Valorizar

Testemunhos

Criar valor para a comunidade na Paisagem Protegida Local do Sousa Superior

Originário do período romano e amplamente difundido durante a Idade Média, o cultivo da “vinha do enforcado” foi-se perdendo ao longo dos últimos anos, mas na recém-criada Paisagem Protegida Local do Sousa Superior este sistema agroflorestal ancestral de condução da vinha pode voltar a erguer-se num território empenhado em valorizar o seu capital natural e social.

A crescente pressão urbanística, o progressivo abandono das práticas tradicionais e uma generalizada desvalorização do legado rural e natural ditaram o seu quase completo abandono. Agora, a “vinha de enforcado” pode voltar a trepar pelas árvores da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior. Na mais recente paisagem protegida criada em Portugal, e a primeira no interior do distrito do Porto, está em curso uma estratégia integrada para promover a sustentabilidade da região, valorizando o seu capital natural e social.

Pelo valor identitário de uma paisagem rural e das suas tradições, este sistema agroflorestal ancestral, que se pensa ter origem no período romano com expansão durante a Idade Média, é visto como o “postal mais flagrante da matriz agroflorestal da região do Vale do Sousa e representa uma oportunidade para o desenvolvimento de serviços e produtos diferenciadores”, garante ao Florestas.pt Ricardo Nogueira Martins, diretor executivo da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior.

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Segundo o geógrafo, por respeito à memória dos seus antepassados, muitos proprietários ainda mantêm este sistema em que as videiras trepam por árvores de grande porte, como plátanos (Platanus sp.), lódãos bastardos ou ginjinhas-dos-reis (Celtis australis) e carvalhos-alvarinhos (Quercus robur).

Contudo, e apesar da importância histórica, a expansão das vinhas para produção intensiva e a crescente falta de mão-de-obra estão entre os fatores que, nos últimos anos, mais contribuíram para o declínio da “vinha do enforcado”. Este cultivo era feito nos limites das parcelas agrícolas, aproveitando as árvores e explorando o espaço vertical em campos de reduzidas dimensões. Deixava-se, assim, o interior livre para outras culturas, como o milho por exemplo. A uma altura que pode atingir mais de quatro metros, a poda das árvores (para reduzir o ensombramento, permitindo o crescimento e maturação das uvas) e a apanha das uvas é feita manualmente, com recurso a escadotes, o que torna esta atividade perigosa, demorada e com custos elevados.

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Com a classificação, no final de 2020, da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior vislumbram-se novas oportunidades de negócio, ainda em estudo, em termos turísticos e de desenvolvimento rural, adianta Ricardo Nogueira Martins. Além da sua forma diferenciadora em termos de cultivo, estas variedades de videira tendem a produzir vinhos mais ácidos e com menor teor alcoólico que, consequentemente, se transformam em vinhos menos inebriantes.

À importância identitária desta paisagem rural de tradições seculares abandonadas, junta-se o seu valor para a biodiversidade, já que são criados verdadeiros corredores ecológicos que vão beneficiar a avifauna, bem como algumas espécies de morcegos identificadas em campo pelos técnicos ecólogos e biólogos do Sector da Conservação da Natureza e Educação Ambiental (SCNEA) do Município de Lousada.

Numa área que “encerra um vasto leque de recursos naturais valiosos, como a água e solos de qualidade, relevante geodiversidade, bem como uma expressiva biodiversidade”, como refere o regulamento da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior, estes são recursos a salvaguardar através da definição de mecanismos de proteção, valorização e promoção da singularidade do seu território.

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Ricardo Nogueira Martins, diretor executivo da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior

Um mosaico agroflorestal na Paisagem Protegida Local do Sousa Superior

A classificação da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior, com os mais de 1600 hectares de mosaico agroflorestal, marca um ponto de viragem na gestão e conservação de um território profundamente moldado pela mão humana, mas que tem sabido cultivar “a beleza da ruralidade”.

Ainda hoje, na área da Paisagem Protegida Local do Sousa Superior, são mantidos métodos agrícolas tradicionais, como a lavra com burro, a moagem tradicional do cereal em moinho de água ou a compartimentação das parcelas agrícolas com a “vinha do enforcado”. A história da região conta-se também através das quintas solarengas e dos seus jardins históricos, dos solos férteis das planícies aluviais e dos povoamentos florestais diversificados, desde espécies autóctones a eucaliptais. Muitas destas espécies são verdadeiros gigantes da floresta, tendo sido já identificados mais de 7400 exemplares no concelho de Lousada.

Toda esta diversidade da matriz territorial agroflorestal é, para Ricardo Nogueira Martins, um “fator de diferenciação territorial” que importa valorizar. A paisagem protegida prevê, por exemplo, avançar com a harmonização do coberto florestal, através da reconversão de algumas áreas de floresta não nativa.

Fortemente caracterizado pela produção agrícola (58% do território) e florestal (34%), o concelho apresenta um mosaico de paisagem fragmentado e difuso, distribuído por oito freguesias, e dois grandes centros urbanos, a Vila de Lousada e Vila da Aparecida.

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Flora e fauna que importa valorizar

Na Paisagem Protegida Local do Sousa Superior distinguem-se 13 unidades de paisagem (áreas que se individualizam por um conjunto de características, como o solo ou o clima) ricas em paisagem, flora e fauna.

Proteger esta paisagem é também proteger as suas espécies. Os seus 1609 hectares acolhem mais de 150 espécies de vertebrados, incluindo alguns endemismos ibéricos, como a salamandra lusitana (Chioglossa lusitanica) num total de 42 espécies existentes de relevante valor de conservação.

Na Paisagem Protegida Local do Sousa Superior destacam-se ainda as mais de 300 espécies pertencentes a 86 famílias botânicas, incluindo 17 espécies RELAPE (Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou em Perigo de Extinção). Este conceito foi criado como veículo para a proteção de espécies com interesse para conservação, como é o caso do narciso-trombeta (Narcissus pseudonarcissus subsp. nobilis), narciso (Narcissus triandrus L.), gilbardeira (Ruscus aculeatus L.) ou azevinho (Ilex aquifolium L.) naquela região.

Esta informação científica é crucial para que a gestão do território seja feita de forma consciente, conciliando a conservação da natureza com um papel educador da comunidade. Por outro lado, conclui Ricardo Nogueira Martins, permite trabalhar o território do ponto de vista pedagógico, transmitindo-se a importância de preservar esta herança cultural e natural que tem atraído muitos visitantes nacionais e estrangeiros ao concelho.

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Do ponto de vista do valor cultural merecem referência o bordado em linho, a cestaria e a tamancaria, que subsistem como arte e ofício, e adornam os aproximadamente 200 elementos patrimoniais existentes, entre os quais, 16 casas senhoriais, quatro monumentos do românico, lagares rupestres e diversas expressões do património religioso local, como as alminhas e cruzeiros.

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A Mata de Vilar é principal equipamento florestal de recreio do concelho de Lousada e a maior extensão de floresta nativa do concelho. Com 15 hectares, está classificada internacionalmente como “de alto valor de conservação”. Esta Mata e o futuro Parque Molinológico e Florestal de Pias (onde se inclui a recuperação dos Moinhos de Pias) são, a par da Quinta de Vila Pouca (em Meinedo), dois dos mais importantes recursos numa estratégia de visitação e turismo de natureza em desenvolvimento.

Desde caminhadas e banhos de floresta ao contacto com o vasto património molinológico – que narra a relação umbilical da comunidade com o rio Sousa – passando pela vindima na “vinha do enforcado”, são várias as ofertas que convidam os visitantes a descobrir e a envolver-se na Paisagem Protegida Local do Sousa Superior.

“A paisagem protegida é o laboratório de transformação do território lousadense e a construtora de uma comunidade sustentável que utiliza o vale do rio Sousa como ferramenta de comunicação ambiental e de investigação científica à escala municipal”, refere Ricardo Nogueira Martins.

Saiba mais em www.sousasuperior.pt