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Espécies Florestais

Teixo: tanto amado como odiado

O teixo é uma das árvores da flora portuguesa mais rara e ameaçada. Odiado por ser muito tóxico, é também a toxicidade que o torna um importante ativo no tratamento do cancro. Fique a conhecer esta “espécie em perigo” num artigo em colaboração com José Luís Louzada.

O teixo é conhecido desde a antiguidade, não só pelas características da sua madeira, mas pela sua toxicidade. Apenas o invólucro vermelho e carnudo da semente é comestível. A casca, ramos, folhas e sementes podem ser mortais, o que levou ao abate de teixos em muitos locais e a diversos mitos nas culturas antigas. Mas no que uns viram uma ameaça, outros encontraram uma solução: a toxicidade do teixo deve-se aos alcaloides que produz e que ganharam importância em medicamentos para o tratamento do cancro.

O teixo, em latim Taxus baccata L., pertence à família das taxáceas (Taxaceae), ordem Pinales. Pertencem a esta ordem espécies como pinheiros (Pinus spp.), cedros (Cedrus spp.), abetos (Abies spp.), ciprestes (Cupressus spp.) e araucárias (Araucaria spp.), árvores coníferas que produzem cones ou pinhas para se reproduzirem. Ao contrário destas espécies, o teixo produz sementes isoladas que se encontram envolvidas por um falso fruto carnudo, o arilo, vistoso e muito apreciado por pássaros e outros animais.

Árvore pequena ou arbusto, de folha persistente e copa cónica e larga, é uma espécie de crescimento lento que pode elevar-se até aos 25 metros, embora raramente chegue a esta altura. De grande longevidade, o teixo pode ultrapassar os dois mil anos de idade e há mesmo relatos de alguns que chegaram aos cinco mil anos. Contudo, à medida que cresce, o tronco do teixo alarga e fica oco, o que dificulta a datação correta.

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Flores masculinas

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Pormenor das flores masculinas

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Flores femininas e falsos frutos

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Ao contrário de outras coníferas, o teixo não tem canais de resina e é resistente à poda. Esta característica, aliada à sua tolerância à seca e à poluição urbana, faz com que seja uma espécie escolhida para parques e jardins, onde vários teixos são cortados e moldados para criar sebes, existindo algumas variedades ornamentais. Raro na natureza, é mais fácil encontrar o teixo nestas variedades ornamentais em parques e jardins das cidades, por exemplo no Jardim do Campo Santana em Lisboa ou no jardim do palacete Burmester no Porto.

O teixo tem árvores femininas e masculinas (característica que, em botânica, a designa como uma espécie dióica). Os teixos masculinos produzem numerosas flores, em forma de cone e com várias escamas na axila das folhas. Estas flores, de cor verde-amarelado, tornam-se amarelo dourado na primavera. As flores femininas são mais discretas. De forma oval e cor verde, surgem isoladas ou aos pares nas extremidades dos ramos. A semente é protegida por uma estrutura verde (chamada bráctea, na botânica) que faz lembrar uma bolota. Quando a semente amadurece, a bráctea vai dar origem ao falso fruto carnudo, de cor vermelha ou rosa vivo, que contrasta com o verde-escuro das folhas.

A sua casca, de cor castanha-acinzentada, apresenta tons avermelhados nos ramos novos e tem uma estrutura fibrosa, que, quando pressionada, apresenta uma textura semelhante à de uma esponja firme.

Área de distribuição natural

O teixo é uma espécie nativa de grande parte da Europa (nomeadamente das regiões ocidental, central e sul deste continente), de algumas regiões do norte de África (Montanhas do Atlas) e da Asia Menor.

Em Portugal surge de forma espontânea, embora atualmente tenha uma área de distribuição muito restrita e circunscrita a escassos e ameaçados núcleos populacionais em áreas montanhosas remotas.

Só se conhecem, no território continental, três subpopulações nas serras do Gerês, da Estrela e do Caramulo, e esta última é inviável, por se tratar de um indivíduo isolado e incapaz de se reproduzir, indica a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. Estima-se que existam cerca de cinco mil indivíduos adultos numa área de 164 km2, o que levou à sua classificação como espécie “em perigo” e à necessidade de reforçar os esforços de conservação.

Nos Açores, contavam-se apenas cinco teixos na Ilha do Pico, o que levou o Jardim Botânico do Faial a desenvolver um projeto de conservação da espécie. Na Madeira, são também poucas as plantas de teixo que se conhecem e a maioria está localizada nas zonas montanhosas, entre os 1300 e os 1650 metros de altitude, pelo que a reintrodução do teixo esteve também contemplada no projeto “Conservação e recuperação de espécies e habitats no Maciço Montanhoso Central da Madeira”, entre 2012 e 2017.

As áreas florestais ainda existentes com teixo encontram-se protegidas pela Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitats), estando as formações de teixo incluídas na lista de habitats prioritários da Rede Natura 2000: habitat 9580 – Bosques mediterrânicos de Taxus baccata.

Mapa Distribuição natural do teixo

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Distribuição do Teixo

“Andei há tempos várias léguas para ver um teixo, que é uma árvore que os botânicos dizem que vai acabar”, escreveu Miguel Torga, no seu Diário IV de 1947, numa altura em que o teixo era já pouco frequente. Mais abundante é a toponímia derivada do “teixo”, o que indica uma distribuição desta espécie no nosso país mais ampla em tempos remotos. Aliás, um apelido frequente, Teixeira, terá tido origem num destes topónimos. Além deste mais direto, existem ainda os topónimos relacionados com a expressão celta “eburo”, que estará na origem de Évora – cujo nome original Ebora significa teixo em céltico. Diversas cidades do Império Romano tiveram o nome ligado a esta espécie, um pouco por toda a Europa: Eburobrittium em Óbidos; Eburobriga no Fundão; Évreux, antiga Ebroicorum em França, ou Eboracum, atualmente York na Inglaterra.

Bem adaptada a climas temperados frios, surge em zonas montanhosas, junto de linhas de água, em vales profundos ou em encostas íngremes, preferindo zonas frescas e sombrias a encostas quentes e secas. É tolerante à sombra e as condições do solo não representam fatores limitantes, embora prefira solos calcários e evite os graníticos.

Quais as razões para a (quase) extinção do teixo?

O teixo foi uma espécie importante, não só pelas qualidades da sua madeira, mas também pela importância que tinha na cultura celta, e o seu declínio pode atribuir-se a vários fatores:

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– as partes verdes desta espécie contêm um potente alcaloide venenoso, a taxina, capaz de causar graves efeitos no sistema nervoso e cardiovascular dos animais, podendo levar à sua morte. A sua toxicidade levou à associação do teixo ao culto dos mortos e tornou-o comum em cemitérios. Mas a morte dos cavalos e burros que acompanhavam os funerais, assim como de outros animais que comiam as suas folhas, acabou por levar a que fossem retirados de cemitérios e igrejas, e eliminados de locais tradicionais de pastoreio;

– as propriedades da madeira do teixo, densa e elástica, eram apreciadas na Idade Média para diferentes fins: instrumentos musicais, mobiliário, bestas, arcos e flechas. O aumento da procura por esta espécie levou ao seu corte indiscriminado um pouco por toda a Europa;

– as propriedades medicinais também fizeram do teixo uma espécie apetecível. Embora seja venenoso, o teixo que conhecemos em Portugal é a fonte do precursor do Taxol, um dos medicamentos mais procurados para o tratamento do cancro. Este interesse mais recente por parte da indústria farmacêutica contribuiu para a exploração e corte dos melhores exemplares;

– por ser uma espécie de crescimento lento, não é considerada como uma espécie “interessante” para quem planta floresta. Além disso, os incêndios recorrentes são uma forte ameaça à sua sobrevivência.

Esta conjugação de fatores explica o abate sistemático desta espécie arbórea, que culminou na sua quase extinção em Portugal. Todavia, as ímpares e múltiplas apetências da sua madeira e o interesse ambiental e paisagístico da espécie justificam a adoção de medidas para mitigar o seu desaparecimento e promover a plantação de mais teixos em Portugal. O Life Taxus foi um dos projetos que decorreu no nosso país.

Venenoso, todavia pleno de virtudes curativas, odiado por pastores e, no entanto, avidamente procurado pela indústria farmacêutica, o teixo (Taxus baccata L.) é, certamente, uma das mais extraordinárias, porém raras e ameaçadas árvores da flora portuguesa.

Sabia que:

 

  • O género Taxus é considerado como conífera relíquia. Apareceu na transição entre o Cretácico e o Terciário, há cerca de 66 milhões de anos. O teixo é aceite como o mais antigo gênero de árvores na Europa, com um registo fóssil de Taxus nesta zona da época do Miocénico, há cerca de 23 milhões de anos atrás.
  • O nome latim desta espécie, taxus, pode ter tido origem no grego toxon – arco, um dos principais usos da madeira de teixo; em táxis – fileira, numa alusão à disposição das folhas nos ramos; ou em toxicón – veneno. A expressão em latim baccata refere-se a plantas com frutos em forma de baga.
  • Um dos mais antigos artefactos de madeira encontrados é a chamada “Clacton Spear”, uma lança fabricada em madeira de teixo com cerca de 400 mil anos, encontrada em Clacton-on-Sea, no sudeste de Inglaterra. Pensa-se que o teixo era a matéria-prima original do arco de Robin dos Bosques, pois esta era a madeira utilizada nos arcos longos de guerra ingleses (longbows), muito populares do séc. XIII ao XVII.
  • Embora seja venenoso, o teixo que conhecemos em Portugal é a fonte do precursor do Taxol, um dos medicamentos mais procurados para o tratamento do cancro. Hoje em dia esta substância é usada com sucesso no combate do cancro dos pulmões, fígado, mama e ovário, inibindo a proliferação das células cancerígenas.
  • Existem vários teixos classificados como árvores de Interesse Público: em Lisboa, no jardim do Campo de Santana, um teixo com cerca de 60 anos de idade (KNJ1/161); no Porto, no jardim do Palacete Burmester (AIP13121888I) e em Bragança, o chamado teixo da Tranguinha (KNJ1/151). Com cerca de 5,2 m de diâmetro na base, 13 metros de altura e uma copa densa com 22,3 m de amplitude, pensa-se que terá mais de 700 anos.
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  • Várias espécies de aves e pequenos mamíferos alimentam-se do teixo. Algumas limitam-se ao arilo (o falso fruto), a única parte não tóxica da árvore, mas outras ingerem as sementes venenosas e devolvem-nas intactas à floresta, o que ajuda à disseminação desta espécie.
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Foto © Cristina Marques, também autora da imagem de topo

*Artigo em colaboração

José Luís P. C. Louzada

 

José Luís P. C. Louzada é investigador e responsável pelo Laboratório de Produtos Florestais da UTAD- Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se doutorou em Ciências Florestais.

Além de ter 28 anos de experiência na área das propriedades anatómicas, físicas, químicas e mecânicas da madeira e seus derivados, é responsável por dois Projetos de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico Internacionais e 26 Nacionais. Autor de duas patentes – “Método para estimativa da idade de árvores idosas” e “Filtro para adaptar equipamento de quantificação de gases produzidos no ciclo diesel” – publicou vários livros, capítulos de livros e mais de 100 artigos científicos, tendo ainda orientado cerca de 30 teses de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento.