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História

Novo Mapa Agrícola e Florestal harmoniza cartografia histórica

A cartografia agrícola e florestal em Portugal continental teve início em 1882, mas a sua produção esteve dispersa por várias instituições e tinha diferentes escalas e especificações. O Projeto Fireland compilou parte desta cartografia histórica e harmonizou-a no Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental 1951-1980, comparável à atual Carta do Uso e Ocupação do Solo, ajudando a conhecer como evoluiu a nossa paisagem.

As dinâmicas de uso do solo estão interligadas ao desenvolvimento das atividades socioeconómicas – agrícolas, silvícolas e de urbanização, por exemplo. Conhecer estas atividades e como se alteraram ao longo do tempo, em diferentes áreas do país, ajuda-nos a compreender as dinâmicas que “construíram” as paisagens que hoje conhecemos. Foi esse o objetivo do CEABN – Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves” ao harmonizar a cartografia histórica num novo Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental: conhecer a ocupação do solo entre 1951-1980 com critérios comparáveis aos que vigoram na atual Carta do Uso e Ocupação do Solo (COS).

Em Portugal destacam-se três séries cartográficas históricas de relevância na área agrícola e florestal: as Cartas Agrícolas e Florestais de Portugal (cujo levantamento começou em 1882), os Inventários Florestais Nacionais (iniciados em 1965/66), e as Cartas de Uso e Ocupação do Solo (com início em 1990-1995):

  • A primeira Carta Agrícola e Florestal de Portugal (CAFP) foi publicada em 1910 (com base em levantamentos no campo feitos entre 1882 e 1907) e abrange todo o território continental na escala 1:500 000. A segunda Carta Agrícola e Florestal de Portugal – CAFP2 foi elaborada entre 1951 e 1978, no âmbito do “I Plano de Fomento Agrário” (1953-1958). Foi publicada numa escala diferente, de 1:25 000, em cerca de 630 folhas que cobrem quase todo o país.
  • O primeiro Inventário Florestal Nacional (IFN) foi realizado em 1965/1966 (IFN1) e teve como objetivo fazer a avaliação das áreas, volumes e acréscimos de povoamentos florestais. Teve uma primeira revisão (IFN2) em 1974 (embora este seja o ano de referência do IFN2, os levantamentos de dados ocorreram entre 1968 e 1980) e tem sido atualizado em intervalos de cerca de 10 anos. O levantamento do IFN2 foi o único que deu origem a uma Carta de Inventário Florestal, à escala 1:25 000, representando o coberto florestal em Portugal continental.
  • A Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS), da responsabilidade da DGT – Direção-Geral do Território, teve início em 1990 (COS 1990, numa escala 1:25 000) e teve várias atualizações (1995, 2007, 2010, 2015 e 2018), produzindo informação cartográfica sobre o uso e ocupação do solo com três a cinco anos de regularidade.

Esta cartografia histórica estava disponível em diferentes formatos (a maior parte em papel) e com pressupostos, escalas e legendas não comparáveis. O cruzamento dos seus dados acabava, por isso, por se tornar incompreensível e de pouca utilidade. Por isso, o projeto Fireland compilou e harmonizou a informação cartográfica histórica e produziu um novo Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental com informação entre 1951-1980, que é compatível com a nomenclatura da COS, viabilizando a análise da evolução da ocupação do uso do solo em Portugal.

A disponibilização da informação contida na cartografia histórica num formato compatível com os sistemas de informação geográfica atuais, implicou compilar, digitalizar e reprocessar a informação cartográfica histórica dos mapas que constavam do IFN2 e da CAFP2 em suporte papel. Além disso, foi feita a harmonização das classes de uso e ocupação do solo (isto é, da tipologia de áreas retratadas) entre o novo mapa produzido e as que se encontram na COS, para ser possível fazer uma comparação direta e perceber a evolução histórica das áreas.

O cruzamento da informação deu origem ao MAF1951-80 – Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental 1951-1980, que conjuga os dados da CAPF2 (1951-78) e do IFN2 (1968-80). Cada polígono do MAF1951-80 apresenta a ocupação do solo de acordo com a nomenclatura original, a fonte de informação (CAPF2 ou IFN2), a descrição da ocupação e a área ocupada. Para garantir a equivalência com a nomenclatura usada na COS, as classes de uso e ocupação do solo foram integradas em quatro grupos:

  • Agricultura e pastagens;
  • Florestas e superfícies agroflorestais (divididas em Sobreiro, Azinheira, Outros carvalhos, Castanheiro, Eucalipto, Espécies invasoras, Outras folhosas, Pinheiro-bravo, Pinheiro-manso, Outras resinosas);
  • Matos;
  • Outras classes (que incluem Territórios artificializados, Espaços descobertos ou com pouca vegetação, Zonas húmidas e Massas de água superficiais).

O trabalho foi feito pela equipa do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, do Instituto Superior de Agronomia (CEABN-InBIO), com a colaboração do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Floresta, DGT – Direção-Geral do Território e APA – Agência Portuguesa do Ambiente. Foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do projeto Fireland “Efeitos do fogo sobre a dinâmica da vegetação à escala da paisagem em Portugal” e pelo Fundo Português do Carbono, através de um protocolo de colaboração celebrado entre APA e o CEABN-InBIO.

Dados de base do Mapa Agrícola e Florestal: CAFP2 e IFN2 (à esquerda) e Novo Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental 1951-1980 (à direita)

O novo Mapa Agrícola e Florestal de Portugal Continental permitiu fazer a análise da composição e distribuição dos usos e ocupação do solo em 1951-80, e também das dinâmicas ocorridas entre esta data e 2018 – de acordo com a informação disponibilizada pela COS 2018.

Os mapas em papel dos dois anteriores levantamentos não cobriam toda a superfície de Portugal continental, havendo zonas sem informação no norte do país. Assim, o novo Mapa Agrícola e Florestal dos anos 1951-80 só conseguiu caracterizar 87% do território de Portugal Continental. Os resultados dizem, por isso, respeito à área geográfica comparável, ou seja, aquela para a qual existia informação nas duas cartas: 7,388 mil hectares dos 9,226 mil hectares de Portugal continental.

Mapa Agrícola e Florestal harmonizado revela aumento da floresta e agrofloresta

Em 1951-80, Portugal continental era ocupado principalmente por áreas de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’, revela o novo Mapa Agrícola e Florestal, seguindo-se zonas de ‘Agricultura e pastagens’, de ‘Matos’ e de ‘Outras’ classes de uso e ocupação do solo.

Observando a evolução entre este período e 2018, conclui-se que houve um crescimento de 8% na área de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’ e de 5% nas ‘Outras’ classes, enquanto se registou um decréscimo de 6% nas áreas ‘Agrícolas e de pastagens’ e de 7% na área de ‘Matos’.

O MAF 1951-80 mostrava que as maiores áreas de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’ se encontravam no Alentejo, onde também se situavam as maiores áreas de ‘Agricultura e pastagens’. Estarreja (Região de Aveiro), Santa Maria da Feira e Vila do Conde (Área Metropolitana do Porto) eram os municípios com a maior percentagem de ocupação por ‘Florestas e agroflorestas’. Relativamente aos ‘Matos’, estavam presentes em maior quantidade nas Beiras, Serra da Estrela e Trás-os-Montes, sendo Vimioso (Terras de Trás-os-Montes) e Freixo de Espada à Cinta (Douro) os municípios com maior ocupação por ‘Matos’.

A maior extensão contínua de ‘Florestas e agroflorestas’ em Portugal Continental em 1951-80 encontrava-se no Centro do país, distribuída pelas NUTS III do Médio Tejo, da Beira Baixa e das Beiras e da Serra da Estrela (áreas correspondentes a Entidades Intermunicipais, designadas como NUTS III para fins estatísticos). O pinheiro-bravo (Pinus pinaster) destacava-se nesta região com uma área de 114 mil hectares. Seguiam-se no Alentejo duas áreas ‘Florestais e agroflorestais’ contínuas de sobreiro (Quercus suber): 41 mil e 38 mil hectares, nas NUTIII do Alto Alentejo e do Alentejo Litoral, respetivamente.

Em 2018, era o Alentejo concentrava as maiores áreas de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’, tendo a área total aumentado mais expressivamente no Baixo Alentejo, que continuava também com a maior área de ‘Agricultura e pastagens’. O Alentejo Litoral e a Região de Coimbra eram as NUTSIII que apresentavam em 2018 a maior percentagem de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’. Olhando para os municípios com maior área percentual de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’ destacavam-se Barrancos (Baixo Alentejo), Mortágua (Região de Coimbra) e Oleiros (Beira Baixa).

Em 2018, a área ‘Florestal e agroflorestal’ contínua mais extensa de Portugal continental encontra-se distribuída entre as NUTIII da Região de Aveiro, Região de Coimbra e Viseu Dão Lafões, com 54 mil hectares de eucalipto (Eucalyptus spp.). A segunda maior área contínua de ‘Floresta e agrofloresta’ estava na Beira Baixa, com 26 mil hectares de pinheiro-bravo, e a seguinte no Algarve, com 25 mil hectares de sobreiro. A maior área de ‘Matos’ mantinha-se nas Beiras e Serra Estrela.

Principais conversões do uso do solo registadas do MAF1951-80 para o COS2018

Área (hectares)MAF1951-80COS2018
Agricultura e pastagens2 556 2782 153 668
Florestas e sistemas agroflorestais3 204 2173 781 596
Matos1 459 869949 374
Outras classes167 487503 213
Total7 387 8517 387 851

Olhando para as áreas das diferentes classes de uso do solo entre 1951-80 e 2018, as principais alterações de uso e ocupação do solo foram:

  • 551 mil hectares de áreas ‘Agrícolas e de pastagens’ foram convertidos em áreas ‘Florestais e sistemas agroflorestais’;
  • mais de 335 mil hectares de ‘Florestas e sistemas agroflorestais’ passaram a ser área ‘Agrícola e de pastagens’;
  • 669 mil hectares de ‘Matos’ foram convertidos em ‘Florestas e superfícies agroflorestais’.

A conversão de áreas de ‘Matos’ em ‘Florestas e agroflorestas’ foi a dinâmica dominante entre 1951-80 e 2018 e o Norte de Portugal foi a zona onde aconteceu a maior parte destas conversões. Trás-os-Montes foi a NUTIII com maior percentagem de ganho de ‘Floresta e agrofloresta’, seguida do Alentejo Litoral, Algarve e Beira Baixa. Mogadouro, Vimioso e Miranda do Douro (Terras de Trás-os-Montes) foram os três municípios em que a dinâmica de aumento da ‘Floresta e sistemas agroflorestais’ foi mais acentuada.

Já os três municípios que tinham, em 1951-80, as maiores percentagens de ‘Floresta e sistemas agroflorestais’ viram parte destas áreas convertidas em ‘Outros’ usos: 21% em Estarreja e 11% em Santa Maria da Feira. Em Vila do Conde, transitaram para ‘Agricultura e pastagens’ 20% das áreas de ‘Floresta e agrofloresta’ que existiam em 1951-80.

No Centro e Sul de Portugal, as principais dinâmicas incidiram na conversão de áreas de ‘Agricultura e pastagens’ em ‘Floresta e agrofloresta’. No litoral aconteceu o oposto. Nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto as conversões mais significativas indicam perda de área de ‘Agricultura e pastagens’ para ‘Outras’ classes, nomeadamente para ‘Territórios artificializados’, e recuo de áreas de ‘Florestas e agrofloresta’.

As dinâmicas entre espécies segundo o Novo Mapa Agrícola e Florestal

Olhando para as dinâmicas das espécies florestais e agroflorestais, em 1951-80, o pinheiro-bravo era a espécie dominante, seguido pelo sobreiro e azinheira (Quercus rotundifolia). Em 2018 a área de pinheiro-bravo decresceu 6% (cerca de 419 mil hectares) e a de azinheira 1% (cerca de 53 mil hectares), mas houve um crescimento nas áreas de eucalipto (655 mil hectares), pinheiro-manso ou Pinus pinea (166 mil hectares), sobreiro (quase 110 mil hectares) e de outros carvalhos e folhosas.

As maiores transições entre 1951-80 e 2018 registaram-se em 769 mil hectares de outras espécies, que passaram a ser ocupadas por 267 mil hectares de eucalipto, 264 mil hectares de pinheiro-bravo e 238 mil hectares de sobreiro. Observou-se também a passagem de cerca de 375 mil hectares de pinheiro-bravo para eucalipto.

Em 1951-80, a região de Coimbra reunia as maiores áreas de pinheiro-bravo (192 mil hectares) enquanto no Alentejo Litoral estavam as de sobreiro (156 mil hectares) e pinheiro-manso (16 mil hectares). A Lezíria do Tejo concentrava as maiores áreas de eucalipto (32 mil hectares) enquanto no Alentejo Central se localizavam as de azinheira (222 mil hectares). Em Terras de Trás-os-Montes, ficavam as maiores zonas de castanheiro (10 mil hectares). Ao nível dos municípios, Vila do Conde agregava a maior percentagem de pinheiro-bravo, Ponte de Sor a maior área de sobreiro e Albergaria-a-Velha a de eucalipto.

Em 2018 e ao nível dos municípios, a Marinha Grande passou a ter a maior área percentual de pinheiro-bravo, Ponte de Sor manteve-se com a maior área de sobreiro e Mortágua passou a ter a maior área de eucalipto.

Já as espécies invasoras que, em 1951-80, estavam sobretudo localizadas na Área Metropolitana de Lisboa (235 hectares), tinham-se disseminado por vários municípios em 2018, sendo o mais afetado Murtosa, na Região de Aveiro.

Para conhecer com mais detalhe o novo Mapa Agrícola e Florestal 1951-1980, consulte o respetivo Relatório Técnico ou a página do Sistema Nacional de Informação Geográfica (SNIG) – Direção Geral do Território. É possível também consultar a página dedicada ao projeto no CEABN – ISA e aprofundar as Dinâmicas de uso e ocupação do solo entre 1951-80 e 2018 na revista Silva Lusitana.

Principais alterações nas espécies florestais e agroflorestais do MAF1951-80 para o COS2018

Área (hectares)MAF1951-80COS2018
Sobreiro738 092847 634
Azinheira670 679618 021
Outros carvalhos77 695163 159
Castanheiro25 01811 805
Eucalipto211 801866 839
Espécies invasoras38213 569
Outras folhosas91 188130 684
Pinheiro-bravo1 315 166896 220
Pinheiro-manso37 585203 592
Outras resinosas36 61130 074
Outras4 183 6343 606 255
*Artigo em colaboração

CEABN – Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”

A equipa do CEABN – ISA, no âmbito do projeto Fireland, foi coordenada por Francisco Castro Rego (CEABN) e contou com mais de 20 pessoas, incluindo arquitetos paisagistas, geógrafos, engenheiros florestais, biólogos e um engenheiro silvicultor, distribuídas entre o CEABN-InBIO-ISA e a DGT. O artigo resultante deste trabalho envolveu a seguinte equipa: Ana Catarina Sequeira (CEABN), Leónia Nunes (CEABN), Mário Caetano (DGT), Filipe Marcelino (DGT), Marta Sousa Rocha (CEABN) e Francisco Castro Rego (CEABN).