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Ana Delicado

Comunicação de ciência: como aproximar as pessoas da ciência?

Que a comunicação de ciência é essencial para aproximar as pessoas da ciência é hoje consensual, mas fazê-lo pode ser mais complexo do que parece. Com o projeto de investigação CONCISE ouviram-se as pessoas para abrir pistas sobre qual o conhecimento que lhes interessa e quais as melhores formas de o partilhar.

Hoje em dia já dificilmente é posto em causa que é importante aproximar os cidadãos da ciência. Seja porque queremos consumidores informados, eleitores esclarecidos, profissionais qualificados, pacientes colaborantes, habitantes prevenidos dos riscos que rodeiam a sua comunidade ou simplesmente cidadãos capazes de participar na tomada de decisões que os afetam, é necessário que o conhecimento científico seja tornado acessível a não especialistas.

Se isto já é relativamente consensual, que tipo de conhecimento é que os cidadãos devem deter está aberto à discussão. É preciso que saibam as leis da termodinâmica? Quantas patas tem um aracnídeo? A fórmula química da água? Ou é indispensável que saibam como a ciência é produzida? Como se faz uma experiência num laboratório? Como se escreve um artigo científico? Ou é necessário que saibam que os antibióticos não matam vírus? Que o sol emite radiações perigosas para a pele? Que os carros movidos a combustíveis fósseis emitem poluentes que agravam as alterações climáticas e causam doenças respiratórias?

Como é que a comunicação de ciência deve tornar esse conhecimento acessível ao público? Num website? Em artigos nos jornais? Em documentários na televisão? Em exposições nos museus? Em dias abertos nos institutos de investigação? Em palestras numa biblioteca pública? Através de vídeos divertidos?

O projeto de investigação CONCISE – Papel da comunicação de ciência nas perceções e crenças dos cidadãos europeus, financiado pela União Europeia, procurou dar resposta a algumas destas questões em aberto.

Comunicação de ciência

Neste projeto, cinco universidades (entre as quais o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), duas associações e duas pequenas empresas de cinco países trabalharam em conjunto durante dois anos para produzir conhecimento (e recomendações) sobre este tema. Para tal, fizemos consultas públicas nos cinco países (em 2019), com um grupo de 100 cidadãos em cada país, propondo para a discussão quatro temas científicos atuais: alterações climáticas, vacinas, organismos geneticamente modificados e medicinas alternativas.

Ouvir os cidadãos e o que valorizam na comunicação de ciência

Com este exercício aprendemos algumas lições relevantes. Em primeiro lugar, que a comunicação de ciência deve ser transparente. Não basta comunicar a que resultados científicos se chegou, mas sim quem fez a investigação, quem financiou a investigação, que métodos foram usados, que limitações têm. Universidades, organismos internacionais e mesmo as autoridades públicas têm mais credibilidade junto do público do que empresas, mas também, em menor grau, organizações da sociedade civil. A ciência que gera maior confiança é vista como desinteressada, não movida por interesses económicos ou políticos.

Em segundo lugar, o conhecimento científico tem de ser “traduzido” em linguagem clara, que os não especialistas entendam, sem jargão ou termos técnicos. O formato tem de ser adequado tanto ao público como ao meio de comunicação utilizado. A televisão ainda é a forma de chegar a um maior número de pessoas, mas os meios digitais podem ser muito atrativos para grupos mais jovens, desde que recorram a suportes apropriados (vídeos, infografias, imagens).

Apesar de as pessoas ainda apreciarem uma comunicação de ciência mais tradicional, unidirecional (na televisão, na imprensa, em palestras), há um interesse crescente em modalidades mais dialogantes e interativas. Ainda que poucos participantes na consulta pública tenham tido a oportunidade de visitar laboratórios, dar a sua opinião em debates ou fazer perguntas a cientistas, os que a tiveram querem repetir a experiência e recomendam-na.uas mensagens ao que querem/precisam de ouvir.

E daqui também a importância da comunicação de ciência ser feita pelos próprios cientistas. Sem menosprezar o excelente trabalho de mediação feito por comunicadores de ciência, os cidadãos dão muito valor à presença de cientistas na televisão e em eventos presenciais. A participação dos cientistas “humaniza” a ciência, torna-a mais familiar e próxima. E também permite mostrar que a ciência é feita por pessoas de diferentes idades, diferentes géneros, diferentes origens sociais. Em suma, por pessoas como eles.

Finalmente, o interesse dos cidadãos pela ciência varia em função do tema científico específico. As suas experiências pessoais, o momento da vida em que estão, as suas necessidades, as suas preocupações são determinantes para a atenção que os cidadãos dedicam aos temas, a frequência e intensidade com que procuram informação, as fontes que valorizam, o esforço que dedicam a compreender essa informação. Diferentes públicos necessitam de informação com diferentes graus de profundidade. E muitos esperam da comunicação de ciência não só resultados genéricos, mas sim recomendações práticas para aplicar nas suas vidas quotidianas.

A comunicação de ciência tem, portanto, de dar resposta a esta variedade de públicos (e de ciências). Não pode ser “pronto-a-vestir”, um tamanho serve a todos. Mas, para isso, cientistas e comunicadores têm de aprender a conhecer os seus públicos, a escutá-los e adequar o conteúdo e o formato das suas mensagens ao que querem/precisam de ouvir.

Outubro 2022

O Autor

Ana Delicado é socióloga e investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Trabalha principalmente na área dos estudos sociais de ciência. Faz atualmente investigação sobre internet das coisas, energias renováveis e outras tecnologias de mitigação das alterações climáticas, e envolvimento do público com a ciência e tecnologia.

É docente do Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável e do mestrado em Cultura Científica e Divulgação das Ciências. Desenvolve também múltiplas atividades de extensão universitária.

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