Conhecer

Caso de Estudo

Projeto “GEOSUBER – Monitorização do montado” apoia gestão e vitalidade

O montado de sobro tem vindo a perder vitalidade nas últimas décadas, com mortalidade e redução da produção de cortiça. O projeto “GEOSUBER – Monitorização do montado” vem simplificar a identificação das árvores secas e procura dar resposta a outros desafios da gestão e revitalização do montado. Conheça quais neste artigo em colaboração com Conceição Santos Silva.

O projeto “GEOSUBER – Monitorização do montado” recai sobre os montados de sobro, que constituem um dos sistemas artificiais de exploração silvopastoril extensiva mais representativos do sul de Portugal.

Presentes também em Espanha (Dehesas), foram criados conciliando a pastagem com o aproveitamento de produtos lenhosos e não lenhosos, como a cortiça ou a bolota.

Os montados nacionais são constituídos maioritariamente por sobreiro (Quercus suber) e azinheira (Q. rotundifolia), podendo estar presentes outros carvalhos como o carvalho-negral (Q. pyrenaica) ou o carvalho-cerquinho (Q. faginea).

Estes povoamentos têm características específicas, nomeadamente uma baixa densidade de árvores, o que permite conjugar a exploração florestal com o aproveitamento agrícola, pecuário ou cinegético.

No total, os montados ocupam cerca de 34% da área florestal nacional e representam 23% da área nacional da Rede Natura 2000.

Apesar da sua reconhecida importância económica, social e ambiental, o montado tem sofrido um declínio nas últimas décadas.

As questões ambientais e as práticas de gestão parecem estar relacionadas com alterações nas condições de vitalidade das árvores. Além das questões da intensidade do pastoreio e dos métodos de controlo da vegetação (mobilizações do solo, por exemplo), a falta de água é um fator adicional de declínio, agravado pelos efeitos das alterações climáticas.

PROJETO: “GEOSUBER – Monitorização do montado”

LOCALIZAÇÃO: Lezíria do Tejo e Alentejo


TEMAS

    • Gestão adaptativa
    • Monitorizar a vitalidade e mortalidade
    • Otimizar a extração de cortiça

Acesso Rápido


WEBSITE OFICIAL DO PROJETO

(foto de topo © UNAC, GEOSUBER)

O DESAFIO

Será possível agilizar a identificação de árvores mortas? E saber qual a melhor época para descortiçar?

A UNAC – União da Floresta Mediterrânica acredita que sim e criou o Grupo Operacional GEOSUBER com esse objetivo.

Com a colaboração do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, da FCUL – Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, do ISA – Instituto Superior de Agronomia, da SYSTERRA e das associações e produtores florestais, desenvolveu o “GEOSUBER – Monitorização do montado”, projeto que procurou produzir cartografia sobre árvores mortas ou com perda de vitalidade, com recurso a imagens de satélite e de drone, para ajudar gestores e proprietários florestais.

O desafio passou também pela disponibilização de uma interface de fácil utilização, para que a cartografia possa ser amplamente usada por proprietários e gestores do montado, nomeadamente por uma plataforma web acessível em dispositivos móveis.

O projeto foi iniciado em 2018 e, em 2022, prosseguem trabalhos de monitorização que pretendem obter informação adicional sobre o período de mudança da folha dos sobreiros e a sua compatibilização com a melhor altura para o descortiçamento.

O DIAGNÓSTICO

Entraves à valorização do montado

A perda de vitalidade no montado acarreta problemas sociais, económicos e ambientais, implicando também uma série de procedimentos legais e burocráticos que constituem entraves à valorização destes sistemas agroflorestais.

Por um lado, são precisos pelo menos 40 anos para que os sobreiros comecem a produzir cortiça amadia (mais adequada à produção de rolhas naturais), pelo que a diminuição da quantidade e qualidade da cortiça produzida é impactante.

Por outro lado, a mortalidade das árvores obriga a uma série de procedimentos previstos na legislação: os sobreiros e azinheiras mortos têm de ser marcados fisicamente com uma “cinta” de tinta branca, é necessário pedir autorização para o seu abate, tem de haver uma visita à propriedade para confirmar que as árvores estão secas e, só após emissão da autorização, podem ser cortadas. Todo este processo, desde a identificação e marcação manual das árvores até ao seu abate, implica tempo e custos igualmente penalizadores.

 © UNAC

OBJETIVOS E MEDIDAS

Georreferenciação agiliza monitorização e gestão da saúde do montado

A possibilidade de classificar automaticamente a vitalidade das árvores, identificando e mapeando árvores secas, permite agilizar o trabalho necessário às autorizações de abate. Neste sentido, o projeto “GEOSUBER – Monitorização do montado” dedicou-se à criação de cartografia que permitisse distinguir, de forma automatizada, as árvores vivas das árvores secas e também das que apresentem perda de vitalidade.

O trabalho recorreu a imagens de satélite – Sentinel 2 e Pleíades – e à aplicação de algoritmos desenvolvidos no âmbito do projeto.

Usou também um dos índices de vegetação mais aplicados – o NDVI, Normalized Difference Vegetation Index – para avaliar o crescimento da vegetação, a quantidade e densidade de folhas e a mortalidade das árvores. Este índice deteta a quantidade de clorofila produzida (através da quantificação da radiação refletida), podendo estabelecer-se um paralelo com a quantidade e vitalidade das folhas (o sobreiro renova a sua copa durante o início da primavera, apesar de ser uma espécie de folha persistente).

À medida que os dados históricos das árvores abatidas se acumulam, esta informação permitirá uma análise evolutiva dos montados, a qual pode e deve ser usada para decidir sobre a necessidade de implementar respostas adaptativas, no sentido de tentar travar e inverter o declínio do montado.

A identificação dos sobreiros mortos no âmbito do “GEOSUBER – Monitorização do montado” tem vindo a ser feita nas organizações filiadas da UNAC e fica disponível para os proprietários, a pedido dos próprios e de forma confidencial, numa plataforma digital onde a cartografia pode ser utilizada para acompanhar o pedido de abate, e onde o histórico de mortalidade e perda de vitalidade fica armazenado e facilmente acessível ao proprietário.

Refira-se que o desenvolvimento do projeto envolveu três etapas:

a. Identificação de zonas de perda de vitalidade para o estabelecimento de recomendações de gestão à escala da propriedade, de forma a tentar inverter a tendência atuando de forma preventiva.

Foram estabelecidas quatro parcelas de referência para monitorização ao longo dos quatro anos do projeto, nas quais foi realizado inventário florestal, inventário fitossanitário, medição de áreas foliares, levantamentos com drone e determinação de índices de vegetação com base em imagens de satélite.

Foram testados vários métodos alternativos de deteção remota próxima e longínqua: drone, imagens gratuitas de satélite Sentinel 2 e imagens do satélite Pleiades de alta resolução.

Figura 1 – Localização das parcelas de referência

Figura 2 – Variação do índice de condição da vegetação. Solo nu (Azul), Sobreiro saudável (verde), Sobreiro seco (vermelho)

Figuras 3 – (A) imagem RGB de um sobreiro em perda de vitalidade (12 julho 2018); (B) índice de vegetação (NDVI) de um sobreiro a 12 julho 2018 e (C) do mesmo sobreiro a 23 outubro 2018

b. Inventariação anual de árvores mortas e produção de cartografia de apoio ao requerimento de corte de sobreiros, através uma plataforma web para alojamento e disponibilização da informação processada

A aplicação web foi desenvolvida tendo por base os requisitos funcionais e não funcionais considerados essenciais para a aplicação e integrando os algoritmos disponibilizados pela FCUL. A otimização da interface com os utilizadores facilita a visualização dos resultados obtidos com o processamento das imagens de satélite.

Esta plataforma permite a georreferenciação direta da informação – ou a respetiva integração/exportação através do formato shapefile – nomeadamente dos limites de propriedades e das parcelas de gestão, entre outros dados do interesse do utilizador. Cada proprietário tem apenas acesso à sua informação, sendo a confidencialidade dos dados garantida aos diferentes perfis de utilizador.

Nas figuras abaixo pode ser visualizado o resultado da monitorização da vitalidade dos sobreiros em três classes – em bom estado (verde), com perda de vitalidade (amarelo) e sobreiro seco (vermelho) – Figuras 4A e 4B, sendo possível verificar para cada árvore a evolução do índice de vegetação que determinou a classificação – Figura 4C.

Figura 4A – Monitorização do estado de vitalidade das árvores representado em três classes – Bom estado (verde); Perda de vitalidade (amarelo); e Morta (vermelho)

Figura 4B – Pormenor da imagem A, com detalhe da legenda existente em cada árvore

Figura 4C – Evolução temporal dos índices foliares que determinam a classificação do estado de vitalidade das árvores, neste caso do sobreiro morto identificado na figura B

c. Monitorização da evolução do índice foliar do sobreiro e sua relação com o início do período de descortiçamento.

Inicialmente procurou-se desenvolver uma metodologia correta para análise dos cortes anatómicos de amostras do tronco, tendo por objetivo a determinação da atividade do câmbio (tecido vegetal responsável pela produção anual das novas células de cortiça), mas com pouco sucesso por dificuldade de inclusão da cortiça.

Novas metodologias foram testadas nos anos seguintes para avaliar o início do funcionamento do câmbio gerador da cortiça (designado felogene) e a relação com a fenologia da árvore (fases de crescimento). De forma exploratória procedeu-se à monitorização da humidade da cortiça através de provetes cilíndricos para relacionar a variação da humidade na barriga (parte interna da cortiça que fica em contacto com o tronco) com a mudança da folha e o eventual início do descortiçamento.

Esta metodologia foi implementada juntamente com a monitorização das fenofases (diferentes fases do desenvolvimento) do sobreiro e da folhada (mudança da folha) tendo-se encontrado uma relação clara entre o teor de humidade da cortiça no provete da barriga e a renovação da copa do sobreiro, o que pode estar relacionado com o início do funcionamento da felogene e portanto com a possibilidade de descortiçar o sobreiro, dado que esta operação é sazonal, ocorrendo normalmente entre maio e agosto, (depende das condições climatéricas) e requer que o câmbio gerador esteja em plena atividade (Figura 6).

Figura 5 – Monitorização da humidade da cortiça e da mudança da folha em três locais no concelho de Coruche (ano 2020) (APFC)

RESULTADOS / PROJEÇÕES

Escala maximiza benefícios

 © UNAC

O GEOSUBER permitiu o desenvolvimento de um protótipo para cartografia dos sobreiros secos ou com perda de vitalidade à escala da propriedade, com base em índices de vegetação.

O algoritmo aplicado classifica as árvores secas de forma conservadora – sendo sempre necessária uma aferição local dos resultados através de amostragem pontual, mas a cartografia resultante do “GEOSUBER – Monitorização do montado” torna possível identificar também as zonas com perda de vitalidade nas explorações.

Os diferentes métodos de deteção remota (obtenção de imagens) testados têm níveis de precisão distintos, pelo que o método deve ser escolhido consoante o objetivo, a informação disponível, a escala do trabalho e as características do montado.

As imagens de satélite, com melhor resolução, têm um maior custo por hectare, mas acabam por compensar nas propriedades de maior dimensão ou nas que se encontrem integradas em organizações de produtores florestais. A partilha de custos entre proprietários associados nestas organizações permite obter imagens de melhor qualidade e uma redução de 80% dos custos operacionais, tendo em conta que a monitorização remota vai dispensar que se percorra toda a propriedade para localizar as árvores secas.

A informação obtida obriga a uma georreferenciação prévia de todos os sobreiros (a realizar apenas uma vez num período de 10 anos), sendo depois necessária uma avaliação da qualidade da informação gerada, por técnicos devidamente treinados na aplicação do algoritmo e análise dos resultados.

O sistema está implementado desde janeiro de 2022 nas organizações de produtores filiadas da UNAC, entidade que conta com técnicos treinados para a aplicação do algoritmo. Toda a informação produzida, no futuro, vai permitir melhorar o algoritmo e a precisão da cartografia gerada. A legislação atual mantém a obrigatoriedade de marcação física dos sobreiros e azinheiras secas, procedimento que se espera vir também a ser atualizado tendo em conta os resultados do Grupo Operacional Geosuber.

O projeto foi finalista do Prémio Empreendedorismo e Inovação da CA, na categoria Inovação, em 2017 e vencedor na 3ª edição do Prémio Floresta e Sustentabilidade (2020/21), na categoria Inovação e ciência.

*Artigo em colaboração

Conceição Santos Silva

Engenheira Florestal, Mestre em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa. Coordenadora I&D+i na UNAC – União da Floresta Mediterrânica, desde 2018. Coordenadora técnica da APFC – Associação de Produtores Florestais do Concelho de Coruche e Limítrofes e Gestora do Grupo de Certificação FSC – APFCertifica durante 10 anos.

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