Esta sistematização de conhecimento florestal permitiu-nos agregar tudo o que envolvia as questões florestais e estabelecer regras e lógicas que nos trouxeram competências para tratar das árvores, dos povoamentos, das florestas, do solo, da água, da fauna e flora, da caça e pesca, do turismo e lazer, da economia florestal e das questões sociais e humanas associadas. Ainda percebemos que a floresta extravasava muitos dos seus limites físicos, incluindo, assim, as relações com a restante ruralidade que nos caracteriza.
E chegamos aos nossos dias. Seria de esperar que, depois de todo este caminho, os tais medos ancestrais motivados pelo desconhecimento fariam parte da história. Infelizmente não. A pouca predisposição para “aprender, compreender e aceitar floresta mantém-se”, os maltrapilhos, saqueadores e ogres é que são diferentes.
Gerir e pensar floresta obriga um técnico a considerar uma escala temporal e espacial tão grande que justifica a multiplicidade de diversas responsabilidades que nos são atribuídas. Obriga-nos ainda a um nível de conhecimento mais robusto, capaz de nos dar ferramentas que nos mostrem a intrincada teia de relações subjacentes aos ecossistemas florestais formais e à sua relação com o meio envolvente. Ou seja, a fronteira da floresta ainda é algo de difícil identificação.
Mas voltemos às fadas e aos elfos, entretanto, substituídos por imagens idílicas de áreas florestais do antigamente. Os ladrões e as bestas foram alterados por “sistemas silvícolas diabolizados”. Tudo, em grande medida, por falta de conhecimento.
A relação emotiva com a floresta persiste, mas mudaram os motivos: já não são criaturas mitológicas nem sombras, mas há novos ogres a ensombrar a floresta com noções simplórias que, de tanto repetidas, parecem inquestionáveis. Apesar de todo o conhecimento, estes estereótipos permanecem e acabam por travar a preservação e valorização deste recurso fabuloso e indispensável à nossa sobrevivência.
A esta ignorância silvícola acrescenta-se a “moda da simplificação de conceitos”. Os tais ecossistemas complexos são hoje uma mão-cheia de noções simplórias e vulgarizadas de ideias pouco rigorosas, que se tornaram quase mandamentos. Bons exemplos são a “Limpeza da Floresta”, a “Falta de Ordenamento” e a mais grave (no meu entender) o “Perigo das Monoculturas”. Tudo isto são os ogres dos tempos modernos.
A floresta continua a ser o local de despejo da “sociedade”. Para além dos monos e móveis que continuamos a largar na mata (esses sim a necessitar de serem limpos), a floresta serve para tudo e é “pau para toda a obra”. Alterações climáticas, seca, cheias, biodiversidade, carbono, emissões, sequestro, oxigénio, bem-estar, paisagem, etc., tudo é floresta. Ou melhor, tudo se empurra para ser a floresta a resolver.