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Gestão Sustentável

Povoamentos mistos podem ser mais resilientes a pragas e doenças

Os povoamentos mistos – com a presença de mais do que uma espécie de árvore – poderão ser mais resilientes a pragas e doenças do que os povoamentos florestais puros, onde prevalece uma única espécie. Conheça os mecanismos biológicos que explicam este acréscimo de resistência, em colaboração com Manuela Branco.

Os povoamentos mistos, compostos por duas ou mais espécies de árvores, poderão ter vantagens relativamente aos povoamentos puros (dominados por uma espécie florestal) em termos de regulação natural de pragas e doenças. Os equilíbrios ecológicos estabelecidos aumentam a resiliência das florestas, sendo os sistemas mistos uma estratégia eficaz para ajudar a manter a saúde e estabilidade dos ecossistemas florestais.

A combinação de espécies arbóreas numa mesma área florestal implica desafios acrescidos na gestão e exploração. Por esta razão, tradicionalmente, estes sistemas têm sido preteridos em favor de povoamentos puros. Contudo, os povoamentos mistos permitem complementar a produção de diferentes recursos (por exemplo, cortiça e pinha), o que tem vindo a despertar interesse crescente por parte de investigadores e gestores florestais.

Acresce que os povoamentos mistos oferecem vantagens ecológicas em comparação com os puros, quer pela promoção da biodiversidade, quer pela maior resiliência a perturbações bióticas, como as pragas, e abióticas, como o fogo.

Por exemplo, os povoamentos de sobreiro (Quercus suber) e pinheiro-manso (Pinus pinea), estudados no âmbito do projeto CORKNUT, evidenciaram efeitos benéficos em diversos aspetos da vitalidade de ambas as árvores e dos ecossistemas. Os sobreiros tiveram menor incidência de pragas: as suas folhas tiveram menos danos e os ataques de cobrilha foram menores. Por outro lado, foi favorecido o desenvolvimento de fungos micorrízicos que melhoraram a fertilidade do solo e o transporte de água e nutrientes para as raízes das plantas.

De forma semelhante, os povoamentos mistos de carvalho (Quercus spp.) com pinheiro (Pinus spp.) ou com castanheiro (Castanea sativa), no Norte do país, poderão também ser valorizados.

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© David Lafuente

Para além da diversidade em termos de espécies, outras formas de diversidade estrutural são benéficas nos povoamentos mistos, como, por exemplo:

– Heterogeneidade etária das árvores: a presença de árvores de diferentes idades permite beneficiar das vantagens de cada classe etária: árvores jovens que fixam mais carbono versus árvores idosas mais resilientes e que funcionam como sumidouros de carbono de longo prazo.

– Presença de elementos estruturais, como árvores de grande porte e madeira morta: estes elementos contribuem para o aumento da biodiversidade, providenciando diferentes tipos de habitat para diversos organismos.

Além disso, plantações florestais mistas retêm mais carbono do que as plantações de uma só espécie florestal.

O que é um povoamento florestal?

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Um povoamento florestal é um conjunto de árvores de espécies florestais que ocupam uma área de, pelo menos, meio hectare (5 mil metros quadrados), com mais de 20 metros de largura. Quando adultas, as árvores têm uma percentagem de coberto de pelo menos 10% e altura superior a 5 metros. Nos povoamentos florestais puros, uma só espécie representa mais de 75% do coberto arbóreo (pode existir só uma, ou várias, havendo uma que é principal), enquanto nos mistos existem diferentes espécies e nenhuma tem tanta representatividade.

A maior diversidade, que carateriza os povoamentos mistos, favorece a formação de redes tróficas (cadeias alimentares) mais completas e redundantes, nas quais existem vários organismos com a mesma função ecológica. Isto traz maior resiliência aos ecossistemas, pois no caso de desaparecerem uns organismos, o seu papel na cadeia trófica pode ser assumido por outros funcionalmente semelhantes, sem que haja perturbações estruturais.

Estes equilíbrios ecológicos limitam a proliferação de insetos herbívoros e agentes patogénicos. São vários os mecanismos que explicam este efeito positivo dos povoamentos florestais mistos na resistência a pragas e doenças.

Um desses mecanismos é a maior regulação exercida pelos inimigos naturais das pragas, em particular pelos que são generalistas (ou seja, aqueles que têm hábitos alimentares mais variados e maior capacidade de adaptação a diferentes condições ambientais e biológicas). Estes inimigos naturais das pragas vão ter a sua eficácia potenciada pela maior diversidade de habitats e de recursos disponíveis em povoamentos mistos.

Outro fator importante é a menor concentração de recursos disponíveis para pragas especializadas, que dependem de espécies específicas, como o sugador de pinhas (Leptoglossus occidentalis), por exemplo, que ataca coníferas. Numa floresta mista de coníferas e folhosas, o crescimento desta praga é dificultado pela diversidade de árvores de espécies presentes, uma vez que as folhosas, não produzindo pinhas, não lhes servem de alimento.

Os dois mecanismos anteriores não são incompatíveis, mas antes complementares. Adicionalmente, pode ocorrer um fenómeno de facilitação entre diferentes espécies de árvores, em que a presença de uma espécie beneficia o crescimento e a resistência de outra.

Mais habitats e recursos para os inimigos naturais das pragas

Os inimigos naturais das pragas são predadores, parasitoides ou micro-organismos que conseguem controlar estas populações de forma natural:

– Os predadores alimentam-se diretamente das pragas, reduzindo a sua abundância e incluem aves insetívoras, morcegos, carabídeos (escaravelhos), aranhas e joaninhas.

– Os parasitoides são insetos que depositam os ovos nas pragas, desenvolvendo-se depois as suas larvas dentro do hospedeiro e levando à sua morte.

– Os micro-organismos, como fungos, bactérias e vírus, são agentes patogénicos que infetam e matam as pragas.

As populações de inimigos naturais beneficiam da maior heterogeneidade estrutural da floresta. Em particular, os povoamentos onde coexistem diferentes espécies de árvores proporcionam-lhes uma oferta mais diversificada de abrigo, locais de nidificação e alimentos alternativos para estes organismos.

Por exemplo, as florestas mistas de carvalhos e pinheiros oferecem maior diversidade de micro-habitats comparativamente a povoamentos puros de cada uma destas espécies, incluindo locais de nidificação mais diferenciados para aves e morcegos, assim como presas alternativas para estes predadores.

Outros recursos que são uma fonte de alimento para os parasitoides, como as meladas (substâncias açucaradas produzidas por afídeos, como piolhos ou pulgões que se alimentam da seiva das plantas), podem estar presentes em maior diversidade nas florestas mistas dado que as espécies de afídeos que se alimentam dos carvalhos e dos pinheiros são diferentes.

As florestas mistas de carvalhos e pinheiros criam um ambiente complexo que suporta uma ampla gama de espécies predadoras e parasitoides, levando a um menor ataque de pragas relativamente a povoamentos puros dessas espécies. Embora a combinação de duas espécies de pinheiros ou duas espécies de carvalhos num mesmo povoamento pudesse trazer benefícios em comparação com os povoamentos puros, a combinação de folhosas e resinosas será sempre mais proveitosa, pela mais ampla diversificação de espécies e habitats.

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Menor concentração de recursos para herbívoros especializados nocivos

Nos povoamentos puros, em que existe só uma espécie arbórea, a elevada disponibilidade de recursos alimentares para herbívoros especializados naquela espécie favorece a ocorrência de surtos populacionais dos herbívoros, que se podem tornar pragas.

Pelo contrário, em florestas mistas, as diferentes espécies de árvores suportam comunidades de insetos herbívoros diversos. Assim, uma menor concentração de um único hospedeiro suscetível, reduz o risco de explosões populacionais de pragas específicas.  Por exemplo, demonstrou-se que os povoamentos mistos de pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e bétula (Betula pendula) em florestas europeias tinham uma menor incidência de desfolha por larvas de lepidópteros e outros insetos, relativamente a monoculturas de bétula.

No caso dos agentes patogénicos – causadores de doenças –, a coexistência de espécies arbóreas diferentes, em que apenas uma é suscetível, também poderá diminuir o contágio e proliferação dos organismos nocivos.

Muitos insetos herbívoros utilizam sinais visuais e químicos para localizar as suas plantas hospedeiras. Em florestas mistas, estes insetos têm maior dificuldade em encontrar as árvores-alvo devido à presença de outras espécies que alteram o contexto visual e químico. Assim, a diversidade de espécies pode dificultar o processo de procura e seleção de alvos, reduzindo a probabilidade de ataque.

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Por exemplo, a hilésina do pinheiro (Tomicus piniperda) e o Hylurgops palliatus, dois escolitídeos (pequenos insetos de uma subfamília dos gorgulhos) que fazem galerias debaixo da casca, apresentam respostas específicas aos odores da árvore hospedeira e evitam os compostos voláteis dos não hospedeiros. Ou seja, reconhecem as espécies que lhes são mais apetecíveis – pinheiros no caso da hilésina e falso-abeto (Picea abies) no caso do Hylurgops palliatus – e evitam as menos apetecíveis. Quando as espécies não-hospedeiras estão presentes, podem influenciar o comportamento destes escolítideos, diminuindo o ataque às espécies hospedeiras.

Há estudos que demonstram uma menor incidência da processionária-do-pinheiro em povoamentos mistos de pinheiro-bravo e carvalhos do que em povoamentos puros de pinheiro, pois os compostos voláteis libertados pelo carvalho interferem com a perceção sensorial das fêmeas quando procuram locais para depositar os seus ovos.

Adicionalmente, em povoamentos de bétula e pinheiro-bravo, a presença das folhosas, com a sua aparência diferente das pináceas (neste caso, bétulas de maior dimensão do que os pinheiros, os quais ficavam meio “escondidos” entre estas árvores mais altas), pode também interferir com os sinais visuais utilizados pela processionária do pinheiro (Thaumetopoea pityocampa), levando à redução das infestações.

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Num trabalho realizado em povoamentos mistos de pinheiro-bravo e bétula europeus, focado nos estragos provocados nas pinhas pelo sugador Leptoglossus occidentalis, procurou-se perceber como é que a mistura de espécies afetava o ataque. Tal como nos casos descritos acima, os estragos observados nestas parcelas mistas foram inferiores aos registados nas parcelas de pinheiro puro. A disposição dispersa dos pinheiros nas parcelas mistas torna mais difícil a localização destas árvores hospedeiras por parte dos insetos, apoiando a hipótese de uma menor visibilidade das plantas diminuir a probabilidade de ataque.

Facilitação entre as espécies dos povoamentos mistos

A interação entre diferentes espécies arbóreas pode resultar em efeitos positivos para a sua resistência a pragas e doenças. Nalguns casos, uma espécie pode beneficiar a outra ao aumentar a disponibilidade de nutrientes, ao modificar as condições microclimáticas ou, até mesmo, ao induzir respostas de defesa. A diversidade e estabilidade das comunidades microbianas do solo tendem a ser mais elevadas nos povoamentos mistos, que beneficiam também de melhores propriedades físicas e químicas do solo.

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Por exemplo, os povoamentos de Picea asperata e bétula (Betula albosinensis) apresentam uma maior diversidade microbiana no solo do que os povoamentos puros. Este aumento da qualidade do solo poderá contribuir para uma redução da incidência de pragas, devido ao aumento das defesas químicas nas árvores.

Por outro lado, observou-se que a bétula apresentava redução dos danos foliares devido a alterações nas características das folhas. Estas alterações estavam relacionadas com a abundância da bétula e das outras espécies nos povoamentos, sendo que as folhas das bétulas inseridas em povoamentos mistos com uma maior diversidade de espécies eram menores e menos atacadas.

Uma análise abrangente de estudos publicados sobre os efeitos dos povoamentos florestais mistos nas doenças das árvores revelou que povoamentos mais diversificados apresentavam, em geral, danos por agentes patogénicos significativamente mais reduzidos. Este efeito foi atribuído, em vários dos trabalhos, à influência da vizinhança de árvores com arquiteturas distintas das copas (uma característica dos povoamentos mistos), o que altera o microclima local.