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Bioeconomia

Nova vida para os subprodutos do sector florestal

Os subprodutos do sector florestal podem dar vida a novos materiais e produtos, numa lógica circular de reutilização que reduz o consumo de recursos primários. Além da biomassa residual da floresta, também os resíduos da indústria de base florestal e agroflorestal estão a encontrar novas formas de valorização. Conheça vários exemplos deste valor circular em Portugal.

Vários resíduos e sobrantes, resultantes da transformação de matérias-primas pelas indústrias, já começaram a ser reclassificados e valorizados como subprodutos em Portugal. Reciclados e reprocessados para reutilização enquanto novos materiais, reforçam uma lógica de circularidade que permite reduzir o consumo de matérias primárias e criar mais valor. Esta transformação está a acontecer em vários sectores e tem vindo a reforçar-se nos subprodutos do sector florestal.

A par da valorização da biomassa residual recolhida nas florestas, é estratégico aumentar o aproveitamento do grande volume de materiais que resultam da produção das indústrias de base florestal e que podem contribuir para a circularidade e sustentabilidade destas próprias empresas ou até de outras, em diferentes sectores.

Isto porque parte dos materiais que uma indústria produz, mas que não tem forma de reaproveitar, podem ser valorizados e servir de matérias-primas secundárias para empresas de outros sectores, criando as chamadas simbioses industriais – que dão lugar a novos mercados e benefícios para as várias partes envolvidas.

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Refira-se que a valorização de resíduos e a sua reincorporação no ciclo de produção, seja internamente numa mesma empresas ou através destas simbioses, é uma das áreas em foco no Plano de Ação para a Economia Circular da União Europeia.

Nas áreas de atividade que se relacionam diretamente com a indústria de base florestal – transformação da madeira e cortiça, ou mobiliário e pasta para papel, por exemplo – são gerados diariamente materiais sobrantes que vão desde aparas a cinzas (nomeadamente cinzas de caldeiras onde a biomassa vegetal é utilizada para produção de energia). Com o apoio da ciência e tecnologia, muitos destes subprodutos do sector florestal estão a ser desclassificados como resíduos e a ganhar nova vida como subprodutos ou matérias-primas secundárias. Em paralelo, muitos outros estão a ser estudados e testados para novas finalidades e aplicações dentro e fora do sector de base florestal.

Os exemplos são muitos e, em todos eles, a valorização dos resíduos do sector florestal está a nascer pela união de esforços entre a ciência e a indústria.

A biomassa residual florestal inclui, por exemplo, ramos, folhas, ervas, cascas raízes e cepos que resultam das várias operações silvícolas, como é o caso dos trabalhos de controlo da vegetação espontânea, limpeza da floresta, podas e remoção de plantas invasoras. O aproveitamento desta biomassa já é comum para gerar energia. O seu reaproveitamento como matéria-prima secundária ou subproduto permite gerar maior valor e pode ainda prolongar a permanência do carbono armazenado, o que representa mais um contributo para mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Ciência e indústria de mãos dadas para valorizar subprodutos do sector florestal

Uma área mais comum da transformação dos subprodutos do sector florestal em matérias-primas secundárias é, sem dúvida, a da energia. Nesta vertente, são vários os materiais valorizados pela indústria. Por exemplo, das aparas de madeira (transformadas por gasificação e refinação) obtém-se biogás semelhante ao gás natural, assim como calor e eletricidade, que são maioritariamente transformados em centrais de cogeração e em grande parte consumidos nos próprios processos industriais, o que permite reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.

Mas esta é apenas uma das muitas vertentes em que a ciência e a indústria têm promovido cada vez mais formas de criar valor circular.

Por exemplo, na indústria da pasta e papel, os materiais sobrantes da transformação da madeira de eucalipto foram testados com sucesso para aplicação como floculantes nas estações de tratamento de águas residuais (ETAR). Quer isto dizer que, a partir de aglomerados de partículas de eucalipto, foram criados flocos que conseguem remover os contaminantes presentes nas águas residuais, e que podem substituir os tradicionais floculantes de origem fóssil (petrolífera). A inovação foi desenvolvida em 2000, no âmbito do projeto europeu ECOFLOC, com o envolvimento da Universidade de Coimbra, da Universidade de Leeds (Reino Unido) e de uma empresa suíça dedicada ao tratamento de águas residuais.

As cinzas das caldeiras desta mesma indústria são também um subproduto que está a ser estudado e testado para incorporar em materiais de construção, como o cimento e as argamassas. Esta foi uma das linhas de investigação desenvolvida no âmbito do projeto inpactus, um dos maiores já desenvolvidos em Portugal no âmbito da bioeconomia e biotecnologia (concluído em 2022).

Nesta linha de investigação, o inpactus comprovou, por exemplo, ser possível substituir 17% do cimento por cinzas (cinzas volantes) na formulação de argamassas, sem comprometer as respetivas propriedades. Estas cinzas, que seguiam habitualmente para aterro, permitem ainda produzir outros materiais não estruturais, como é o caso de vasos ecológicos, que podem substituir materiais como o plástico ou a cerâmica.

Outro subproduto desta indústria é o chamado licor negro, que resulta do cozimento da madeira (processo inerente à produção de pasta para papel). Também ele foi também avaliado, no âmbito do inpactus, para isolamento de compostos com potencial valor acrescentado. Neste caso, foi testada a eletrólise como método mais sustentável (sem compostos químicos) para o isolamento de lenhina presente no licor negro. Este componente da madeira foi também alvo de estudo e comprovou-se o seu potencial como matéria-prima para produção de novos materiais, como é o caso (entre outros) das espumas de poliuretano, que servem vários destinos, como, por exemplo, a produção de isolantes usados na construção civil.

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Cerca de 50% da biomassa usada na produção de pasta para papel é dissolvida no licor de cozimento (licor negro) sob a forma de lenhina (95-97%), hemiceluloses (30-50%) e celuloses (10-15%), explica Susana Pereira, responsável pelos projetos de valorização do licor negro, no RAIZ, instituto que liderou a investigação realizada no âmbito do projeto inpactus. “A separação e recuperação destes compostos a partir do licor negro pode fornecer uma elevada quantidade de matéria-prima para o desenvolvimento de produtos de valor acrescentado, incluindo biopolímeros”, refere a responsável.

No projeto inpactus foi também consolidado o conhecimento sobre os processos biotecnológicos que permitem obter açúcares celulósicos a partir da casca de eucalipto. Estes açúcares podem ser transformados (por fermentação) em bioetanol, biocombustível incorporado na gasolina, com a casca da árvore a constituir alternativa para uma fonte de energia habitualmente produzida a partir de culturas alimentares.

As indústrias de base florestal, nomeadamente “as indústrias da pasta e do papel, são os principais produtores e consumidor de calor”, refere o estudo técnico “Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia” (2020), do Observatório Técnico Independente. Esta realidade está relacionada com centrais de cogeração próprias onde os subprodutos do sector florestal permitem produzir calor e eletricidade.

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No sector da cortiça, os resíduos de descasque e a sua recuperação após reciclagem (reciclagem de rolhas, por exemplo) podem ser alvo de tratamento, trituração e transformação em granulados que voltam também a entrar no circuito produtivo, dando vida a um vasto conjunto de materiais, desde isolantes térmicos a novas rolhas.

Já as partículas de resíduos de cortiça são uma solução sustentável e competitiva para a limpeza de materiais expostos à poluição ambiental: quando projetadas por ar comprido, estas partículas permitem limpar grandes superfícies, como fachadas de monumentos e outros edifícios, sem os danificar. Esta “limpeza a seco” tem sido utilizada também em postes, subestações, postos e centrais de produção de energia elétrica (de média, alta e muito alta tensão) que, sendo estruturas sensíveis e expostas aos mais variados tipos de poluição e desgaste, elegeram o método para remoção de contaminantes e prevenção da oxidação. Veja o vídeo que exemplifica estes trabalhos.

Na indústria da madeira e mobiliário geram-se grandes quantidades de aparas, fitas de aplainamento, restos de madeira, de aglomerados e de folheados, assim como serradura e resíduos do descasque. E a estes subprodutos do sector florestal junta-se ainda a madeira recuperada que pode ter uma nova vida.

Partes destes materiais transformam-se de novo em aglomerados, paletes, peças de mobiliário ou juntam-se a outras matérias-primas para criar produtos mais sustentáveis em sectores que vão da construção – pavimentos interiores e tetos falsos, por exemplo – à saúde, a exemplo das talas médicas para imobilização, nascidas pela junção de bioplástico e aparas de madeira.

Efluentes devolvem valor ambiental e criam sinergias industriais

Os efluentes gerados por estas indústrias seguem habitualmente para as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). Apesar de o seu reaproveitamento ser menos óbvio, também alguns destes efluentes são suscetíveis de criar valor.

Por exemplo, as lamas biológicas das ETAR da indústria da pasta e papel estão a ser recuperadas para criar fertilizantes naturais, que permitem devolver nutrientes ao solo florestal e agrícola, graças ao seu elevado conteúdo em matéria orgânica e às suas propriedades que ajudam a controlar a acidez do solo.

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A sua aplicação estende-se ao recobrimento de aterros sanitários e à selagem de lixeiras no contexto da recuperação paisagística, e a sectores como a construção civil (tijolos) e à cerâmica, que podem incorporar entre os seus componentes uma percentagem destas lamas.

 

Refira-se que as lamas biológicas geradas pelo tratamento de efluentes nos mais variados sectores (além do florestal) – lamas industriais e domésticas – têm este mesmo potencial de aproveitamento. Estas lamas representavam cerca de 64 % do universo total produzido em Portugal (dados de 2015), o que dá uma ideia do contributo que a sua circularidade pode gerar para a economia do país.

Outro exemplo são os efluentes da indústria da cortiça, que têm aplicação no sector dos curtumes, uma sinergia industrial conseguida na sequência do projeto Reciclar, que otimizou um sistema de tratamento das águas da cozedura da cortiça, permitindo a sua utilização na curtimenta de couros.

Toneladas de resíduos, não apenas florestais, para reaproveitar em Portugal

Apesar do reconhecido valor dos resíduos, à escala nacional muitos deles são ainda desperdiçados. O estudo Sinergias Circulares (2018), da BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, realizado junto a uma amostra de 32 empresas associadas com resíduos dos mais variados géneros (não apenas do florestal), destaca que dos 8,3 milhões de toneladas de resíduos declarados anualmente por este grupo, apenas 43% são valorizados.

Nos resíduos identificados com maior potencial de se tornarem matéria-prima alternativa, a perda é ainda maior: são eliminados cerca de 59%, o equivalente a 210 mil toneladas.

Este estudo estima que aproveitar estas 210 mil toneladas permitiria poupar 42 milhões de euros em consumos intermédios e matérias-primas e gerar 450 novos empregos.

Extrapolando estes valores para a dimensão nacional e considerando que foram eliminados 1 milhão de toneladas de resíduos em 2015, conclui-se que se poderiam poupar 165 milhões de euros, gerar 32 milhões de euros de Valor Acrescentado Bruto (VAB) e criar 1300 novos empregos por ano através de simbioses industriais.