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Conciliar produção e proteção florestal, por Nélia Aires

Uma gestão florestal que aborde os aspetos económicos, sociais e ambientais de forma integrada promove a conciliação das diferentes funções da floresta, incluindo as funções de produção e proteção florestal.

Os espaços florestais desempenham um conjunto variado de funções que ocorrem geralmente em simultâneo numa mesma área. As funções de produção e proteção florestal são duas delas.

Conciliar estas funções implica ultrapassar desafios e obstáculos que impedem atualmente a sua plena compatibilização. Entre eles, Nélia Aires identifica:

Fraca viabilidade económica dos espaços florestais, resultante de vários fatores, incluindo:

  • A falta de financiamento e de programas adequados às reais necessidades do território;
  • A fraca rentabilidade e que é, em simultâneo, uma consequência de outro obstáculo: da falta de gestão ativa e abandono dos espaços florestais que levam à degradação dos ecossistemas e ao aumento dos riscos biológicos e ambientais (bióticos e abióticos);
  • A fraca valorização económica dos produtos florestais e a inexistência de valorização de alguns bens e serviços dos ecossistemas, que impede a existência de recursos financeiros para promover operações de conservação;
  • A falta de dados e estatísticas atualizados que permitam um bom conhecimento, indispensável ao bom planeamento das operações florestais.

–  Inércia na transferência de conhecimento, por exemplo sobre modelos de silvicultura, sobre a adaptação das espécies e até sobre novas tecnologias e ferramentas, e pouca literacia florestal por parte da sociedade, com necessidade de melhorar a informação e dar a conhecer os bons exemplos e os resultados de projetos.

– Dificuldade em implementar práticas dirigidas à utilização sustentável dos recursos, sobretudo devido aos elevados custos que a maioria das operações acarreta e à grande carga burocrática e complexidade legislativa existentes. “No entanto, se cumprirmos a legislação e se seguirmos uma estratégia de gestão sustentável, com uma abordagem de planeamento integrado, é possível conciliar produção e proteção florestal”, sublinha Nélia Aires.

– Necessidade de compatibilizar as funções de produção e proteção da floresta com outros usos do solo florestal, da pastorícia à apicultura e turismo. É isto que representa a multifuncionalidade dos espaços florestais e esta multifuncionalidade deve ser implementada considerando a otimização de recursos naturais e a maximização do rendimento.

Crescentes práticas de desflorestação e degradação florestal, provocadas sobretudo pela competição pela terra, ou seja, por usos dos solos que têm maior rentabilidade ou pela sua ocupação com infraestruturas que visam cumprir outros compromissos (incluindo ambientais e energéticos, por exemplo), mas que levam à perda de capital natural.

Cumprimento de metas ambientais, com compromissos europeus muito ambiciosos – a exemplo da forte redução das áreas ardidas, do aumento de sequestro de CO2, do aumento da área de floresta e da redução das perdas de floresta para outros usos, como a construção de infraestruturas e de áreas urbanas -, mas que por vezes acabam por competir com outros compromissos, como o do aumento da área para instalação de estruturas para energias renováveis

Estratégias para conciliar produção e proteção florestal

Face a este contexto, importa conhecer estratégias que ajudam a conciliar da melhor maneira as funções de produção e proteção florestal. Nélia Aires destaca 10:

  1. Adotar de práticas de gestão florestal sustentável, que equilibrem a produção de materiais lenhosos e não lenhosos com a proteção dos recursos naturais;
  2. Monitorizar pragas, promovendo a avaliação contínua do estado fitossanitário das florestas;
  3. (Re)arborizar e aproveitar a regeneração natural como medidas de restauro e de expansão das áreas florestais, aumentando a produção florestal e a proteção ambiental dos recursos naturais;
  4. Promover a implementação de sistemas agroflorestais que conciliem a produção agrícola, pecuária e florestal, maximizando a obtenção de produtos que são valorizados no mercado e garantindo algum capital para a proteção de habitats e a promoção da biodiversidade;
  5. Fomentar a educação e capacitação, promovendo a transmissão de conhecimentos e a aquisição de competências;
  6. Promover a participação pública, envolvendo os vários stakeholders nos processos de gestão florestal, numa escala territorial relevante, e garantir a sustentabilidade e o benefício coparticipado;
  7. Desenvolver mecanismos de financiamento e incentivo públicos robustos e adequados para incentivar a adoção de práticas florestais sustentáveis;
  8. Motivar a utilização de novas tecnologias e ferramentas, que apoiem o aumento da eficiência;
  9. Estabelecer colaborações e parcerias, fomentando o trabalho conjunto e as sinergias entre entidades;
  10. Promover práticas e ferramentas de certificação florestal, que promovam a confirmação de práticas de gestão sustentáveis pelo cumprimento de padrões internacionalmente reconhecidos.

A certificação florestal é uma das estratégias que permite conciliar produção e proteção florestal de acordo com os princípios da gestão florestal sustentável, reforça Nélia Aires, sublinhando que esta gestão florestal sustentável assegura “a utilização racional e sustentada dos recursos florestais, não comprometendo a sua existência no futuro, e proporcionando vários benefícios sociais, económicos e ambientais que resultam de boas práticas silvícolas”.

Planear, compartimentar e definir boas práticas

O plano de gestão florestal é a principal ferramenta para a aplicação de boas práticas e para a compatibilização das várias funções associadas aos espaços florestais, incluindo as de produção e proteção florestal.

O objetivo deste planeamento é obter uma visão integrada da área florestal em causa e do território onde ela se insere para efetuar um plano de intervenções que cumpram os objetivos de gestão pretendidos e todas as normas e orientações previstas nos vários instrumentos de gestão territorial em vigor.

O plano deve considerar a compartimentação da área florestal para incluir as funções que melhor se adaptam aos objetivos pretendidos e conciliar as funções de produção e proteção florestal. Esta compartimentação, a que se chama zonamento funcional, pode ser feita em diferentes parcelas ou dentro de uma mesma parcela.

Uma parcela pode ter a função prioritária de produção, mas pode também cumprir a função de proteção do solo ou dos recursos hídricos, explica Nélia Aires, que deixa vários exemplos de boas práticas que permitem a coexistência destas funções, como os controlos de vegetação espontânea sem mobilização do solo, a realização de cortes salteados ou seletivos em vez de cortes rasos ou a abertura de pequenas charcas para acumulação de águas.

Todas estas orientações devem estar descritas nos modelos de silvicultura que integram o plano de gestão florestal, lembra.

Sobre o Formador

Licenciada em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, pelo ISA – Instituto Superior de Agronomia (2003), Nélia Aires é sócia e coordenadora do departamento florestal da AGROGES – Sociedade de Estudos e Projetos, onde trabalha desde 2016. Tem à sua responsabilidade a elaboração de planos de gestão e de ordenamento florestal, estudos e pareceres, projetos de rearborização e candidaturas aos vários apoios comunitários.

Nélia iniciou a sua atividade profissional no Parque Natural de Sintra-Cascais e, entre várias experiências, foi investigadora no CEF – Centro de Estudos Florestais do ISA; técnica florestal na FILCORK – Associação Interprofissional da Fileira da Cortiça e na Logística Florestal S.A.; formadora em Engenharia Florestal na Escolas Profissionais Agrícolas Fernando Barros Leal e D. Dinis; e coordenadora técnica na UNAC – União da Floresta Mediterrânica.

Integra o Colégio Regional Sul de Engenharia Florestal da Ordem dos Engenheiros (vogal no triénio 2022-2025).