É que exemplos não faltam de como as coisas avançam quando se produz riqueza, mesmo com o Estado a passar da missão de fomento à de constrangimento, como se viu nas últimas décadas na expansão de eucaliptos, olivais intensivos, pinheiros mansos ou abacates. Mas podemos recuar mais: dizia o Duque de Loulé, em 1857 (Projeto de Lei para um Código Florestal), que “É sabido, que os capitais aplicados na cultura arbórea raras vezes se reproduzem em benefício dos que os despenderam”.
O Estado era imprescindível para as florestas, porque os privados não o fariam. E, todavia, no sul, com o interesse crescente na cortiça após inventada a rolha, na pecuária, e no protecionismo aos cereais, e através de um modelo que conjugava todas essas atividades, o Montado, este triplicou em área. E no norte, com instalação barata, facilmente bem-sucedida, curtos períodos de retorno e elevada e diversificada produtividade (fornecia uma vasta gama de produtos – lenha, resina, madeira, etc. – que alimentavam o crescimento de caminhos de ferro, rede telegráfica, etc.), o Pinhal quintuplicou… Foi por produzir valor que, estimulada pelo mercado e pela mão de privados, a floresta passou de míseros 7% no século XIX ao principal coberto do país. Muitos dos que se incomodam por as nossas propriedades florestais ser maioritariamente privadas parecem esquecer que estão na posse de quem nelas investiu.
De facto, quando há valor, as coisas resolvem-se sozinhas: e sabe-se bem quem é o dono, há valor e há produção, não há abandono, há até investimento na proteção desse valor, há agregação voluntária se a escala for vantajosa, uma vez que o que se passa aqui é o que se passa por toda a Europa: a floresta é tão mais privada quanto produtiva, e a floresta privada é tipicamente minifundiária (exceto Finlândia e Noruega, a propriedade média é inferior a 10 hectares e nalguns países – Bulgária, Croácia, Polónia ou Roménia – a maioria tem menos de dois hectares).
Mais do que transformar as propriedades florestais importa compreender o valor que tem minifúndio, equacionar quais são os valores queremos e ter em conta que nem todas as terras – grandes ou pequenas – podem produzir valor, porque não são todas iguais. Este é um problema que, como vários outros, não se resolve por decreto.
A questão é quando não há valor. Porque as terras não são todas iguais, e se nalgumas a floresta consegue ser competitivas, outras há imprestáveis de pedra e mato ralo. Na ausência de economia para o mato – com a rutura da economia do milho (melhor, agro-silvo-pastoril do milho, gado miúdo e pinhal) – pagar a proteção florestal implica muitas vezes perder dinheiro, razão do atual abandono a que muitas das nossas paisagens estão votadas.
Isto é, os problemas que procuramos resolver por via legislativa, não são mais que sintomas da falta de capacidade de produzir valor, e não só não é por decreto que miraculosamente passarão a produzir (e esqueçam a conversa de que sem essas mudanças nada se faz, porque também aqui a realidade – de parques industriais a barragens ou eólicas, de áreas protegidas a autoestradas, etc. – mostra o contrário: tudo se tem feito), como acarretam implicações que orbitam longe dos ideais sociais. Com efeito, as grandes áreas, tipicamente, significam empregos precários, mecanização, fitofármacos, homogeneidade e monoculturas, além de outros aspetos: restritos a grandes proprietários, rentismo e sentimentos de injustiça social…
É mesmo isto que desejamos? E os sentimentos de pertença, as atividades tradicionais e suas externalidades, a identidade local, as pessoas que ainda vivem em aldeias de norte a sul, suas casas, suas escolhas para o que é seu, suas dificuldades? Tudo vergado a um Estado Autoritário que simplesmente considera as pessoas secundárias (também são poucas, logo poucos votos) face a um modelo que os seus quadros técnicos idealizam? Pior, tão pouco ardem menos: incêndios gigantes ainda na memória, caso de Mação ou Monchique, Pinhal de Leiria ou Serra da Estrela põe a nu a necessidade de se responder a estas questões, porque lavrando em terrenos enormes, públicos, cadastrados, ordenados, etc., não bate a bota com a perdigota!
Sou da opinião que a política florestal dificilmente vingará contra as pessoas e sem base económica que a sustente. Admito, contudo, que possa estar errado, mas ainda assim, se é para usar a força impositiva do Estado, então que se comece pelo exemplo: enquanto não tivermos esses bons exemplos de propriedades públicas, grandes, cadastradas e tudo mais, bem geridas, cuidadas produtivas e protegidas, não vale a pena discutir as outras, infernizando a vida dos poucos que ainda não viraram as costas e foram para a grande cidade.
O minifúndio, por seu lado, se devidamente apoiado, significa mais gente, exploração familiar, mais circularidade, mais diversidade, maior acessibilidade, métodos tradicionais com menores impactos ambientais negativos, paisagens mais belas… Não seria esse apoio (como sejam serviços autárquicos para aliviar/partilhar custos de instalação e operação, ou para redes de escoamento dos produtos, queimadas porta-a-porta, etc.; ou regimes especiais de acesso a crédito, isenções fiscais, desburocratização; ou ainda o fomento de alguns mercados ou o pagamento de serviços de ecossistema) que devíamos discutir?