Descobrir

História

A história dos tecidos que vieram das árvores

O linho é apontado como o mais antigo material vegetal que os seres humanos conseguiram tecer. Contudo, depois de a tecnologia ter permitido identificar a matéria-prima dos vestígios de vestuário encontrados nas escavações arqueológicas de Çatalhöyük, na Turquia, a história dos tecidos pode ser outra: nos seus primórdios podem estar as árvores e não as plantas herbáceas.

Localizada na Turquia, Çatalhöyük é uma das cidades mais antigas que se conhece. Datada de há mais de oito mil anos, é um testemunho da passagem para sociedades sedentárias organizadas cultural e socialmente. No seu auge poderá ter albergado até oito mil habitantes.

Classificada como património UNESCO, desde meados do século XX que esta cidade é um importante local arqueológico. Em 1962, foram aqui descobertos os mais antigos e bem preservados fragmentos de tecido alguma vez encontrados. No entanto, só mais de 50 anos depois foi possível identificar o material de que são feitos estes primeiros vestígios que contam uma nova história dos tecidos.

Até aos anos 80, os investigadores estavam divididos sobre o material tecido há cerca de oito mil anos em Çatalhöyük e consideraram tratar-se de fios de linho (Linun usitatissimum), uma planta herbácea com milhares de anos de utilização na manufatura de têxteis. Mas foi já no século XXI, com recurso a um microscópio de eletrões que se confirmou: a matéria-prima utilizada é floema proveniente do carvalho. A descoberta foi partilhada num artigo publicado na revista Antiquity, pelos investigadores da Norwegian University of Science and Technology.

Com 18 camadas de sedimentos escavadas, foram muitos os artefactos encontrados em Çatalhöyük, incluindo cestos, tapetes e têxteis.

O floema é um tecido condutor de seiva elaborada que se encontra localizado no interior da casa. Esta fibra, colhida localmente em carvalhos, terá sido utilizada para criar corda e fio. Pela complexidade do processo, acredita-se que os primórdios do uso das fibras do floema date de muito antes, embora se desconheça o momento na história em que se tenha iniciado.

Para os investigadores, “Estas descobertas lançam uma nova luz sobre a produção têxtil do inicial do período Neolítico e sugerem que o floema das árvores desempenhou um papel mais importante do que era reconhecido anteriormente”, pode ler-se no estudo. A madeira de carvalho, que se encontrava disponível, era também utilizada na construção das casas do povoado.

História dos tecidos “não tecidos” feitos com diferentes partes das árvores

Embora as fibras naturais das plantas sem dimensão arbórea sejam mais conhecidas na história dos tecidos – nomeadamente o linho e o algodão –, ao longo do tempo e em diferentes regiões do mundo, diferentes materiais provenientes dos troncos das árvores continuaram a ser colhidos, isolados e trabalhados manualmente para criar roupas, mantas, tapetes, cestos e muitos outros artefactos que acompanharam diferentes culturas.

Hoje, a celulose das fibras de madeira continua a ser um dos mais usados e está na origem de vários tecidos inovadores, mas a história dos tecidos faz-se também de outras partes das árvores e a casca de diferentes espécies foi um dos materiais que mais se destacou:

Têxteis de casca de mutuba

O tecido feito da casca de árvore, conhecida por mutuba (Ficus natalensis) – tecido também chamado de tapa ou kapa –, foi outro dos primeiros a ser utilizado. É utilizado em tangas, saias e também em decorações de parede.

Julga-se que a técnica de fabrico deste tecido pré-histórico tenha começado no continente africano com o povo Buganda, do Uganda, que continua a fabricá-lo nos dias de hoje. O processo de preparação não implica tecelagem, mas é árduo: os mestres retiram a casca interna das árvores e batem-lhe de forma ritmada até que esta amacie e se consiga trabalhar.

Há provas do seu uso em países de outros continentes: no Bornéu, na Índia, Colômbia, Equador e Peru.

Em 2008, o fabrico deste tecido feito de casca de árvore no Uganda foi declarado como Património Cultural Imaterial pela UNESCO.

Tecidos de casca da amoreira-do-papel

Da mesma forma, o siapo, tecido produzido em Samoa a partir da árvore u’a, ou amoreira-do-papel (Broussonetia papyrifera), segue um processo semelhante ao tecido de casca de árvore ugandense, com várias etapas: o descascar da árvore, o sovar, o separar do floema, o esticar e, finalmente, o secar.

Criam neste tecido padrões inspirados pela natureza, pintados usando tintas naturais feitas de sementes ou casca de árvores encontradas na floresta. A data do seu surgimento perde-se no tempo.

O siapo é hoje utilizado em cerimónias samoanas (atos políticos, casamentos ou funerais, por exemplo).

O papel japonês washi também é feito a partir da casca da amoreira-do-papel, mas outras espécies, como o arbusto de papel Edgeworthia chrysantha e os arbustos gampi (Wikstremia spp.), são matérias utilizadas. A arte nasce no século VII e o resultado é um tecido leve, flexível e lavável, utilizado na criação de diferentes papéis, painéis para os interiores das casas, utensílios como tijelas, leques e sombrinhas, entre outros.

O processo de produção utilizado hoje é ainda o mesmo de há mais de um século: a casca da árvore é fervida, a parte externa é descascada e as fibras expostas. Estas fibras são batidas até ficarem macias e misturadas com um aglutinante amiláceo (tororo aoi, obtido a partir das raízes da planta Abelmoschus manihot). As matérias-primas são depois peneiradas e prensadas e os longos fios de fibra vegetal são unidos para fazer papel.

Em 2014, foi igualmente declarado como Património Cultural Imaterial pela UNESCO.

Tecido de bananeira: muito para além da casca

O chamado tecido de banana é feito da casca e dos caules fibrosos (as bananeiras só produzem fruta uma vez, sendo cortadas e eliminadas após a recolha das bananas), antes descartados, e não da sua polpa.

Na história dos tecidos, não é fácil datar o início da sua produção e a sua origem geográfica divide opiniões: umas fontes indicam que tenha nascido nas Filipinas (onde a árvore é nativa) e que este conhecimento exista há milénios; outras defendem que a fibra de bananeira tenha surgido no século XIII, no Japão.

O seu potencial só foi percebido pelo mundo Ocidental já no final século XX e é vasto, já que a árvore oferece diferentes tipos de tecido: da sua camada interna é produzido um têxtil mais suave, semelhante à seda, utilizado em blusas e lingerie; o revestimento externo, de maior qualidade, é utilizado da mesma forma que o algodão, dadas as semelhantes entre os dois tecidos. Também é utilizado em acessórios e em decoração (como tapetes ou cordas). A lenhina, um elemento da fibra presente neste tecido, confere-lhe proteção UV, permitindo-lhe resistir à água e absorver a humidade. A Índia é atualmente o maior fabricante deste tecido biodegradável.

As folhas, mais propriamente as folhas de abacá (Musa textilis), são igualmente utilizadas para o fabrico de uma das fibras naturais mais resistentes.

Também o tecido jusi, tradicional das Filipinas, é feito a partir da fibra das folhas de bananeira (e, por vezes, de fibras de folha de ananaseiro). É delicado e fino, muitas vezes utilizado em trajes comemorativos. Pensa-se que tenha sido utilizado desde finais dos anos 1800.