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O papel dos micróbios do solo, por Isabel Brito

Isabel Brito recordou a frase “O papel do infinitamente pequeno na natureza é infinitamente grande”, de Louis Pasteur (1822-1895), para sublinhar como o papel dos micróbios do solo é determinante na constituição do próprio solo, na sua biodiversidade e na manutenção dos ciclos naturais que suportam a vida na Terra.

Estudos recentes indicam que os organismos do solo representam 60% da biodiversidade global terrestre e a maioria são micróbios – organismos microscópicos, como as bactérias e fungos.

Numa simples colher de chá de solo há mais micróbios do que os habitantes na Terra e, apesar de não vermos a maioria dos seres vivos que habitam o solo, ele proporciona uma grande variedade de nichos – habitats mínimos, mas muito numerosos e diversos –, que albergam esta enorme biodiversidade. A sua perda fragiliza os ecossistemas terrestres, o que é particularmente crítico quando é necessário aumentar a respetiva resiliência face às crescentes pressões resultantes das alterações climáticas.

A gestão sustentável do solo é, por isso, fundamental para preservar esta diversidade de organismos e a sua funcionalidade, pois o papel dos micróbios do solo é vital e insubstituível.

6 funções principais dos micróbios do solo

O mais conhecido papel dos micróbios do solo é a decomposição da matéria orgânica, mas não é o único. Isabel Brito destaca seis funções principais:

1. Decomposição da matéria orgânica

Os micróbios do solo transformam a matéria orgânica (presente nos organismos vegetais e animais que morrem) em matéria inorgânica, libertando nutrientes que estarão de novo disponíveis para as plantas. Nesta reciclagem de nutrientes, destaca-se a libertação de fósforo, azoto e outros elementos essenciais ao crescimento vegetal.

Antes da ação microbiana, outros organismos ajudam a fragmentar a matéria (como as minhocas, por exemplo), mas o trabalho final neste ciclo de nutrientes pertence aos micróbios.

2. Estabilidade estrutural dos macroagregados do solo

As hifas dos fungos filamentosos, principalmente dos fungos micorrízicos (que vivem associados às raízes das plantas), têm um papel muito importante na estabilidade estrutural dos macroagregados do solo. Também contribuem para essa estabilidade os açúcares produzidos e excretados por bactérias – os exopolissacaródeos (EPS).

Ao revestirem os canais de porosidade do solo, hifas e EPS mantêm a estrutura do solo, que é essencial para a sua estabilidade. Isto é facilmente comprovado através de um teste de estabilidade estrutural em água: ao mergulharmos um agregado de solo sem fungos, ele desagrega-se completamente, mas um solo estabilizado pelas hifas mantém parcialmente a sua coesão.

3. Interações: mutualistas e outras

Os micróbios do solo interagem entre si, com as plantas e com outros organismos, estabelecendo equilíbrios fundamentais entre as populações microbianas.

As interações mais estudadas são as simbióticas entre micróbios e plantas, nomeadamente rizóbios, fungos micorrízicos e bactérias promotoras do crescimento vegetal.

Tiramos partido destas interações simbióticas na agricultura e na silvicultura, mas também existem interações de predação e parasitismo conhecidas e potenciadas, por exemplo, no desenvolvimento de biopesticidas que ajudam a controlar fungos e insetos nocivos.

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4. Produção de importantes compostos

Outro reconhecido papel dos micróbios do solo é a produção de compostos bioativos, nomeadamente antibióticos. É no solo que se investigam e descobrem inúmeros compostos com potencial terapêutico, essenciais numa época em que a resistência bacteriana aos antibióticos representa um desafio crescente. Muitos desses compostos beneficiam também o crescimento das plantas.

5. Degradação de xenobióticos

Os xenobióticos são substâncias estranhas ao solo e que o solo tem dificuldade em degradar ou não consegue eliminar. No contexto agronómico, referem-se essencialmente a agroquímicos – pesticidas, herbicidas e fertilizantes sintéticos – que podem acumular-se e que, em maiores concentrações, podem causar toxicidade.

O papel dos micróbios do solo é ajudar a degradar estes compostos e estes seres infinitamente pequenos têm sido, inclusive, utilizados em processos de biorremediação, na descontaminação e recuperação de solos degradados.

6. Reservatório de carbono

A reserva de carbono orgânico no solo é cerca de três vezes superior à de carbono na atmosfera. Embora a grande maioria dos micróbios do solo emita carbono (muito poucos o fixam), o seu contributo para o armazenamento de carbono no solo é expressivo graças à grande quantidade de biomassa que lhes está associada (ou seja, à quantidade de micróbios e resíduos microbianos presentes no solo).

Onde vivem estes habitantes invisíveis?

O solo é composto por ar, água, matéria-orgânica e uma fração mineral constituída por partículas elementares de diferentes dimensões – argilas (menores que 0,002 mm), limos (entre 0,002 e 0,02 milímetros) e areias (de 0,02 a 2 milímetros). A proporção entre estas partículas determina a textura do solo: mais arenosa ou mais argilosa.

Principalmente pelo efeito da matéria orgânica, estas partículas agregam-se e deixam vazios os espaços entre agregados, os poros. Cria-se, assim, uma matriz de agregados (zonas cheias) e poros (zonas vazias) a que chamamos a estrutura do solo.

Nesta matriz, temos poros maiores, que fazem a drenagem da água (sem eles, a água manter-se-ia à superfície), e poros mais pequenos, que a retêm e a disponibilizam às plantas. Nestas porosidades, existe espaço para poderem crescer as raízes das plantas e as hifas dos fungos filamentosos e, onde houver maior disponibilidade de matéria orgânica, outras formas de vida vão igualmente desenvolver-se: nos poros maiores, temos organismos de maior dimensão (a meso e microfauna), enquanto nos mais pequenos vão desenvolver-se colónias de micro-organismos ou micróbios, que vão revestir as paredes dos agregados.

A maior parte da atividade microbiana concentra-se nos 15 centímetros superficiais do solo, onde há mais oxigénio, humidade e matéria orgânica, e sobretudo na zona junto às raízes, pois as raízes emitem exsudados (secreções) que atraem os micróbios e lhes servem de substrato para crescer. É a esta fina camada de solo em torno das raízes das plantas que chamamos rizosfera. Ao longo do ciclo de vida da planta, esses exsudados vão mudando e recrutando diferentes comunidades microbianas.

A quantidade de micróbios do solo, a sua variedade e interações são de tal ordem complexas que seria pretensioso pensar que conseguimos controlá-las a nosso favor, diz Isabel Brito. Ainda assim, o conhecimento científico pode apoiar práticas agrícolas e florestais que melhorem as relações solo-planta, nomeadamente através do uso de inóculos microbianos que favoreçam a saúde do solo e a crescimento das plantas. Entre eles, Isabel Brito destaca os inóculos nativos, normalmente mais bem-adaptados e de desenvolvimento mais rápido.

Sobre o Formador

Isabel Brito é Professora Associada do Departamento de Biologia da Universidade de Évora (UE) e membro do Instituto Mediterrânico para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento da mesma universidade (MED). É licenciada em Engenharia Agrícola (UE) e doutorada em Biologia (UE).

A sua atividade docente desenvolve-se no âmbito da microbiologia geral e do solo e a sua principal área de investigação foca as micorrizas arbusculares em contexto de agricultura de conservação, aprofundado o modo como contribuem para a proteção das culturas contra fatores de stress bióticos e abióticos. Mais recentemente, Isabel Brito dedica-se também ao estudo de diferentes tipos de indicadores da atividade microbiana do solo e à sua relação com as práticas agronómicas.