Valorizar

Madeira

Madeira para construção: soluções estruturais moldadas pela engenharia

Usada desde tempos remotos, a madeira para construção continua a ser moldada pela engenharia, ampliando as soluções disponíveis. Em Portugal têm-se vindo a estudar novas formas de incorporar as espécies presentes nas nossas florestas em novos produtos estruturais de madeira que ajudam também à redução da pegada de carbono no sector da construção.

A madeira tem sido utilizada desde tempos remotos na construção de estruturas cada vez mais complexas. Historicamente, em Portugal, a grande procura de madeira para construção registou-se após o terramoto de 1755.

Este foi “um ponto de viragem ímpar na história da construção do centro e sul do país”, lembra o trabalho “A importância da madeira estrutural na construção histórica em Lisboa”. Além da necessidade de reerguer os edifícios destruídos, a reconstrução trouxe como inovação a designada “gaiola Pombalina”, baseada na constituição de uma estrutura tridimensional em madeira (a lembrar uma gaiola), ligando paredes, pavimentos e cobertura – “um reticulado tridimensional de elevada flexibilidade” e com uma grande capacidade de dissipação de energia, que dotou os edifícios de características antissísmicas.

Quando o sismo passou a ser um acontecimento do passado e cresceu a pressão urbanística, a relevância da madeira para construção enquanto matéria-prima estrutural reduziu-se. Esta tendência de declínio reforçou-se desde finais do século XIX, com o desenvolvimento de novos materiais considerados à época como mais eficientes e competitivos. Embora continuem a ser predominantes, estes materiais são também mais poluentes e menos sustentáveis do que a madeira, por não serem provenientes de fontes renováveis e pela dependência dos combustíveis fósseis que o seu processo de fabrico requer, com a consequente libertação de gases nocivos para a atmosfera.

Ao longo do século XX ocorreu uma evolução significativa no conhecimento sobre este material florestal e nas formas de trabalhar a madeira para construção. Até então, e embora houvesse um longo historial de complexas construções em madeira, a solução para a criação de sistemas estruturais passava pela utilização da madeira maciça – em vigas e pilares, por exemplo.

Com o surgimento de novas tecnologias, desenvolveram-se se novas formas de processar a madeira, criando aplicações estruturais inovadoras que começaram a abrir novas perspetivas à indústria da construção e que se tornam mais relevantes no século XXI por apoiarem a sua descarbonização.

“O uso de soluções ambientalmente sustentáveis é urgente no sector da construção face às metas estabelecidas pelo Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente para alcançar a neutralidade carbónica em 2050”, refere Carlos Martins, investigador no SerQ – Centro de Inovação e Competências da Floresta e Professor Auxiliar Convidado na Universidade de Coimbra, relembrando que este sector é responsável por uma parcela significativa das emissões de gases com efeito de estufa (cerca de 40%). Por esta razão é premente a adoção de medidas indutoras de mudança, algo que o investigador reconhece estar a acontecer especialmente nas empresas com maior capacidade financeira e maior apetência para a inovação tecnológica.

Entre as diferentes soluções que procuram trazer maior sustentabilidade ambiental ao sector, a madeira para construção é particularmente especial a Carlos Martins, dado o percurso de investigação que tem vindo a desenvolver desde 2010, muito centrado na incorporação de espécies nacionais em produtos estruturais de madeira, mais conhecidos pela sigla EWP, do inglês “Engineered Wood Products”.

Interior_2_Madeira

Doutorado em Engenharia Civil, pela Universidade de Coimbra, Carlos Martins é investigador no SerQ e Professor Auxiliar Convidado na Universidade de Coimbra. É ainda o investigador responsável do “Projeto Exploratório DucTimber – 2022.06937.PTDC” financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia

Desde 2010 que desenvolve investigação sobre a valorização de produtos de madeira para utilização na construção e as linhas de investigação que prossegue, em 2024, centram-se no comportamento mecânico de produtos estruturais de base madeira, em particular com incorporação de espécies nacionais e com recurso à colagem.

Da madeira maciça aos produtos estruturais de madeira para construção

Baseados em lamelas ou fibras de madeira, os produtos estruturais de madeira processam estes materiais e recombinam-nos em novas soluções: em compostos que, graças à inovação da engenharia e tecnologia, têm permitido melhorar as propriedades e desempenhos das madeiras originais – em resistência, flexibilidade e durabilidade, por exemplo –, criando soluções de madeira para construção mais fiáveis e sustentáveis.

Entre estes produtos estruturais de madeira estão o CLT – Cross Laminated Timber ou madeira lamelada colada cruzada, e o glulam – glued laminated timber ou madeira lamelada colada, que contribuíram para o ressurgir do interesse pelo uso da madeira para construção em Portugal desde finais do século XX.

Embora em Portugal se produza glulam e madeira lamelada colada cruzada, o consumo nacional permanece bastante assente na importação do produto final e/ou na aquisição ao exterior da matéria-prima para posterior fabrico na nossa indústria, revela Carlos Martins.

É também de registar o surgimento de indústria nacional com tecnologia de ponta e com interesse pelo uso de matéria-prima nacional, o que vem contribuir para a valorização dos nossos recursos e para um sector da construção mais sustentável pela redução das emissões associadas ao transporte.

Estas são razão adicionais que justificam o interesse em conhecer e potenciar o uso de espécies florestais disponíveis em Portugal em produtos estruturais de madeira.

Novos produtos estruturais de madeira para construção, de base renovável e com maior versatilidade, tornaram-se ambiental e tecnicamente competitivos, registando-se crescente interesse por soluções como o glulam e CLT. Por exemplo, o glulam permite grandes vãos e grande variedade de formas, incluindo a possibilidade de fabricar vigas curvas, explica o manual do projeto EGURALT: “Application and dissemination of innovation for the promotion of high-rise timber construction in the SUDOE space”, que estudou a utilização de espécies de baixo valor comercial para produção de glulam (choupo e faia de segunda qualidade) e avaliou a conjugação entre espécies de pinheiro e betão armado no fabrico de CLT.

Interior_3_Madeira

Na última década, o SerQ e a Universidade de Coimbra têm desenvolvido em parceria diversos estudos (também em copromoção com o tecido empresarial) que procuram potenciar o uso do pinheiro-bravo (Pinus pinaster) – a resinosa mais comum em Portugal – testando diversas formas/secções da sua madeira para construção enquanto produto estrutural:

– Postes para linhas aéreas;

– Toros com e sem torneamento para diversas aplicações (p.ex. barreiras acústicas);

– Classificação mecânica de madeira serrada, com o consequente desenvolvimento de parâmetros que permitem aferir a qualidade da madeira por classes de resistência;

– Desempenho de colagem para glulam (com diversas referências de colas) e CLT (Cross Laminated Timber – Madeira lamelada colada cruzada), bem como caracterização mecânica dos produtos;

Segundo o investigador, estes estudos evidenciaram o excelente desempenho mecânico do pinheiro-bravo, equivalente ou até mesmo superior ao registado em espécies resinosas com maior quota de mercado a nível europeu (como a madeira de abeto e a casquinha).

O uso de espécies resinosas sempre foi preferencial, em particular na Europa, face às folhosas, muito devido à sua disponibilidade, explica Carlos Martins. Também a facilidade de trabalhar madeiras mais brandas teve uma grande influência na escolha das espécies, nomeadamente em épocas cuja inovação tecnológica ainda não estava tão presente, em particular na indústria de Primeira Transformação (essencialmente, as serrações).

Em Portugal, o pinheiro-bravo foi a espécie de eleição para a construção ao longo de séculos, sob a forma de madeira maciça serrada. Contudo, e face à diversidade de espécies presentes na floresta nacional, bem como ao reduzido valor que algumas apresentam para o sector da construção, outras espécies têm sido objeto de estudo.

Interior_5_Madeira

“No decorrer do trabalho de doutoramento, um dos objetivos foi demonstrar o potencial da combinação de diferentes espécies na mesma secção transversal, em particular no fabrico de vigas de glulam”, explica.

Os resultados obtidos são animadores: por exemplo, a combinação do pinheiro-bravo com criptoméria (Cryptomeria japonica) – a espécie florestal mais abundante na Região Autónoma dos Açores – demonstrou uma redução significativa na massa dos elementos, preservando propriedades mecânicas elevadas.

Foram igualmente consideradas neste trabalho combinações de espécies resinosas e folhosas no mesmo elemento, como por exemplo pinheiro-bravo com choupo – Figura 1, tendo-se registado em diversos elementos um comportamento à flexão distintivo do habitualmente atribuído à madeira – Figura 2. Isto significa um incremento significativo da deformação antes de ocorrer a rotura (patamar não linear) face ao que se observa na madeira (elástico linear – que corresponde à rotura imediata do elemento quando atinge a capacidade máxima de carga).

Interior_6_Madeira

Figura 1 – Viga Híbrida (pinho e choupo)

Interior_7_Madeira

     Figura 2 – Força vs. deslocamento à flexão

Este resultado veio, aliás, motivar um projeto exploratório, financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.06937.PTDC), que se encontra em curso e que visa estudar o comportamento não linear de soluções estruturais de madeira, ou seja, estudar soluções que possibilitem a deformação do elemento para um patamar de carga constante e próximo do patamar de rotura, permitindo assim antever deformações excessivas sem que ocorra uma rotura de forma inesperada.

Processos de classificação para espécies da floresta portuguesa

Contudo, para que novas espécies presentes na floresta portuguesa possam incorporar soluções como o glulam e/ou o CLT é preciso cumprir a regulamentação existente, nomeadamente, no que respeita à classificação por via de classes resistentes (propriedades mecânicas, normalmente associadas à flexão ou tração). O dimensionamento de estruturas de madeira requer o conhecimento das propriedades mecânicas (as principais são a rigidez e a resistência á flexão) e a massa volúmica. Nesse sentido, com o objetivo de valorizar a criptoméria na construção foram desenvolvidos os procedimentos para obter os parâmetros de classificação mecânica da sua madeira que, embora seja utilizada com frequência na realização de estruturas de madeira para construção, em particular para habitação, apresenta reduzida massa volúmica.

Da mesma forma, o SerQ e a Universidade de Coimbra, em parceria com o Cesefor (Espanha), foram pioneiros neste caminho para outra espécie amplamente presente na floresta portuguesa: o eucalipto (Eucalyptus globulus). Desenvolveram um estudo conjunto para classificação de eucalipto à tração. Deste trabalho resultou o primeiro relatório sobre classificação de folhosas à tração, que foi submetido e já aprovado pelo Organismo Europeu competente (Comité Técnico de Estruturas de Madeira – CEN TC124 WG2).

A continuação destes estudos abre novas oportunidades de valorização para as espécies florestais que temos em Portugal e para quem investe na sua gestão. “A aplicação destas madeiras em produtos estruturais trará certamente maior valor acrescentado, o que será certamente uma mais-valia para a balança comercial nacional”, conclui o investigador.