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Fogo

A área florestal ardida globalmente está a aumentar ou a diminuir?

Dados do Global Forest Watch indicam que a área florestal ardida aumentou a nível global desde 2012, face aos 10 anos anteriores, embora seja necessária uma análise mais longa para confirmar uma tendência e os dados difiram substancialmente dos reportados pela FAO - Organização das Nações Unidas.

A área florestal ardida globalmente aumentou entre 2012 e 2022 face aos anos anteriores. 2016, 2020 e 2021 foram os três anos com mais área afetada desde 2001 e os únicos em que os incêndios percorreram em apenas um ano mais de 10 milhões de hectares de floresta (uma área maior do que o território de Portugal). O ano com maior área florestal ardida foi 2021, com 10,6 milhões de hectares (ou 106 mil km2) afetados pelas chamas. Nesse ano, o fogo foi responsável pela redução de 38% da área florestal registada no mundo.

Os dados constam da plataforma Global Forest Watch e foram modelados no laboratório Global Land Analysis & Discovery (GLAD), da Universidade de Maryland, que disponibiliza informação sobre a perda de cobertura florestal devido a incêndios, comparativamente a outros fatores, entre 2001 e 2022, em todo o mundo (exceto Antártica e outras ilhas do Ártico). Os dados têm origem em imagens de satélite, com resolução de 30 metros, e dizem respeito às áreas afetadas por incêndios nas quais as copas das árvores cobrem pelo menos 10% do terreno, percentagem mínima que a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura contempla para que determinada zona seja considerada uma floresta.

Neste período de 22 anos (2001-2022), a floresta mundial que se perdeu devido aos incêndios totalizou 140 milhões de hectares (ou 1,4 milhões de km2), uma extensão equivalente à dimensão conjunta de Portugal, Espanha, França e Itália. Outros 358 milhões de hectares de floresta reduziram-se, a nível global, devido a outros fatores – indicando que o fogo não é o principal responsável pela redução da área florestal mundial.

Perda de cobertura florestal por incêndios, 2001 – 2022 (milhões de hectares)

Fonte: Global Forest Watch – Global Deforestation Rates & Statistics by Country
Nota: Considerou-se como florestas as zonas com uma cobertura de copas superior a 10%, para estar de acordo com a definição de floresta da FAO.

A FAO define “florestas” como áreas com mais de 0,5 hectares, com árvores com mais de 5 metros de altura e uma cobertura de copas superior a 10%. As “outras áreas florestadas” são zonas com mais de 0,5 hectares, com árvores com mais de 5 metros de altura e cobertura de copas entre 5% e 10% (ou com uma combinação de arbustos e árvores com uma cobertura de copa acima de 10%). Ambas as classificações excluem áreas agrícolas ou urbanas.

A informação base do Global Forest Watch integrou também o estudo internacional “Global Trends of Forest Loss Due to Fire From 2001 to 2019”, publicado no Frontiers in Remote Sensing, em março de 2022 – estudo suportado pelo projeto Global Forest Watch e financiado pelo Governo da Noruega e pela USGS/NASA Landsat Science Teams. Na sua análise, que vai de 2001 a 2019, este estudo internacional confirma a tendência de crescimento na área florestal ardida globalmente, sublinhando que, neste período:

  • Entre 26% e 29% da perda de floresta no mundo deveu-se a incêndios.
  • As zonas geográficas com maiores perdas de floresta por incêndios foram, respetivamente, as florestas boreais (entre 69% e 73%), as florestas subtropicais (entre 19% e 22%), as florestas temperadas (entre 17% e 21%) e as florestas tropicais (entre 6% e 9%).

Área florestal perdida devido aos incêndios, 2001 – 2019 (milhões de hectares)

Fonte: Global Trends of Forest Loss Due to Fire From 2001 to 2019 e material suplementar
Nota: Neste trabalho foram consideradas áreas de florestas já estabelecidas no ano 2000 e com qualquer percentagem de cobertura de copa (acima de 0%), pelo que os resultados não são coincidentes com os que constam da plataforma Global Forest Watch, que considera como florestas as zonas com cobertura de copa acima dos 10%.

As florestas boreais (nas quais o fogo faz parte dos ciclos naturais da sucessão ecológica) foram as zonas com maior área ardida a nível global, revela este estudo internacional. A sua análise reporta uma tendência crescente na área florestal ardida nas zonas boreais euroasiáticas (da Escandinávia e Rússia ao Norte da China e do Japão), mas nenhuma tendência clara nas zonas boreais norte-americanas (EUA e Canadá), o que pode ser explicado pelo curto período da análise (19 anos) relativamente aos ciclos naturais de fogo, que são muito espaçados nestas zonas do globo.

As regiões tropicais Africana e da América Latina apresentam tendências crescentes, ao contrário das zonas tropicais da Ásia. Embora os fogos florestais severos sejam mais frequentes nas florestas boreais do que nas tropicais, os eventos meteorológicos severos, como os associados ao El Niño em 2015–2016, aumentaram a área florestal ardida nas florestas tropicais.

Grande discrepância de dados sobre a área florestal ardida globalmente

Os dados do Global Forest Watch e também deste estudo internacional (de março de 2022) são dos mais completos (que se encontram disponíveis em 2023), mas não coincidem com outros trabalhos que recaem sobre a área florestal ardida globalmente, o que dificulta muito a análise e conclusões sobre este tema.

Parte das diferenças, que em alguns casos são muito significativas, estarão relacionadas com a origem e o critério dos dados:

  • A utilização de dados de diferentes sensores e satélites ou dos mesmos sensores, mas com diferentes resoluções e especificidades, não permitem comparações;
  • O tratamento dos dados e os critérios usados variam entre estudos. Por exemplo, a utilização de dados mensais ou anuais, os algoritmos escolhidos para processar os mesmos, a inclusão ou não de áreas florestais em que foi aplicado fogo técnico (queimadas tradicionais ou fogo controlado para gestão de biomassa e criação de faixas de segurança) vai dar origem a resultados bastante diferentes;
  • Alguns relatórios internacionais baseiam-se nos dados de área florestal ardida reportados por países, que usam critérios diferentes. Além disso, muitos países acabam por não reportar qualquer informação, o que torna estes valores globais incompletos.

O Global Forest Resources Asssessment (FRA), um relatório que a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura tem vindo a atualizar de cinco em cinco anos, é um exemplo dos trabalhos que têm feito a avaliação da área florestal ardida globalmente, com base nos dados reportados pelos países e territórios que fornecem informação.

Em 2023, a FAO disponibiliza (na plataforma de dados do FRA) informação sobre a área florestal ardida entre 2020 e 2017, mas também aqui cerca de metade dos países não têm dados reportados.

Apesar desta limitação, os dados são superiores aos indicados pela plataforma Global Forest Watch e não indicam tendência clara de aumento ou diminuição da área florestal ardida. Neste caso, os anos com maior área florestal afetada por incêndios são 2007, 2010, 2012 e 2015: 100 milhões de hectares em 2012 e mais de 90 milhões de hectares nos outros três anos. Em contrapartida, 2016 e 2017 são anos com menos área ardida (67 e 50 milhões de hectares, respetivamente) e ainda menor é a área afetada em 2000 e 2001 (34 e 43 milhões hectares, respetivamente). Em média, nestes 18 anos (2000 a 2017) teriam ardido cerca de 76 milhões de hectares por ano ou 760 mil km2 (uma área semelhante à de Espanha e Reino Unido juntos).

Área ardida reportada pelos países à plataforma FRA, 2000-2017 (milhões de hectares)

Em 2015 e sabendo que nem todos os países reportaram informação, o relatório do FRA2020 indica que arderam 98 milhões de hectares de área florestal ou 980 mil km2 (o equivalente à soma dos territórios de Portugal, Espanha, Itália e Áustria). A área indicada equivale a cerca de 3% da área global de floresta, e representou cerca de 26% da área global ardida reportada nesse ano. A maior parte dos incêndios ocorreu nos trópicos, onde cerca de 4% da área florestal foi afetada.

Nos relatórios Forest Resource Assesment (FRA), a área florestal ardida é reportada pelos países. Apesar de nem todos disponibilizarem informação, ela muito superior à indicada pelo Global Forest Watch. Vejamos o exemplo do ano de 2015: O FRA2020 indica 98 milhões de hectares enquanto o Global Forest Watch indica menos de 6 milhões de hectares. Com este tipo de discrepâncias, subsistem dúvidas sobre a realidade e evolução da área florestal ardida globalmente.

Área ardida reportada pelos países ao FRA 2020, em 2015 (milhões de hectares)

Domínio ecológico
Área florestal afetada
% da área florestal global
Tropical
72,860
4
Subtropical
9,760
2
Temperado
9,390
1
Boreal
6,030
1
Total
98,040
3

Fonte: FRA2020

Um outro trabalho científico, publicado em 2020, apresentou os resultados de uma análise feita com base em séries temporais de imagens Landsat, da área floresta global ardida em 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018. Os resultados mostram que nestes anos, ardeu uma média de 82,09 milhões hectares de área florestal. No ano de 2015, em comparação com os dados acima, tinham sido afetados 76,4 milhões de hectares de área florestal. Apesar da variabilidade interanual das áreas ardidas poder estar relacionada com anomalias climáticas globais (como o fenómeno El Niño), as áreas geográficas que mais contribuíram para estes valores foram África e Oceânia. De realçar que os ecossistemas mais sujeitos a incêndios e que dependem de fogos frequentes incluem as savanas no Sul de África e no Norte da Austrália.

Independentemente da tendência da evolução da área florestal ardida globalmente, o fogo é um dos fatores que tem contribuído para a redução da área de floresta no mundo, nos últimos 30 anos. Isto significa uma diminuição na quantidade de madeira disponível, um recurso natural e renovável tradicionalmente usado na construção, nos produtos de papel e na energia. Com novas tecnologias a criar novas aplicações para a madeira e a necessidade de descarbonizar a economia, estima-se que em 2030 a procura global por madeira seja mais do dobro face a 2010 (neste ano, rondou os 3,4 mil milhões de m3) e que possa triplicar em 2050, podendo chegar a 13 mil milhões de m3.

A área florestal ardida global tem vindo a ser afetada não só pelo aumento global da temperatura e dos períodos de seca, mas também em resultado de eventos extremos. Incêndios mais intensos têm vindo a diminuir a área de floresta de produção e a quantidade de madeira disponível. É essencial adotar novas medidas de gestão que integrem o aumento do risco de incêndio, evitando plantações em zonas com elevado risco de incêndio, diminuindo a continuidade das áreas de floresta e apostando em mosaicos com diferentes usos do solo, menos suscetíveis ao fogo.