2030, entre muitos outros documentos e planos reconhecem que a floresta se assume como um elemento-chave no combate às alterações climáticas, resultando num acréscimo de responsabilidade social para quem gere estes ecossistemas. Na perspetiva oposta, mas com o mesmo objetivo último, torna-se igualmente fundamental tornar as florestas mais resilientes às próprias alterações climáticas.

Conciliar objetivos e preservar recursos ao nível do ecossistema

Esta multiplicidade de objetivos levou ao aumento do número das variáveis a ter em conta na altura de definir a estratégia de gestão florestal sustentável mais adequada a cada caso. Além da importância de conciliar objetivos, uma gestão sustentável das florestas implica também a utilização de recursos genéticos adequados e a preservação dos recursos naturais existentes, como por exemplo a água e o solo. De facto, as decisões de gestão têm impactes a nível local e ao nível do ecossistema:

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Foto © Daniela Ferreira

1. Impactes locais – qualquer intervenção que fazemos vai afetar os recursos naturais dessa área e os serviços por ela proporcionados.

Por exemplo, a gestão de uma área florestal com o objetivo de promover a resistência ao fogo, habitualmente, passa por reduzir a densidade da vegetação. No entanto, menos vegetação pode conduzir a uma diminuição da humidade do solo e permitir maiores velocidades de vento, o que acaba por aumentar o risco de incêndio e diminuir as reservas de carbono que são tão importantes para aumentar a resiliência às alterações climáticas.

A complexa rede de interações desencadeadas por uma determinada decisão ou estratégia de gestão florestal implica que esta deve ser considerada de forma integrada.

2. Impactes no ecossistema – a interdependência entre as diferentes áreas e habitats de um ecossistema leva a que uma ação realizada numa determinada zona tenha efeitos no ecossistema como um todo.

Veja-se o exemplo de uma preparação de terreno com vista à realização de uma plantação. Ao não respeitar as curvas de nível, as linhas de água e a flora associadas, aumenta de forma significativa a probabilidade de as águas da chuva promoverem fenómenos de erosão associados à diminuição da capacidade de infiltração e ao aumento da velocidade de escorrência superficial. Os impactes podem estender-se às reservas de água subterrâneas e contribuir para a degradação dos solos e para o assoreamento das linhas de água.

Os impactes alargados de determinada decisão ditam a necessidade de que a gestão se faça ao nível da paisagem (não só do povoamento florestal) e implicam monitorizar e quantificar os efeitos que se farão sentir em todo o ecossistema.

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Com tantas implicações difíceis de prever, tornou-se complexo definir as estratégias mais adequadas a cada caso para alcançar determinados objetivos, sem pôr em risco outros recursos existentes e conciliando serviços essenciais das florestas. Daí surgiu a necessidade de aplicar conhecimentos e desenvolver novas ferramentas de apoio à gestão florestal, nomeadamente os Sistemas de Apoio à Decisão.

Novas ferramentas de gestão florestal apoiam tomada de decisão

Quando aplicados à gestão florestal, os Sistemas de Apoio à Decisão – SAD ajudam os gestores a perceber as implicações económicas, ambientais e sociais associadas às diferentes estratégias e opções de gestão florestal. Isto permite ponderar alternativas e tomar decisões mais informadas.

Estas ferramentas começaram a ser adaptadas à gestão florestal no início dos anos 80 do século XX para analisar dados e modelos, assim como para produzir alternativas que, em situações de indefinição, pudessem ajudar a tomar decisões de gestão e planeamento mais sustentadas.

Os primeiros SAD começaram ainda por ter o seu foco central na produção de madeira, mas evoluíram para uma visão mais ampla, que abrange desde as preocupações ambientais às obrigações e restrições regulatórias.

Os avanços resultantes da crescente capacitação tecnológica proporcionam também a estas ferramentas de gestão florestal novas funções e novos suportes, com desenvolvimentos adaptados a objetivos específicos. Hoje, temos SAD que consideram, entre outros, aspetos relacionados com:

• gestão da vida selvagem,
biodiversidade,
• avaliação do risco de incêndio,
• perdas potenciais associadas aos ventos,
surtos de pragas,
gestão da paisagem,
erosão,
• planos de corte de madeira,
sequestro de carbono,
operações logísticas,
custos de transporte.

Em Portugal, são usadas atualmente ferramentas desenvolvidas à medida, incluindo aplicações para telemóveis que permitem conhecer a aptidão de um dado local para a instalação de povoamentos de sobreiro (Quercus suber) ou para estimar o volume de madeira em povoamentos de pinheiro-larício (Pinus nigra) a partir de fotografias, passando por plataformas que fornecem indicações técnicas de instalação e gestão de povoamentos de eucalipto. No geral, todas estas ferramentas de gestão vêm facilitar e contribuir para a melhoria do processo de decisão.

A recolha de informação, essencial a este processo, tradicionalmente baseada em trabalho de campo, fotografias aéreas ou imagens de satélite, também se diversificou e pode ser feita, por exemplo, com recurso a drones. Estes veículos aéreos não tripulados estão a ser usados para monitorização e avaliação de áreas florestais, levantamentos cartográficos e topográficos, entre outras finalidades.

Refira-se que a importância dos sistemas de apoio à decisão para a gestão florestal sustentável e multifuncional foi reconhecida pela União Europeia, tendo sido feito um levantamento dos SAD desenvolvidos para a gestão florestal e uma listagem dos casos de estudo europeus que aplicaram estas ferramentas no âmbito do projeto FORSYS – Forest Management Decision Support Systems. No entanto, mesmo com estas ferramentas de gestão florestal, os serviços ambientais proporcionados pelas florestas nem sempre são considerados nas decisões de gestão como seria desejável, uma vez que é difícil identificar e quantificar os impactes causados pelas atividades florestais.

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Os desafios da silvicultura

A gestão e a conciliação de objectivos, recursos e ferramentas à escala da paisagem não é uma tarefa simples, é antes uma atividade que exige uma grande capacidade e conhecimento. A silvicultura, disciplina dedicada ao estudo da gestão, produção e conservação das florestas e zonas florestadas, procura dar resposta a estes desafios, recorrendo às ciências da vida, à economia e à tecnologia. É preciso produzir mais, com menos impactes, gerar mais valor, mais emprego e implementar práticas menos impactantes, capazes de alavancar os serviços dos ecossistemas de forma integrada.

A evolução do conhecimento tem permitido avanços significativos na forma como cuidamos das florestas. Novos conceitos, como é exemplo a “silvicultura próxima da natureza” têm procurado conciliar a produção de alguns bens florestais e a conservação desses ecossistemas, estabelecendo florestas que sejam multifuncionais, rentáveis e sustentáveis. Com recurso a técnicas e procedimentos que tomam em consideração os processos naturais e o equilíbrio desses sistemas, procura-se assegurar rentabilidade económica em povoamentos mais resistentes e mais resilientes.

Este tipo de silvicultura, apoiada nos processos naturais, quando passível de aplicação, reduz a necessidade de intervenções e tem sido aplicada em vários países europeus, para promover quatro benefícios definidos como essenciais para as áreas em causa:

• conservação da biodiversidade

• proteção do solo e do microclima;

• produção de produtos lenhosos e não-lenhosos;

• promoção da paisagem, recreio e aspetos culturais

Entre as estratégias desta silvicultura mais próxima da natureza, salienta-se, por exemplo, a plantação de espécies florestais diversificadas, que garantam a produção dos produtos pretendidos, e estejam bem-adaptadas ao local.

A silvicultura, tal como a floresta, está em constante evolução. A tomada de decisão na gestão florestal implica utilizar o conhecimento disponível. As novas ferramentas e tecnologias podem facilitar o processo de conciliação dos objetivos, melhorando a recolha de informação, a análise de dados e a definição de alternativas de gestão e a contabilização dos diferentes impactes das práticas florestais.

 

Não há “soluções únicas nem mágicas” e o resultado da gestão florestal é o melhor compromisso possível, nas circunstâncias locais, a cada momento.

*Artigo em colaboração

Miguel Almeida

Miguel Almeida é licenciado em Engenharia do Ambiente, tem mestrado em Gestão e Políticas Ambientais e é doutorado em Engenharia Mecânica, na especialidade de Riscos Naturais e Tecnológicos. Atualmente é Investigador Sénior na Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI) e é Professor Convidado na Universidade de Coimbra. Desde 2003 que se dedica ao tema dos incêndios florestais, conciliando atividades de investigação científica, de formação e de apoio às atividades operacionais. Ao longo deste tempo, participou e coordenou diversos projetos de investigação em incêndios florestais e foi coautor de diversas publicações internacionais na mesma área.