Comentário

Filipe Melo

A sociedade quer, o silvicultor sonha e a floresta renasce! Rumo à construção de um legado florestal comum

Sabemos qual o legado florestal que queremos e sabemos que ele assenta num delicado equilíbrio. Precisamos de ultrapassar desfasamentos e condicionantes, respeitando o tempo da floresta, desfazendo equívocos e promovendo a gestão florestal responsável e ativa.

A vertiginosa aceleração tecnológica tornou o sector florestal irreconhecível: da informação gratuita às candidaturas on-line, as possibilidades digitais pressionam os técnicos com preocupantes expectativas virtuais e imediatas. O crescente desfasamento destas possibilidades com os compassos naturais agrava o desânimo dos silvicultores condicionados e desconsiderados politicamente.

Importa, por isso, arregimentar quem vive de, para e nesta floresta (una, diversa e incapaz de reconhecer os limites administrativos ou ciclos eleitorais). Urge descodificar o “Legado Florestal” pretendido para que todos compreendam e contribuam para o desígnio proposto pela classe: maximizar os benefícios da floresta portuguesa, sob um delicado balanço Económico-Social-Ambiental.

Neste artigo desafiamos o leitor a reinterpretar a “Sustentabilidade” pelas vigas que travam os seus pilares num trinómio “Justo, Viável e Tolerável”, expondo a atual difamação das espécies rentáveis que, ainda assim, perpetuam alguma reflorestação a par de esforços reais de conservação em áreas sensíveis. E, em defesa da honestidade florestal e das espécies mais produtivas, distingamos as árvores per se dos gestores menos informados ou, porventura, até menos escrupulosos.

Interior-Comentario-FM

Nestes pressupostos, partilhamos uma “impertinente reflexão florestal” sobre o papel da certificação na reativação da gestão responsável e ativa das florestas de todos e de ninguém, em assumido e atrevido contraponto perante opiniões mais fundamentadas desta plataforma:

  1. Quando os Espaços e os Tempos da Sociedade e da Floresta tendem a divergir
    Se as margens de erro das projeções económicas tendem a expandir no tempo (já de si relativo) devemos assumir no planeamento florestal ferramentas mais vastas e sensíveis à Sociologia, Filosofia ou até da Teologia Florestal sem medo ou pretensão apologética da Economia Moral?
  2.  Zelar pelo pretendido “Legado Florestal” maximizando e perpetuando os seus benefícios
    Sendo a propriedade na maioria privada, é preferível apoiar os gestores responsáveis e ativos, ou continuar a desperdiçar fundos públicos em idealizações utópicas que desconsideram a força da economia do “tal algoritmo intergeracional” onde nem as atuais injeções massivas mitigarão os efeitos dos nefastos incêndios que teimarão em assolar os territórios cada vez mais secos e “menos densamente povoados”?
  3. A certificação da Gestão Florestal Sustentável permite ultrapassar desafios que têm vindo a ser identificados pela sociedade urbana e vertidos na Legislação Europeia a partir do Green Deal – onde se incluem Regulamento Europeu Anti Desflorestação (EUDR); Lei de Restauro da Natureza (NRL); Regulamento relativo ao Uso do Solo, Alteração do Uso do Solo e Florestas (LULUCF); Enquadramento Europeu da Certificação da Remoção de Carbono (CRCF); Financiamento Sustentável (SF); Diretiva Europeia das Energias Renováveis (REDIII) entre outras preocupações.
    Que outro mecanismo garante o justo ressarcimento dos guardiães florestais que adotam as práticas mais sustentáveis e seguramente menos rentáveis nos povoamentos sob sua gestão, maximizando os pretendidos benefícios maslowianos deste “Legado Florestal”? Individuais e coletivos, sejam estes fisiológicos (ar, água, materiais, biodiversidade); de segurança (proteção de recursos, emprego, moralidade); relacionais (conforto, lazer, recreio); estima/cultural (paisagem, históricos, respeito); e autorrealização (ética, espiritual, criativa)?

Por uma ruralidade saudável e produtiva!

Pelo reconhecimento estratégico:

  • dos serviços dos ecossistemas;
  • da sustentabilidade dos Territórios;
  • das fileiras agroflorestais!

Por uma floresta responsável e ativa!

SIMBIOSE

  1. Associação a longo prazo entre organismos de espécies diferentes numa relação benéfica para todos os indivíduos envolvidos;
  2. Nas ciências sociais, as organizações ou indivíduos são reconhecidos como agentes distintos, mas podem estar íntima e positivamente associados, tal como nos processos naturais.

Em novembro, após um exaustivo processo de avaliação de conformidade, o PEFC Internacional manteve o reconhecimento PEFC Portugal face ao cumprimento dos requisitos e pressupostos das Benchmarks de Sustentabilidade. E, para além da validação dos certificados Gestão Florestal Sustentável existentes, introduziu-se o Anexo C referente às TOF – “Tree Outside Forest – abrangendo árvores de áreas não classificadas como “floresta” ou “espaço florestal”.

Realidades a contemplar na construção do legado florestal

Face às diferentes realidades territoriais e sociais, importa reconhecer algumas dinâmicas municipais e oficiais exemplares na sua crescente gestão de áreas de parques, faixas de gestão de combustível e de áreas produtivas (sim, até para financiar o esforço conservacionista de territórios mais sensíveis). Mas, ainda assim, consideramos importante sensibilizar o grande público nos seguintes aspetos da realidade silvícola portuguesa:

  • Todo o território, florestado ou não, tem um dono titulado (público ou privado) que merece ser respeitado;
  • Há que garantir aos titulares privados o acesso às mesmas condições que as entidades públicas dispõem face às obrigações legais previstas e, na implementação das faixas de gestão de combustível, importa:- Repor as compensações previstas pelos custos e perdas de rendimento dos titulares;
    – Garantir o planeamento com a margem dos 50% oficialmente permitida às larguras consideradas, adequando a cartografia do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) à realidade dos territórios;
    – Reconsiderar a estratégia baseada na distância entre copas, ponderando os graves prejuízos ambientais e sociais diretos e imediatos face a um benefício incerto.
  • É de elementar bom senso caucionar uma comparticipação tendencialmente total para integrar boas práticas e mitigar o abandono dos territórios “menos densamente povoados” perante obrigações legais punitivas que:
    -Disseminam a desistência da atividade produtiva ou seu exercício na clandestinidade;
    – Exigem um reforço irrealista no acompanhamento técnico credenciado em ações de interesse público no território florestal.
  • E, finalmente, repor a “transparência florestal”:
    – Divulgando os custos reais associados aos diferentes modelos de gestão e manutenção, contabilizando todos os recursos efetivamente envolvidos;
    – Caracterizando seriamente as funções e subfunções de parcelas dos Planos de Gestão Florestal de matas públicas reconhecidamente produtivas, recente e tendenciosamente renomeadas;
    – Distinguindo as espécies da respetiva gestão (ou ausência dela).

“Juntos por um Legado Florestal Responsável e Ativo”

A AFLOeste vai assumir a sua proposta de disseminação da Certificação TOF pelo Oeste na próxima Feira de São Pedro de Torres Vedras. Convidamos o leitor a assistir, no dia 4 de julho, ao nosso evento anual – com associados, membros certificados, parceiros e entidades oficiais – onde se retoma esta reflexão estratégica.

Procuram-se soluções homeostáticas, técnica e economicamente coerentes, para mitigar as principais ameaças à gestão florestal sustentável da região: pulverização fundiária, pressões urbanísticas ou alternativas de ocupação do solo (energéticas ou do sector primário). Não alvitramos nenhuma revolução, mas alguma evolução conceptual perante a relatividade do espaço e tempo florestal.

Junho de 2024

O Autor

Filipe Melo é licenciado em Engenharia Agronómica e, desde 2021, responsável pelo Sistema de Gestão da Florestal Regional do Oeste da AFLOeste – Associação Interprofissional da Floresta do Oeste.

A sua experiência profissional iniciou-se também numa organização de produtores florestais, em 1999, quando assumiu a gestão administrativa da ANSUB – Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado. Ali coordenou o PROLUNP – Plano de Ação Nacional para o Controlo do Nemátodo da Madeira de Pinheiro e apoiou a expansão da organização a Montemor-O-Novo e Santiago do Cacém.

Entre estas duas experiências, assumiu vários outros desafios, entre os quais a supervisão da “Deservagem Química da Rede Ferroviária Nacional” e o lançamento da sua microempresa de Animação Turística – a EQUUS SUBER. Trabalhou ainda na FZ Agrogestão e integrou a RESITEJO, como responsável da Comunicação do Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos ribatejano, onde colaborou na instalação da Associação do Eco Parque do Relvão.

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