Comentário

Francisco Gomes da Silva

O país precisa de escolher o que quer fazer da Floresta que temos em Portugal

Passam os anos, sucedem-se os Governos, multiplicam-se os planos e as reformas, criam-se novas figuras jurídicas, alternam-se as tutelas, faz-se “tábua rasa” de tudo o que vem do ciclo político anterior… e o país continua sem coragem para decidir, em termos políticos, o que pretende fazer da Floresta que temos em Portugal.

Explico melhor aquilo que quero dizer. Politicamente, a Floresta queima, o que acontece por diversas razões. Queima, porque é uma Floresta quase exclusivamente plantada pelo homem, afastando-se da imagem idílica que a generalidade das pessoas tem dessa Floresta. Queima porque, todos os anos, em maior ou menor grau, ela arde. Queima, porque é uma Floresta que produz matérias-primas para importantes indústrias de base florestal e não se limita a sequestrar carbono ou a produzir biodiversidade como as florestas dos contos de fadas.

Queima porque não tem existido coragem política para assumir, de forma clara, que a Floresta tem de aumentar de forma significativa a sua produtividade e que isso só é possível através de uma clara intensificação dos níveis de gestão de que ela é alvo – gestão essa que tem obrigatoriamente de seguir os princípios de uma “gestão florestal sustentável”, tal como estão definidos pela Forest Europe – Conferência Interministerial permanente para a proteção das Florestas na Europa.

E não, a intensificação significativa dos níveis de gestão da Floresta que se deseja não significa o “abandono” do conjunto de valores ambientais que também se pretende que sejam alcançados. Pelo contrário, quanto mais intensificarmos a gestão das florestas plantadas que temos no nosso país, maioritariamente constituídas por povoamentos de pinheiro-bravo, por povoamentos de eucalipto e por povoamentos de sobreiros e azinheiras, mais significativo será o seu contributo para esse conjunto de valores naturais que nos habituámos a designar por “serviços dos ecossistemas”.

Mas há uma razão, acima de todas as restantes, que faz com que a Floresta queime: é o “mau-nome” que, ao longo dos últimos 10 a 15 anos, foi sendo construído para esta Floresta que temos em Portugal. É um mau-nome que assenta em conhecimento existente produzido pela Ciência? Não, nada disso, como explico adiante.

Interior-Comentario_Francisco_Silva

Este mau-nome, muito centrado inicialmente nos eucaliptos, progressivamente estendido ao pinheiro-bravo e, atualmente, a qualquer espécie florestal não autóctone, não está (ainda) entranhado na opinião pública, como o prova um estudo recente sobre as perceções em relação à Floresta, realizado pelo ISCTE para a The Navigator Company. Tão pouco, em minha opinião, este mau-nome é da responsabilidade da generalidade dos jornalistas que, na medida das suas competências e responsabilidades, cobrem temas relacionados com a Floresta.

Este mau-nome assenta essencialmente em preconceitos ideológicos, promovidos por fazedores de opinião que, de forma metódica e laboriosa, evitam os factos e os conhecimentos que a Ciência nos tem vindo a disponibilizar, para continuarem, quais Dom Quixotes, a perseguir os moinhos de vento.

Agir e gerir para que a Floresta que temos em Portugal se aproxime do seu potencial

Ora, politicamente, estes “fazedores de opinião” (que em tempos alguém apelidou, com graça, de “tudólogos”) ecoam de forma muito mais estridente do que a restante opinião publicada e do que a opinião pública. O receio do impacto eleitoral de medidas que contrariem esses fazedores de opinião faz o resto: evitam-se as decisões e a ação, e promove-se mais um estudo, plano ou estratégia. Entretanto, o tempo passará, e outro ciclo político se iniciará, para que outros tornem a estudar, a planear e a não agir.

Lamento, mas em minha opinião (e dou-a aqui, porque a pediram!) chega de estudos, de diagnósticos e de planos. Só há uma coisa a fazer: partir para o território e intensificar a gestão dos espaços florestais. Gerir, gerir, gerir!

E, como o tempo da Floresta não se compadece com o tempo dos políticos (mas compadece-se com os tempos da Política), é urgente que os partidos que pretendam vir a ter um papel na governação do nosso país, se sentem e que tenham a coragem de definir objetivos mensuráveis num horizonte de 10, 20 e 30 anos. E que não tenham vergonha de, à cabeça, colocarem objetivos de produtividade.

Para não complicar, bastaria assumir o objetivo de duplicar a produtividade de madeira de pinho, de madeira de eucalipto e de cortiça nesse horizonte. Garanto-vos que, mesmo assim, ficaríamos aquém do potencial que a nossa área de Floresta tem.

Abril de 2024

O Autor

Francisco Gomes da Silva é doutorado em Agronomia (ISA), pós-graduado em Ciências Empresariais (ISCTE), licenciado em Engenharia Agronómica (ISA).

Em 2025, é Professor no Instituto Superior de Agronomia, nas áreas da Gestão e Economia (desde 1987), sócio fundador e Diretor Geral da Agroges (desde 1989), administrador da Sociedade Agrícola do Faiel, S.A. (1995-98 e desde 2017), e membro executivo do Conselho de Gerência da Casa Agrícola da Quinta da Foz, Sociedade Agropecuária, Lda (2002-07 e desde 2020).

Para além da relação quase-permanente com o ISA, a Agroges e as Empresas Agrícolas referidas, foi Diretor Geral da Biond, Associação das Bioindústrias de Base Florestal (ex-Celpa, 2021-23); secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural do XIX Governo (2013-14); assessor do gabinete da Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (2011-12); membro do Conselho de Administração da Agromais Plus (2008-11 e 2015-17); membro do Conselho Diretivo do ISA, com o pelouro financeiro (2017) e Diretor Agrícola e Assessor do Conselho de Administração da DAI – Sociedade de Desenvolvimento Agroindustrial (1999-2022).

Temas | 

Comentário