Comentário

Nuno Rico

Conhecer, preservar e restaurar valores naturais em plantações florestais

Embora não seja expectável que as plantações florestais tenham o mesmo nível de diversidade de uma floresta natural ou nativa, já se comprovou que, também nelas, existem valores naturais que importa conhecer, preservar e, se possível, melhorar. E existem também boas práticas de silvicultura que ajudam a conciliar produção e conservação da biodiversidade, mantendo a saúde e o equilíbrio que os ecossistemas necessitam para continuarem a proporcionar os serviços do ecossistema de que todos dependemos.

Nas plantações florestais, a identificação de valores naturais não é algo novo nem esporádico. Conhecê-los, conservá-los e requalificá-los é essencial para manter o equilíbrio e a funcionalidade destes ecossistemas, dos quais depende a viabilidade das próprias plantações. Identificar, preservar e restaurar valores naturais é, por isso, parte estruturante da estratégia de qualquer empresa responsável que tem a floresta no centro da sua atividade.

Foi com esta premissa que implementámos um Programa Anual de Monitorização, que nos ajuda a conhecer os valores naturais presentes nos cerca de 110 mil hectares de floresta que gerimos.

Sob a mesma premissa, temos vindo a trabalhar em colaboração com equipas da academia que, além de nos ajudarem a identificar estes valores naturais, têm permitido melhorar as práticas de gestão florestal para melhor conciliarmos conservação e produção. E temos colaborado, também, em projetos de recuperação de espécies, de que é exemplo o carvalho-de-monchique (Quercus canariensis).

Do levantamento dos valores naturais à sua proteção e promoção ativa

Como não é possível observar cada hectare, o trabalho de monitorização que marca o início do processo nas diferentes áreas florestais é feito por amostragem. A partir de mapas de ocupação do solo das propriedades que gerimos, começamos por definir áreas prioritárias para a avaliação dos valores naturais, desde as que integram a Rede Natura 2000 e outras Áreas Classificadas, às zonas que apresentam maior potencial para albergar habitats naturais e seminaturais, espécies de fauna ameaçada e espécies de flora Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou em Perigo de Extinção (as chamadas espécies RELAPE).

O trabalho de campo é conduzido com a metodologia de Avaliação Rápida de Biodiversidade, reconhecida por gerar resultados fiáveis em tempo útil.

Mais de 12 mil hectares das florestas que gerimos estão em zonas com interesse para a conservação, dos quais perto de 4500 hectares integram a Rede Natura 2000. Com os levantamentos de valores naturais efetuados nas áreas florestais que gerimos já identificamos 1193 espécies e subespécies de flora e de 268 espécies de fauna.

Os habitats são avaliados de acordo com a Diretiva Habitats, estejam ou não em áreas classificadas. Aqui, o objetivo é determinar o seu estado de conservação e os fatores que condicionam a sua viabilidade ecológica para podermos saber como atuar. A requalificação ou restauro de galerias ribeirinhas degradadas é um exemplo de habitats em que temos atuado, para assegurar a existência de corredores verdes densos e diversos, que são importantes para muitas espécies vegetais e animais, incluindo peixes e anfíbios, e para o equilíbrio de outros serviços dos ecossistemas, como a purificação da água, a preservação do solo e o armazenamento de carbono.

A preservação de valores naturais em plantações florestais, por Nuno Rico

Avaliamos o estado das manchas de vegetação natural, bosquetes, bosques, matos e matagais, prados e galerias ribeirinhas para estabelecer áreas de maior interesse e realizamos inventários fitossociológicos, onde fica registada a abundância, dominância e associações entre espécies de flora, assim como a identificação e descrição das comunidades vegetais e espécies presentes. Foi assim que identificámos, entre outras:

  • A “Quase Ameaçada” Cheirolophus uliginosus, no Parque das Serras do Porto;
  • A “Vulnerável” carnívora erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum) no sudoeste alentejano e na charneca do Tejo;
  • As “Criticamente em Perigo” Rhaponticum exaltatum e Quercus canariensis, respetivamente, em Penamacor e no Sudoeste.

No caso da fauna, são efetuados pontos de observação e escuta, procurados vestígios — pegadas, tocas, regurgitações — e usadas tecnologias adequadas a diferentes grupos, como a fotoarmadilhagem para os mamíferos. A avaliação estende-se a outros organismos, como os insetos, em que é complementada com a aplicação de ferramentas inovadoras, como o ADN ambiental.

Os dados recolhidos são depois transformados em cartografia georreferenciada que integra o nosso Sistema de Informação Geográfica. Com base nestas avaliações, definimos Zonas de Conservação, Áreas de Proteção e Áreas de Alto Valor de Conservação (conjuntamente, totalizam já mais de 12 mil hectares). Para cada uma, são delineadas medidas de conservação, mitigação ou restauro, atualizadas regularmente.

A mesma informação é partilhada com as equipas que planeiam e implementam as operações de silvicultura, para que apliquem a hierarquia de mitigação de impactes e saibam onde e como atuar. Isto é muito importante uma vez que as práticas de gestão aplicadas podem ter efeitos muito dispares na preservação dos valores naturais e nomeadamente na conservação e promoção da biodiversidade.

Condicionar a circulação de pessoas e máquinas, a mobilização do solo e o uso de fitofármacos, estabelecer faixas de proteção aos cursos de água e zonas-tampão nas áreas onde estão identificadas espécies de flora RELAPE ou em fases críticas para a reprodução e nidificação de espécies que estão presentes em determinado local são alguns exemplos, mas há muitos outros. Entre eles, refiram-se:

  • Manter e criar heterogeneidade, intercalando zonas com interesse para a conservação com zonas de plantação. Com isto, estamos a criar a diversidade e descontinuidade, que proporcionam condições de alimentação, refúgio e reprodução, e que podem funcionar como corredores ecológicos para facilitar a dispersão natural das espécies e o intercâmbio genético entre populações;
  • Manter manchas de vegetação natural ou árvores de grande porte no interior dos povoamentos e junto deles, gerindo a sua presença de modo a evitar incêndios, mas a assegurar a proteção do solo e o abrigo e alimento para a fauna;
  • Promover a diferenciação entre zonas adjacentes de plantações florestais, intercalando árvores de diferentes idades, que cumprem diferentes funções ecológicas, e desfasando ciclos de crescimento e corte;
  • Promover a regeneração natural assistida e o restauro ecológico.

Com estas práticas, nas propriedades que gerimos, há espaço para os eucaliptos que nos dão a matéria-prima natural essencial, mas também para os zimbrais, sobreirais (que também nos fornecem outra matéria-prima – a cortiça) e bosques de outros carvalhos, medronhais e galerias ripícolas de amieiros, salgueiros e freixos. Sob as suas copas convivem dezenas de aromáticas e melíferas, fungos, líquenes e musgos. Por sua vez, esta diversidade suporta grande variedade de vida animal, desde as vistosas águias-de-bonelli, que nidificam em grandes árvores (inclusive em velhos eucaliptos, na Serra d’Ossa), aos esquivos tourões e genetas, passando por répteis e anfíbios ibéricos, como o lagarto-de-água e a salamandra-lusitânica.

Não só esta diversidade é possível, como é desejável para manter e reforçar o equilíbrio dos ecossistemas e dos serviços que nos prestam. Assumimos, por isso, a conservação, manutenção e requalificação dos nossos valores naturais como um compromisso contínuo e um pilar essencial da nossa gestão.

Dezembro de 2025

O Autor

Nuno Rico é o responsável pela Conservação da Biodiversidade na Navigator, desde 2009. Formado em Engenharia Biofísica – Ordenamento e Gestão Ambiental, pela Universidade de Évora, realizou o seu mestrado em Gestão e Conservação de Recursos Naturais, no Instituto Superior de Agronomia (2017-2019). O tema que aprofundou neste seu ciclo de estudos recaiu sobre as estimativas das reservas de carbono existentes em florestas ribeirinhas, através de dados remotos.

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