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Biodiversidade

8 mamíferos da floresta portuguesa

Já alguma vez se cruzou com os mamíferos que habitam nas nossas florestas, bosques e montanhas? Segundo o Atlas de Mamíferos de Portugal, há mais de 40 espécies de mamíferos terrestres em estado natural e algumas populações estão até em expansão.

É pouco comum, em especial para quem vive nas cidades, cruzar-se com mamíferos em estado natural, mas há várias dezenas de espécie que continuam a viver nas florestas e bosques portugueses, dos engraçados esquilos e martas aos majestosos gamos e veados, passando pelo nosso mais raro felino, o lince-ibérico. Os mamíferos da floresta portuguesa são um testemunho da biodiversidade existente nestes habitats.

Alguns deles estiveram em tempos ameaçados ou extintos e estão atualmente em expansão, como resultado de um trabalho de reintrodução que demonstra que é possível ajudar a preservar e melhorar a biodiversidade no nosso país.

Onde descobrir os mamíferos da floresta?

Os mais aventureiros podem tentar descobrir estas espécies nos seus habitats naturais, mas nem sempre é fácil encontrá-las. Em zonas com baixa densidade populacional, como por exemplo, nas Portas de Rodão, em Vila Velha de Rodão (centro de Portugal) há dezenas de mamíferos a viver em liberdade, incluindo veados, javalis, raposas, lontras, doninhas, texugos, ouriços caixeiros e muitos outros. Classificada como Monumento Natural, as Portas de Rodão são um local único também em termos biológicos, com mais de 170 espécies de fauna, algumas raras em Portugal.

Praticamente todos estes mamíferos existem também em Parques, Zoos e Tapadas, onde decorrem, inclusive, alguns programas de conservação e reintrodução.

O Parque Biológico da Serra da Lousã é aquele que tem a maior amostra de fauna selvagem de Portugal, incluindo mamíferos. Ali é possível conhecer desde a lontra ao esquilo, passando pelo lobo e pelo maior herbívoro da fauna portuguesa, o veado. Todos eles vivem neste parque, integrados num ambiente de floresta.

A “visita” a oito mamíferos da floresta portuguesa, recentemente reintroduzidos ou que vivem nestes ecossistemas desde que há memória, é guiada pela 2ª edição do Atlas de Mamíferos de Portugal, de 2019, uma iniciativa da Universidade de Évora.

1. Esquilo Vermelho

Os esquilos vermelhos (Sciurus vulgaris) são mamíferos roedores que estiveram praticamente extintos em Portugal – estima-se que durante cerca de 400 anos –, devido à perda de habitats resultantes da fragmentação florestal. Atualmente, estão a expandir-se graças ao aumento de novas plantações de pinheiros e a programas de reintrodução. As suas populações têm aumentado também no país vizinho, nomeadamente na Galiza, o que ajuda à recolonização portuguesa.

As populações de esquilos encontram-se maioritariamente na zona de clima atlântico, com maior densidade no norte de Portugal. No entanto, a sua expansão caminha para sul, com várias pessoas a avistá-los próximo do Tejo.

Refira-se que, na região mediterrânica, o esquilo é comum em povoamentos mistos de coníferas e carvalhos. Na Península Ibérica, está presente de forma contínua na região florestal euro-siberiana, na qual se integra o norte de Portugal, com vários núcleos distribuídos pelo restante território.

Graças ao projeto de ciência cidadã “O esquilo vermelho em Portugal”, a ocorrência deste simpático roedor está bem documentada no norte e centro do território continental. O projeto foi lançado pela bióloga da Universidade de Aveiro, Rita Costa, e tem contado com o contributo de centenas de portugueses que fotografam e partilham imagens destes mamíferos da floresta, para ajudar a compreender por onde andam os esquilos.

Curiosidade
O esquilo-vermelho é uma espécie autóctone portuguesa que muitos desconhecem como nossa. Apesar do nome, estes esquilos não são vermelhos e a sua cor varia dos tons acastanhados ao preto. Em Lisboa, a espécie pode ser vista, com alguma facilidade, no Parque Florestal de Monsanto ou na Tapada da Ajuda, que acaba por estar integrada no Corredor Verde de Monsanto. O esquilo-vermelho é uma das cerca de 130 espécies de animais existentes na Tapada, ‘casa’ do Instituto Superior de Agronomia, como realça o livro “Guia de Fauna, Tapada da Ajuda”.

2. Gamo

Gamo

Em Portugal, os gamos (Dama dama) silvestres estiveram praticamente extintos no início do século XX, mas a espécie foi recuperada através de várias introduções feitas desde então. No entanto, mesmo atualmente, a maioria dos gamos não são silvestres e só se encontram populações representativas em liberdade na região do rio Sado.

O gamo tem vindo a ser introduzido em Portugal desde há séculos para reforçar a atividade da caça. Nas últimas décadas, esta realidade prosseguiu, com novas populações de gamos criadas para (re)povoar zonas de caça cercadas e privadas por todo o país. O mesmo sucede em Espanha, pelo que uma elevada percentagem de populações ibéricas vive em cercados e sob regimes de gestão.

Em Portugal, pode ser encontrado na Tapada Nacional de Mafra (região de Lisboa), na Herdade do Vale Feitoso (Beira Interior) e em algumas herdades do Alentejo e do Ribatejo. A Tapada Nacional de Mafra, Património Cultural Mundial da UNESCO, alberga várias espécies de animais, entre os quais os gamos, que podem ser facilmente vistos numa visita. Além disso, organiza jornadas de caça ao gamo (também ao veado e javali), que são agendadas de forma a controlar a população, sem interferir com a sua época de reprodução.

Os gamos são mamíferos muito adaptáveis e conseguem sobreviver numa ampla gama de habitats, incluindo florestas, matos, pradarias, pastagens e plantações artificiais. A neve é o principal fator que limita a sua distribuição.

Curiosidade
No Verão, os gamos têm pelo castanho-avermelhado com manchas brancas no dorso e flancos. O ventre é branco. No Inverno, as tonalidades são mais grisalhas e escuras, com menos manchas.

3. Javali

Javali

Atualmente, há javalis (Sus scrofa) por todo o território continental, mas nem sempre foi assim. No início do século XX, a sua presença resumia-se às áreas fronteiriças e a algumas zonas de caça. As suas populações reduziram-se de tal forma que a caça ao javali foi proibida em 1867 (exceto em algumas áreas cercadas) e dois anos depois, o javali foi declarado como uma espécie em perigo.

A situação está hoje revertida, com um crescimento do número de animais em Portugal e pela Europa. A maior presença desta espécie tem vindo a causar prejuízos na agricultura, reflorestações e na caça de pequenos animais, cujas tocas os javalis destroem. O aumento das populações destes encorpados mamíferos em estado selvagem levou ao incremento da caça, em determinadas épocas e sob condições específicas, como forma de controlar o crescimento das populações.

O javali vive numa grande variedade de habitats temperados e tropicais, desde os semidesertos, às florestas e prados.

É possível encontrar javalis um pouco por todo o país, à solta na floresta ou em tapadas e parques. A Tapada de Mafra é apenas um exemplo. Quem a visita na primavera encontra facilmente novos membros desta família, uma vez que as crias – uma a dez crias por ninhada – nascem entre o final do inverno e o início da primavera.

Curiosidade
Os javalis nascem com listas escuras longitudinais, razão pela qual lhes chamam “listados”. A partir dos 6 meses, vão perdendo progressivamente as listas e ficam com o pelo acastanhado. Por volta do primeiro ano de vida, tornam-se mais escuros, com gradações que vão dos cinzentos ao preto.

4. Veado

Veado

Durante os tempos medievais, os veados (Cervus elaphus) eram muito comuns em Portugal, mas no final do século XIX tornaram-se raros. A caça excessiva, a perda e degradação dos seus habitats e a crescente pressão da agricultura e pecuária foram os principais fatores para a diminuição da sua presença.

A partir da década de 70 do século XX, a implementação de programas de reintrodução e a recolonização natural a partir de Espanha começaram a inverter a situação e ajudaram a que este grande mamífero – o de maior porte a viver em liberdade em Portugal – se tornasse de novo numa presença abundante.

Hoje, há populações de veados em praticamente todo o território continental, com maiores concentrações na Serra da Lousã e perto de três zonas fronteiriças – Montesinho, Tejo Internacional e Contenda-Barrancos.

Os veados vivem numa ampla variedade de habitats, mas preferem terrenos com declives suaves onde existam vastas áreas florestais, intercaladas por prados e áreas abertas com arbustos e ervas.

Os veados extinguiram-se na Serra da Lousã em meados do século XIX, mas, em 1995, a Unidade de Vida Selvagem e o Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro (UA) juntaram-se para criar um programa de fomento e conservação da biodiversidade que se tornou num sucesso a nível nacional e num exemplo internacional. Em 2017, a UA estimou que existiam mais de três mil veados a viver em estado natural nesta Serra.

Curiosidades
Os veados são os maiores cervídeos ibéricos, seguidos do gamo (Dama dama) e do corço (Capreolus capreolus). Um veado adulto pesa, em média, cerca de 170 quilos.

As hastes dos veados (e de outros cervídeos, como os gamos) são uma composição óssea (uma espécie de ossos externos) presente apenas nos machos. Caem anualmente e voltam a crescer em poucos meses. Os veados machos possuem hastes “tubulares”, com um número de pontas variável; os gamos têm hastes palmadas, que apresentam algumas ramificações; o corço possui hastes pequenas, que normalmente têm três pontas no estado adulto.

Em alguns anos, já se fez “Caça às hastes” na Tapada de Mafra, uma espécie de caça ao tesouro que permite recolher as hastes que caíram para, a partir delas, conhecer informação importante sobre os veados que ali vivem – por exemplo, sobre a sua nutrição.

Durante a época de reprodução, as hastes são usadas nas lutas entre machos e ajudam a indicar os elementos com melhor condição física.

Na família dos cervídeos, a única espécie em que as fêmeas também têm hastes é a das renas

5. Lince-Ibérico

lince_iberico

O lince-ibérico (Lynx pardinus) é único grande mamífero carnívoro endémico da Península Ibérica e o carnívoro em maior perigo na Europa. Na transição para o século XXI, havia menos de uma centena de indivíduos no planeta. Hoje em dia, em resultado dos esforços de recuperação, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) passou a sua classificação de “em perigo crítico de extinção” para “em perigo de extinção”, estimando-se que existam cerca de 800 indivíduos.

O lince-ibérico deverá ter existido por todo o país, mas a sua área de distribuição diminuiu drasticamente durante o século XX. Entre 1980 e 1990, o lince já só existia em poucos locais do centro e sul do país e logo depois ficou limitado a cinco zonas principais: Malcata, São Mamede, Vale do Guadiana, Vale do Sado e Algarve-Odemira. Em 2002-2003, o lince já não foi detetado nas prospeções realizadas e, em 2005, o Livro Vermelho indicou a ausência de populações residentes.

Entretanto, foi implementado um programa ibérico de conservação, com o objetivo de reintroduzir linces nascidos em cativeiro. As primeiras libertações no nosso país ocorreram em 2015, no Parque Natural do Vale do Guadiana e áreas circundantes.

A 6 de março de 2020, no dia em que foram libertados dois novos linces-ibéricos no Vale do Guadiana, o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, indicou que existem em liberdade um total de 107 linces em Portugal e cerca de 800 na Península Ibérica. Esta é uma população constituída na maioria por linces jovens (1 a 3 anos).

Os registos recentes de presença em Portugal correspondem aos locais de reintrodução e a zonas próximas de expansão, onde os linces se começaram a reproduzir naturalmente em 2016. Existem algumas ferramentas que permitem acompanhar a evolução da presença desta espécie que só existe em Portugal e Espanha (endemismo ibérico), como o website do projeto iberlince.

Curiosidade
O CNRLI – Centro Nacional de Reprodução em Cativeiro do Lince Ibérico, localizado no Algarve, recebeu o seu primeiro lince em 2009: o Azahar não foi libertado na natureza, mas no Zoo de Lisboa, acompanhado de Gamma, em dezembro de 2014. Ali tinham à sua espera uma tranquila e vasta ‘tapada’ para poderem viver envoltos por “flora mediterrânica, zambujeiros, carvalhos e plantas aromáticas”. O espaço é vasto, pelo que mesmo no Zoo nem sempre é possível avistar um lince.

6. Lobo Ibérico

Lobo-Ibérico

Até ao século XX, o lobo (Canis lupus) era um carnívoro comum em praticamente todo o território continental. Porém, a população reduziu-se de modo acentuado a partir desse período.

Atualmente, o lobo encontra-se nas regiões montanhosas da metade norte do país e conta com duas subpopulações: uma a norte do rio Douro, com núcleos principais nas serras da Peneda-Gerês e Alvão-Padrela e no distrito de Bragança, em continuidade com a população do norte de Espanha; e a outra, localizada a sul do rio Douro, desde as serras da Freita e Arada até à região fronteiriça da Beira Interior, mais dispersa e aparentemente isolada da restante população ibérica.

O lobo é um dos mamíferos capazes de viver em todos os habitats do Hemisfério Norte, desde que exista alimento disponível e a perturbação humana não seja excessiva. Na Península Ibérica, a subespécie Canis lupus signatus – lobo ibérico – está amplamente distribuída em todo o noroeste, embora não se conheça ao certo o número de alcateias e de elementos que as compõem.

É possível apadrinhar um lobo e ajudar os indivíduos residentes no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI) um projeto de conservação desta espécie que ainda é considerada como ameaçada no nosso país. Neste Centro, localizado perto de Mafra, vivem lobos que não têm condições para ser devolvidos à vida selvagem.

Curiosidade
Há registos de lobos isolados a sul das áreas com núcleos populacionais identificados, em Portugal. Pensa-se que são “lobos solitários” que percorrem grandes distâncias em busca de novos territórios. O lobo ibérico distingue-se do lobo que habita a restante área europeia essencialmente por ser mais pequeno e pela coloração da sua pelagem, que é mais amarelo-acastanhada.

7. Lontra

Lontra

A lontra (Lutra lutra) está presente em quase toda a Península Ibérica, exceto na maior parte da costa mediterrânica. Em Portugal, vive em praticamente todo o tipo de ambientes aquáticos – lagos, rios, ribeiras, pauis, sapais e pequenas albufeiras – e ao longo da maior parte da linha costeira continental.

A espécie encontra-se em relativa expansão. Embora ainda existam áreas amplas sem registos de presença recente (e possa estar ausente em algumas zonas da Estremadura), o seu estatuto em Portugal não é preocupante, ao contrário do que acontece em alguns outros países.

A conservação e recuperação da vegetação ribeirinha é uma das ações recomendadas pelo ICNF para manter as populações e habitats naturais destes mamíferos que vivem junto a rios, ribeiros, lagoas ou sapais e até barragens.

Curiosidade
Sabia que as Lontras também têm um Dia Internacional? Assinala-se a 29 de maio e, em Portugal, o Oceanário de Lisboa é uma das entidades das costuma realizar ações de sensibilização para a necessidade de proteção e conservação deste simpático mamífero. Embora bastante comum em Portugal, tem estatuto de conservação “em perigo”, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.

8. Marta

Marta

A marta (Martes martes) ocupa tipicamente florestas de coníferas ou folhosas bem estruturadas, diversificadas e maduras. Trata-se de uma espécie difícil de encontrar, quer porque não existem muitas em Portugal, quer porque a marta evita áreas com presença humana.

No nosso país, a área de distribuição destes felpudos mamíferos ainda é incerta. Os registos existentes colocam-na com algum grau de certeza apenas no extremo norte do país, em áreas do Parque Nacional da Peneda-Gerês e do Parque Natural de Montesinho, em continuidade com populações documentadas em Espanha.

Vários registos sugerem que a espécie se pode distribuir por todo o norte e centro-este de Portugal, mas a parecença da marta com a fuinha – espécie mais comum e fácil de encontrar em liberdade – pode estar na origem de mais avistamentos do que o número de martas estimado.

Internacionalmente, a marta é uma “espécie protegida” pela Convenção de Berna (Anexo III) e uma “espécie de interesse comunitário cuja exploração e colheita na natureza podem estar sujeitas a medidas de gestão”, pela Diretiva Habitats.

Saiba como distinguir a marta e a fuinha: são ambas sensivelmente do mesmo tamanho e cor, com um corpo alongado – equivalente ao tamanho de um gato doméstico -, cauda comprida e pelagem maioritariamente castanha. Porém, na zona da garganta, a marta tem uma mancha amarela ou alaranjada, enquanto na fuinha esta mancha é branca ou creme. Na marta, a mancha é mais pequena e cinge-se apenas a uma pequena área da mandíbula inferior, enquanto na fuinha se estende até ao início das patas dianteiras.

Curiosidade
Face à escassez de dados, no nosso país não é possível avaliar corretamente o estatuto de ameaça nem o estado de conservação da marta. Seria necessário um censo que permitisse recolher estes dados.