Comentário

Rui Barreira

Restauro ecológico e de paisagens florestais: um passo para os créditos de carbono e biodiversidade

No nosso dia-a-dia, muitas vezes sem sequer nos darmos conta, utilizamos produtos e serviços provenientes das florestas. A floresta dá-nos madeira, papel, cortiça, energia, mas também água, oxigénio, protege os nossos solos, sustenta a biodiversidade, entre muitos outros serviços. Por isso, preservar e restaurar as paisagens florestais – em Portugal e no mundo – é fundamental e uma responsabilidade de todos: cidadãos, governos, organizações e empresas.

As empresas podem tornar-se aliadas da natureza e exercer um importante papel na sua conservação, bem como na preservação das paisagens florestais, que nos proporcionam tantos produtos e serviços. Seja por imperativo ético, pressão de stakeholders e clientes, ou apenas por novas oportunidades de negócio, nos últimos anos, as empresas têm finalmente reconhecido o valor de orientar as suas estratégias de responsabilidade corporativa em prol da sustentabilidade ambiental.

Para a ANP|WWF, a gestão florestal sustentável só pode ser concretizada se existir atividade económica florestal rentável e acompanhada de desenvolvimento rural. Isto pode ser alcançado através do desenvolvimento de visões partilhadas para o território e do investimento em restauro de paisagens florestais, capazes de prover bem-estar às populações e às comunidades que delas dependem.

Vejamos o caso da Coca-Cola que, há vários anos, se junta a projetos de reposição de água, assumindo o compromisso de devolver à natureza 100% da água contida nas suas bebidas. A parceria com a ANP|WWF, através do apoio ao projeto “Plantar Água”, concretiza-se com a plantação de mais de 50 mil árvores e arbustos autóctones em áreas ardidas da Serra do Caldeirão. A decorrer entre 2019 e 2022, este projeto de restauro ecológico trará inúmeros benefícios não só a nível ambiental, como a nível social, impactando o bem-estar das comunidades circundantes.

foto © ANP|WWF, projeto “Plantar Água”

Estima-se que, com a floresta madura, em 2050, o “Plantar Água” traga uma recuperação de até 250 milhões de litros de água por ano, o que representa um ganho de cerca de 20% na quantidade de água que abastece os aquíferos locais. Além da devolução de água à natureza, este projeto recuperará a floresta mediterrânica e todos os seus importantes serviços e funções, melhorando o estado da biodiversidade e reduzindo o risco de incêndio. Atuará ainda no combate à erosão dos solos e aumentará a capacidade de absorção e armazenamento de carbono da atmosfera, contribuindo para a mitigação das alterações climáticas, a par com a recuperação de uma zona verde com um vasto potencial para o turismo e lazer.

Neste momento, já se procedeu à limpeza dos terrenos para plantação por parte de uma empresa especializada, seguindo uma lógica de respeito pela vegetação já existente, e à plantação de cerca de 35 mil plantas, sendo que as restantes serão plantadas até ao final de 2021. Um membro da equipa da ANP|WWF realiza monitorizações periódicas dos níveis e qualidade de água existente na ribeira da Foupana. Por fim, em maio, realizámos a quarta saída de campo para monitorização de pássaros na área do projeto, para aferir o impacte que esta plantação está a ter na biodiversidade. Todos estes resultados são compilados em relatórios de projeto que ajudarão a compreender, no final do mesmo, o cumprimento das nossas metas.

Também o projeto Green Heart of Cork (GHoC), que celebra 10 anos de existência em 2021, tem sido uma plataforma ativa de envolvimento das empresas na promoção da gestão florestal sustentável. A base do GHoC é a compensação de proprietários com boas práticas agroflorestais, que investem em gestão florestal certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC©), e que contribuem para a melhoria dos serviços fundamentais que os ecossistemas prestam a todos nós.

Podem aderir a este projeto entidades públicas ou privadas, sendo que o mesmo já contou com o apoio de empresas como a Coca-Cola, Unilever, The Body Shop, Grupo Onyria, Jerónimo Martins e Botanica by Air Wick. Ao participarem, estas entidades contribuem não só para a conservação da água e da biodiversidade dos ecossistemas associados, como para a viabilidade e sustentabilidade económica da sua atividade, promovendo ainda a sua imagem pública como resultado da sua responsabilidade social e ambiental e da criação de valor partilhado.

Soluções estruturadas que mobilizem as empresas e as pessoas

Em Portugal, as empresas, em particular, têm-se mostrado sensibilizadas para investir em projetos de restauro ecológico e recuperação de paisagens florestais, mas estão habituadas a investir com baixo risco – e os problemas de dimensão da propriedade, falta de recursos humanos e de visão para o território, tornam difícil a atração de investimento. Empresas e investidores manifestam muitas vezes a vontade de investir, mas não sabem como fazê-lo de uma forma estruturada – semelhante ao que se faz no mundo empresarial – e, por isso, tendem a afastar-se.

É por isso necessário criar formas inovadoras de mobilizar recursos privados para apoiar a recuperação e a manutenção de ativos tão valiosos, em articulação com os instrumentos da Estratégia de Financiamento Sustentável da União Europeia, adotada recentemente.

Um bom motor de envolvimento de empresas no restauro ecológico é o facto de a reflorestação ser um dos pilares da nova estratégia europeia para as florestas, pois tem vindo a criar novas oportunidades de envolvimento e cooperação entre ONGAs – Organizações Não Governamentais de Ambiente, empresas e governos.

A ANP|WWF quer liderar o envolvimento de partes interessadas no desenvolvimento de uma visão integrada e partilhada para os territórios, que garantam por um lado que estes se tornam mais atrativos para as pessoas e para o investimento das empresas. Estamos disponíveis para trabalhar com empresas, autoridades, proprietários, caçadores, madeireiros, agricultores, pastores, universidades, autoridades locais, regionais e nacionais, fundos nacionais e internacionais, para o conseguir, sempre e quando se faça de uma forma participada em que todos comunguem das soluções apresentadas e da vontade de criar um mundo em que as pessoas e a natureza coabitam em harmonia.

As paisagens florestais são essenciais ao equilíbrio na Terra e poderosas forças no combate às alterações climáticas. A desflorestação está a ter consequências cada vez mais desastrosas para o clima, a natureza e a subsistência de pessoas em todo o mundo. É urgente uma transição verde socialmente justa, com a saúde do planeta no centro das decisões, e esta transição tem que passar também pelo sector empresarial.

Junho de 2021

O Autor

Rui Barreira é licenciado em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e é atualmente aluno de doutoramento em Agronegócio e Sustentabilidade. Trabalha desde 2006 ligado à fileira de base florestal, estando desde 2009 na WWF Mediterrâneo e em Portugal. Atualmente é também o Coordenador de “Floresta, Alimentação e Vida Selvagem” na ANP|WWF. Além da vasta experiência em temas florestais, participou em vários projetos e coordenou diversos estudos na área. Mais recentemente tem sido responsável por vários processos de participação pública, envolvendo comunidades e diversos atores da fileira.

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