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“Neutralidade climática: uma oportunidade ímpar para a floresta”, por Sandra Martinho

Portugal não atingirá a neutralidade climática sem o contributo do sector florestal. Esta é uma oportunidade ímpar para melhorar, ampliar e valorizar a floresta em Portugal, mas para que esta transformação se concretize há inúmeros desafios a ultrapassar.

Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e neutralizar, por compensação, as emissões residuais que não se conseguem reduzir por falta de soluções. Estes são os caminhos traçados para alcançar as metas europeias de redução líquida de emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030 (face a 1990) e de neutralidade climática (balanço zero entre emissões e remoções) até 2050.

Apesar dos esforços efetuados, as emissões continuam a apresentar uma tendência de crescimento que, a manter-se, significará chegar a 2030 com quase o dobro das emissões que deveríamos ter. Da mesma forma, a temperatura media global já aumentou 1,2ºC face à época pré-industrial e, se este ritmo prosseguir, poderemos chegar ao final do século com 2,4ºC, muito acima do 1,5ºC definido como limite no Acordo de Paris.

Avançar nesta transição para a neutralidade climática implica uma transformação socioeconómica sistémica, baseada no melhor conhecimento científico disponível e na capacidade de adotarmos modelos de bioeconomia e economia circular, substituindo recursos e materiais de base fóssil por equivalentes de base biológica.

A neutralidade climática não será alcançada sem o contributo do sector florestal e, sendo uma transição estrutural, implica o envolvimento e investimento dos sectores público e privado.

Floresta ao serviço da neutralidade climática: os desafios

Em Portugal, espera-se que a floresta e o uso do solo atuem como um sumidouro líquido de carbono, realidade expressa na Lei de Bases do Clima (em vigor desde fevereiro de 2022) que atribui à floresta e uso do solo a missão de remover pelo menos 13 megatoneladas de CO2 eq, entre 20145 e 2050.

Observando os dados do nosso balanço de emissões, compreendemos que o desafio é ambicioso, até porque em anos com vastas áreas ardidas, como aconteceu em 2003, 2005 e 2017, a floresta e uso do solo passam a ser contribuintes líquidos (em vez de sumidouros), em resultado dos gases emitidos durante os incêndios rurais.

Neste sentido, é fundamental atuarmos em três fatores fundamentais:

  • Conter o risco de incêndios e diminuir a área média anual ardida;
  • Aumentar a área florestal nacional, com investimento em novas áreas e reflorestação das zonas ardidas;
  • Aumentar a produtividade dos povoamentos florestais.

Já a descarbonização do próprio sector florestal passará pela adoção de um modelo de circularidade e bioeconomia, cuja concretização passa, por exemplo, por práticas silvícolas mais eficientes no uso de recursos e na gestão de riscos, pela aplicação crescente de tecnologias (Floresta 4.0), pelo investimento no “fecho” do ciclo de carbono, através de simbioses industriais e o recurso a novas tecnologias, e pela substituição de materiais de base fóssil não renovável por biomateriais renováveis.

Além de requerer talento humano, capacitação técnica e disponibilidade de tecnologias, capitalizar o potencial de sequestro de carbono da floresta portuguesa implica ainda reunir condições para aumentar a escala da gestão florestal e operacionalizar novos modelos de negócio, assim como incentivar novos mercados associados à bioeconomia.

Avançar com sistemas de pagamento direto aos produtores florestais pelos serviços do ecossistema que prestam será outra das condições. Em articulação com a valorização dos serviços ambientais, o mercado voluntario de carbono – um mercado desregulado – está já a evoluir para os requisitos de integridade, rastreabilidade, qualidade e transparência indispensáveis para se tornar mais relevante e abrangente, com novos instrumentos financeiros direcionados ao ambiente e carbono, como, por exemplo, os woodland-carbon-guarantee.

Participar e beneficiar deste mercado voluntário, implica, no entanto, uma escala de gestão e prevenção de riscos a médio-longo prazo que não se coaduna com as práticas implementadas na grande maioria das áreas florestais portuguesas.

Sobre o Formador

Sandra Martinho trabalha há 25 anos em sustentabilidade ambiental e clima. Iniciou o seu percurso profissional em 1995, como professora de Economia do Ambiente e dos Recursos Naturais na Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT) e é atualmente uma das responsáveis da Lasting Values, empresa-boutique de consultoria estratégica focada nas soluções ambientais e economia verde, que cofundou em 2012.

Durante o seu percurso profissional, Sandra Martinho esteve envolvida em muitos dos estudos e instrumentos estratégicos, nacionais e internacionais, nestas áreas, entre os quais:

– Assessora do Governo português nas negociações do Protocolo de Quioto;
– Delegada nacional na UNFCCC – Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (2000);
– Membro da equipa técnica do primeiro Programa Nacional para as Alterações Climáticas (2001) e da maioria dos que o sucederam;
– Membro do The EU Further-Action Group for Climate Change, da Comissão Europeia (2003/04);
– Coordenadora do tema Economia Circular do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e do estudo sobre as Linhas Estratégicas dos Setores de Produção Primária no contexto da Estratégia Nacional para a Bioeconomia Sustentável 2030.

No âmbito da valorização dos serviços dos ecossistemas, lançou Carbono Zero ® (2005), o primeiro instrumento do mercado voluntário de carbono em Portugal.