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Testemunhos

Melhorar a floresta e a vida da comunidade dos Baldios de Linhares

“Dizem que não é possível a floresta do Capuchinho Vermelho, mas é, está a nascer...” É assim que Amândio Pinto, Presidente da Assembleia de Compartes dos Baldios de Linhares, em Paredes de Coura, descreve a floresta que cresce em seu redor e que, como conta, será fonte de “frutos secos, madeiras nobres, frutos vermelhos, medronho e cogumelos, tudo no mesmo baldio”.

Pinheiros-mansos, medronheiros, castanheiros, vidoeiros, carvalhos e outras espécies autóctones estão a transformar a paisagem em mais cinco hectares dos Baldios de Linhares, juntando-se aos cerca de 150 hectares de terras comunitárias já plantadas e aos 100 hectares arrendados para floresta de produção industrial.

Esta mancha verde, que reforça o valor da floresta junto desta comunidade minhota, nem sempre foi assim. Em 2005, e de novo em 2010, o pinhal que ali existia foi consumido pelo fogo. O segundo incêndio destruiu o que regenerava depois do primeiro, deixando os 260 hectares do baldio com pouco mais do que área ardida, sem possibilidades de regeneração natural.

Em 2011, em plena crise financeira e com o desemprego a crescer, as perspetivas não eram as melhores nesta freguesia de população envelhecida, agricultura insipiente, pecuária abandonada e floresta devastada. Este cenário, porém, não fez com que os compartes deste baldio baixassem os braços. Num misto de visão e teimosia, ano após ano, criaram soluções que lhes permitem, em finais de 2020, ter um baldio 100% plantado e uma floresta de uso múltiplo, que contribui para melhorar o valor natural destas terras comunitárias e para o bem-estar das gentes de Linhares.

Segundo Amândio Pinto, Presidente da Assembleia de Compartes dos Baldios de Linhares e um dos dinamizadores desta área que se estende por 260 hectares, “foram feitos, desde 2010, investimentos contínuos na plantação, gestão sustentável e prevenção florestal”.

No início foram criadas estufas comunitárias, entretanto convertidas em viveiros municipais, onde crescem plantas ornamentais e variadas espécies de árvores (de semente certificada), que seguem depois para plantação neste baldio (e que através do município, chegam também a outras freguesias).

Anualmente, para apoiar as famílias, foram atribuídos subsídios sob forma de sementes agrícolas e, em alguns anos, sob a forma de cabeças de gado. Esta iniciativa, que primeiro se estranhou, copiou-se depois por terras próximas. E foram ainda angariadas verbas para apoiar várias iniciativas comunitárias, do ensino à saúde: explicações para os estudantes, consultas mensais de enfermagem para controlar os principais indicadores de saúde, cobertura wifi na freguesia e entrega de lenha aos mais idosos durante o inverno são alguns exemplos.

Boa parte deste dinamismo tornou-se possível graças ao apoio das rendas provenientes dos 100 hectares que, em 2012, foram arrendados à The Navigator Company, para plantação de eucalipto.

“Com o aliviar da crise, desde 2014 – 2015 várias pessoas conseguiram emprego na indústria que, entretanto, se desenvolveu no concelho de Paredes de Coura e deixaram de conseguir conciliar a agricultura e pecuária, mas continua a haver várias hortas e todos os anos temos distribuído semente”, revela o responsável. A pecuária quase desapareceu (desencorajada, em anos recentes, também por ataques de lobos), mas perdura a floresta – principal missão de quem gere os Baldios de Linhares.

Em 2020, foi preciso comprar uma máquina de rastos, um investimento avultado, mas indispensável à gestão florestal deste baldio que, em 2020, empregou 14 pessoas da comunidade a tempo parcial. Apesar do custo da máquina, que não permitirá a distribuição de semente em 2021, o Conselho Diretivo dos Baldios de Linhares conseguiu, durante a pandemia de Covid-19, ajudar o Centro de Saúde de Paredes de Coura, com a doação de equipamentos de proteção e desinfeção.

Associativismo poderia criar outra dimensão

“Além de comprarmos uma máquina de rastos, este ano aplicámos mais 11 mil euros nos trabalhos de plantação de espécies autóctones em cinco hectares e é isto a que chamo a floresta do Capuchinho Vermelho”, explica o Presidente da Assembleia de Compartes dos Baldios de Linhares, referindo-se ao mosaico de espécies diversas que, em alguns anos permitirão colher, por exemplo, castanhas, pinhões ou até cerejas. Os cogumelos são outra das culturas planeadas, mas ainda falta inoculá-los, e já se está a pensar nas trufas.

“Estas iniciativas, feitas ao nível de uma freguesia, têm uma dimensão pequena, mas se fossem ao nível do concelho, a dimensão seria outra. Se o que estamos aqui a fazer fosse propagado, daqui a uns tempos poderíamos ter uma cooperativa de frutos secos, por exemplo” sublinha Amândio Pinto, na procura de criar mais valor para as comunidades dos baldios do concelho.

Embora longe destas concretizações, algumas freguesias próximas estão a investir na sua floresta, como é o caso de Mozelos, onde a principal aposta tem sido o pinheiro-manso.

Desde 2010 que não há incêndios na freguesia. “Há dois anos, parte do concelho ardeu, mas toda esta a mancha verde de Linhares ficou intacta”, refere Amândio Pinto.

Outro dos benefícios das mais recentes plantações prende-se com a redução do risco de incêndio que, por sua vez, está relacionada com a segurança das populações e a salvaguarda de uma década de trabalhos e investimentos florestais.

Recorde-se que muitas das habitações foram construídas dentro do perímetro dos Baldios e a limpeza das zonas em seu redor, obrigatória por lei, representa um grande encargo. Por isso, as novas plantações pretendem também tornar menos árdua a manutenção destas áreas.

“Embora esta limpeza seja feita com o envolvimento da comunidade, onde houver plantações ordenadas, com manutenção e com zonas tampão, teremos a limpeza facilitada”. E conclui que este é outro aspeto importante à escala da região, porque “tal como na freguesia de Linhares, haverá dezenas de outras no Minho em situação parecida”.

A agilização destes trabalhos de limpeza revela-se particularmente importante no Norte, porque é nesta região que se localiza a maior área de baldios de Portugal – mais de 216 mil hectares, dos pouco mais de 500 mil de norte a sul. Esta área representa 12,3% do território do Norte – que é também a região onde os baldios são mais florestados: quase 90% têm coberto florestal.

“No Minho, não é incomum que certas freguesias rurais tenham mais de 50% da sua área classificada como baldia, mais das vezes constituindo largas manchas florestais…”, confirma um artigo da Escola de Direito, da Universidade do Minho, que relaciona a origem dos baldios minhotos à do Reino da Galiza, onde ainda existem os chamados “montes veciñais en man común”. Em Paredes de Coura há baldios por todo o concelho, submetidos ao regime florestal parcial. Grande parte destes baldios, a par das áreas classificadas do concelho (como o Corno do Bico), têm reconhecida a sua importância para a conservação da natureza e o seu potencial de valorização florestal.

A importância destes ganhos de escala tem sido também defendida pela própria Federação Nacional dos Baldios – a Baladi, que continua a trabalhar em prol do Agrupamento de Baldios e na criação de condições associativas que viabilizem a gestão sustentável destas áreas. Linhares não integra, no entanto, os dez agrupamentos nascidos no âmbito do projeto “Constituição e Dinamização de Agrupamentos de Baldios” (dois em Braga, um em Castelo Branco, um em Coimbra, um na Guarda, um no Porto, e quatro em Vila Real), onde se cruzam cerca de meia centena de baldios – cerca de 55 mil hectares.

Floresta de produção financia Baldios de Linhares

Manter plantada, cuidada e resiliente esta floresta dos Baldios de Linhares e apoiar a comunidade no que lhe é mais essencial implica, como lembra Amândio Pinto, investimentos contínuos e avultados.

Por isso, têm sido fundamentais nos Baldios de Linhares os rendimentos provenientes dos 100 hectares que, desde 2012, estão arrendados para plantação de eucalipto. “Houve quem questionasse a decisão de fazer este arrendamento, mas era preciso conseguir um financiamento fixo para poder fazer o resto. O que temos aqui está a ser feito porque estas rendas o permitem”, afirma Amândio Pinto, explicando que esta área florestal é ordenada, alvo de gestão profissional e tem as suas próprias equipas de prevenção.

Dos 100 hectares arrendados, cerca de 20 hectares são aceiros e áreas sem matos nem arborizações, assim mantidas como medida de prevenção de incêndios, pelo que a floresta de eucalipto ocupa, na verdade, 80 hectares – menos de um terço dos Baldios de Linhares.

Considerando a área florestal total, a principal fonte de rendimento deste baldio é, atualmente, a madeira, mas no futuro, este valor poderá ser complementado pelas várias culturas e produtos da floresta recém-plantados. “Algum do rendimento desta floresta que estamos agora a plantar, não o vamos ver durante a nossa vida – só talvez na dos nossos filhos -, mas alguém tem de fazer este trabalho” ou tudo isto estaria ao abandono.

Amândio Pinto chegou a Linhares em 2004 e em 2009 foi eleito Presidente da Junta desta freguesia. “Com a Junta, herdei a gestão do baldio” (os cerca de 260 hectares dos Baldios de Linhares tinham sido devolvidos aos compartes em 1976, mas nos anos seguintes a sua gestão foi delegada à Junta de Freguesia). Depois de oito anos, “deixei o lugar ao meu segundo e fiquei na Presidência da Assembleia de Compartes”. Foi nestes 12 anos que a floresta ganhou importância na sua vida, pois a sua formação em nada se relacionava com esta área. Amândio Pinto é enfermeiro e no final da tarde em que o entrevistámos tinha acabado de fazer os seus domicílios.