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Áreas Protegidas

À descoberta das 4 áreas protegidas privadas portuguesas

Faia Brava, Fraga Viva, Montado do Freixo do Meio e Vale das Amoreiras são as quatro áreas protegidas privadas reconhecidas em Portugal. Descubra quais os valores naturais que tornam relevantes estas quatro propriedades privadas.

Passear nas áreas protegidas privadas de Portugal permite descobrir e contribuir para conservar alguns dos tesouros do património natural nacional. Localizadas em diferentes zonas das regiões Norte, Alentejo e Algarve, estas propriedades têm uma paisagem distinta. Contudo, todas elas guardam valores naturais relevantes, onde se incluem galerias ribeirinhas (ripícolas), escarpas profundas sobrevoadas por aves de grande porte, zonas de montado entrecortadas por medronhais, carvalhos e orquídeas, assim como densos carvalhais onde se encontra o raro carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis).

Em Portugal, existem à data (2024) quatro áreas protegidas privadas reconhecidas oficialmente. A legislação que estabelece o processo de reconhecimento de áreas privadas com valores naturais notáveis data de 2009 (Portaria n.º 1181/2009). No ano seguinte, a reserva de Faia Brava, com os seus cerca de 214 hectares no vale do Côa, foi classificada como a primeira área protegida privada do país. Passados 12 anos, em 2022, foram reconhecidas outras três: Fraga Viva – Reduto do Batráquio, em Sernancelhe; Montado do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo; e Vale das Amoreiras, em Aljezur.

Mas o que significa, ao certo, a classificação como uma área protegida privada? A legislação refere que este reconhecimento é feito em áreas “onde se regista a ocorrência de valores naturais que apresentem, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial que exija medidas específicas de conservação e gestão”.

No processo de candidatura ao estatuto de área protegida privada, os proprietários devem fazer a caracterização das respetivas áreas, incluindo um plano de gestão a celebrar com o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Em caso de parecer positivo, é ao abrigo dos termos deste protocolo com o ICNF que decorre a gestão da área protegida privada, incluindo as “ações de manutenção de biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas, do património geológico e a valorização da paisagem”.

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Faia Brava: a pioneira das áreas protegidas privadas

Gerida pela Associação Transumância e Natureza (ATN), a reserva Faia Brava foi a primeira das áreas protegidas privadas a ser reconhecida. Situada no vale estreito e profundo (canhão fluvial) do rio Côa, em Figueira de Castelo Rodrigo, os 215 hectares da Faia Brava aninham-se entre a cordilheira da serra da Marofa e as vinhas do Douro. E é às escarpas graníticas do canhão do Côa que vai buscar o seu nome: faia, que significa escarpa.

A reserva está integrada na Zona de Proteção Especial do Vale do Côa e no Parque Arqueológico do Vale do Côa. Na aproximação ao local, as aves de grande porte chamam a atenção de quem visita. Não é de estranhar, uma vez que as escarpas da Faia Brava são locais de nidificação privilegiados de espécies como o grifo (Gyps fulvus), o abutre-do-egipto (Neophron percnopterus), a águia-de-bonelli (Aquila fasciata) e a águia-real (Aquila chrysaetos), entre outras, coincidindo com a Área Importante para Aves e Biodiversidade (IBA) Vale do Coa.

Estas aves são, precisamente, uma das prioridades da gestão da reserva enquanto área protegida, dado o elevado estatuto de ameaça destas espécies. As ações de restauro ecológico desenvolvidas pela ATN têm-se focado no aumento da disponibilidade alimentar das espécies mais ameaçadas, assim como na intervenção para a valorização dos habitats.

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O propósito da entidade é criar um modelo de gestão local e sustentável de recursos naturais presentes na reserva. Dentro dos objetivos do plano de gestão da Faia Brava estão, entre outros, o aumento em 30% da área coberta com bosques autóctones e a manutenção do efetivo nidificante de aves que nidificam em zonas de escarpas e afloramentos rochosos, entre outros.

As aves são habitantes ilustres da Faia Brava, mas não são os únicos. A área distingue-se por uma fauna diversificada, com a presença de 149 espécies de vertebrados. Os cavalos da raça garrano, que se passeiam pela reserva, estão entre os que mais despertam a atenção.

Em termos do património vegetal, as zonas variam entre encostas mais quentes cobertas de piorno (Retama sphaerocarpa), zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris) e cornalheira (Pistacia terebinthus), outras dominadas por matos de giesta-branca (Cytisus multiflorus), com presença mais pontual de azinheira (Quercus rotundifolia) e sobreiro (Quercus suber) – incluindo um espécime com mais de 500 anos – e áreas mais arenosas nas margens do Côa, com maciços arbustais de tamujo (Securinega tinctoria).

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Grifos

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Garranos

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De portas abertas à comunidade, a gestão da reserva tem procurado cada vez mais que esta área seja um local de demonstração e sensibilização. Temas como a educação ambiental, o ecoturismo, a agricultura sustentável, a proteção florestal ou a silvopastorícia estão presentes nas atividades que envolvem a comunidade local, escolar e os visitantes da região. É possível também fazer parte dos cuidadores da Faia Brava ao ser sócio doador ou voluntário da ATN nas várias atividades e projetos da associação.

Para visitar, poderá aceder à reserva Faia Brava, através da entrada sul (Vale de Afonsinho) ou da entrada norte (Algodres). Aconselhamos o contacto direto com a ATN para mais informação sobre como tirar o maior proveito da sua visita (incluindo acampar na reserva da Faia Brava).

Os projetos da Faia

Dos projetos voltados para a recuperação de habitats e restauro ecológico, até às iniciativas focadas na educação, há muito para fazer, aprender e cuidar no território da Faia Brava.

O regresso do abutre-preto (Aegypius monachus), uma espécie ameaçada, ao longo da fronteira portuguesa e espanhola é o objetivo do projeto LIFE Aegypius Return no qual a ATN e a área protegida privada da Faia Brava estão envolvidos, entre outras entidades, parceiros e territórios.

Outro projeto é o da recuperação florestal na Faia Brava, acelerando a regeneração da floresta mediterrânea através do restauro da paisagem de montado (COMPETE 2020 – FEDER). Em paralelo, existe também uma proposta de projeto para implementar medidas de conservação da natureza com impacte direto na biodiversidade, como a criação de quatro manchas de biodiversidade florestal.

Já na vertente ambiental, está em curso na reserva um “research and education learning lab”, apoiado pela Fundação Belmiro Azevedo, que junta investigadores, professores e estudantes no conhecimento e aprendizagens sobre a natureza. O laboratório assenta em atividades para vários públicos:

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Abutre-preto

  • Primeiro e segundo ciclos do Ensino Básico: programa educativo baseado em experiências e exploração, como a criação de jardins escolares selvagens;
  • Terceiro ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário: trabalho prático e apoio na monitorização da reserva, campos de férias com experiências de aprendizagem.
  • Ensino Superior: programas de investigação próprios, baseados na monitorização;
  • Professores: programa de formação certificado de curta duração, para que possam integrar aulas de campo no currículo escolar.

Numa das mais ativas áreas protegidas privadas, outras iniciativas educacionais visam a sensibilização do valor do património natural da região fronteiriça do Ribacôa e as ameaças das alterações climáticas à sua preservação, mas também o trabalho com escolas da região sobre a importância da conservação do lobo ibérico (Canis lupus signatus), este último no âmbito do projeto LIFE Wolflux.

Fraga Viva: um quadro vivo nas margens do rio Távora

O “cognome” com que é apresentada esta área protegida – Reduto do Batráquio – não deixa margem para dúvidas. A Fraga Viva nasce da junção entre o meio aquático e o meio terrestre, proporcionados pela passagem do rio Távora pelo território. Também por isso é frequente a presença da rã-ibérica (Rana iberica), espécie endémica da Península Ibérica (que só existe naturalmente nesta região) e com predileção reconhecida por linhas de água em meio florestal.

À rã-ibérica juntam-se outros anfíbios, como a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra) e a rela-ibérica (Hyla molleri). Os céus são cruzados por aves como o cuco (Cuculus canorus), o guarda-rios (Alcedo atthis), o corvo (Corvus corax), o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopos major) ou a poupa (Upupa epops).

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Rã-ibérica

Esta área protegida de aproximadamente 14 hectares em Sernancelhe, distrito de Viseu, é gerida pela Associação Fraga Viva – Reduto do Batráquio (localizada na freguesia de Arnas). A prioridade de conservação incide nos elementos naturais associados ao Rio Távora e que compõem, de forma geral, a vegetação em seu redor (galeria ripícola). É nestas margens do Távora que vemos a presença dominante do amieiro (Alnus glutinosa) e salgueiro-preto (Salix atrocinerea), a par de alguns exemplares do sanguinho-de-água (Frangula alnus), freixo-de-folha-estreita (Fraxinus angustifolia) e pilriteiro (Crataegus monogyna).

De forma mais dispersa, mas com alguma abundância, estão também presentes o carvalho-negral (Quercus pyrenaica) e o castanheiro (Castanea sativa), assim como zonas de matos, plantações de resinosas, soutos e lameiros e afloramentos rochosos graníticos.

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Pica-pau-malhado-grande

Note-se que o acesso a esta área protegida não se encontra documentado, pelo que a visita poderá estar condicionada e deverá ser autorizada.

Montado do Freixo do Meio: onde a bolota é rainha

A Herdade do Freixo do Meio, próxima de Montemor-o-Novo, é testemunho de milénios da simbiose entre paisagem e presença humana. Num território com mais de sete mil anos de ocupação, a atual área protegida privada do Montado do Freixo do Meio aproveita diferentes usos da floresta associados e compatíveis com uma gestão vocacionada para a preservação dos valores naturais e biodiversidade.

Neste montado típico alentejano, numa faixa contínua de mais de 400 hectares predominam sobreiros e azinheiras, mas são também visíveis outras espécies arbóreas como o pinheiro-manso (Pinus pinea), o medronheiro (Arbutus unedo) ou os zambujeiros centenários. De notar também a presença de espécies de menor porte, como as que formam medronhais e carrascais, e espécies como sargaços (Cistus salviifolius), tojo (Ulex australis), ou giestas (Genista spp. e Cytisus spp.). Na fauna, salienta-se a presença do gato-bravo (Felis silvestris), do morcego-rato-grande (Myotis myotis) e de espécies de aves com estatuto de vulnerável a ameaçado, como a garça-vermelha (Ardea purpurea) e o milhafre-real (Milvus milvus).

O habitat de sobreiro e restantes Quercus é uma das prioridades na gestão da propriedade. Mas não só: além da gestão sustentável do montado, nas suas diversas vertentes, o plano de gestão seguido promove a educação e a sensibilização sobre o sistema do montado e sobre o papel das florestas.

Alfredo Cunhal Sendim, o proprietário, é representante da sexta geração da família responsável pelo Freixo do Meio, mantendo o modelo familiar na gestão da propriedade. A seu cargo, a herdade ganhou novo alento, com a introdução de outras culturas e produtos de base florestal e agrícola. Associada ao Freixo do Meio, existe também uma “Cooperativa de Usuários”, com 200 alimentos de produção própria, biológica e responsável – e onde a bolota é alimento nobre, na base de pão, bolachas, hambúrgueres e enchido, entre muitos outros.

Para visitar a propriedade, basta dirigir-se ao Centro de Acolhimento da Área Protegida, na receção da Herdade do Freixo do Meio. Como esta é outra das áreas protegidas privadas com grande dinamismo com a comunidade, além da visita livre, é possível participar em visitas guiadas à propriedade, fazer refeições no local, comprar produtos da cooperativa, visitar o mercado domingueiro e até pernoitar no local. Há também a oportunidade de revisitar o passado no museu do Freixo Pré-histórico, regressando às origens das primeiras comunidades do Neolítico que habitaram na região.

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Visita Guiada “Às Origens” @ Freixo do Meio

Em 2024, a iniciativa “Quarta-Freixo”, que acontece duas quartas-feiras por mês, é uma boa oportunidade de passar o dia no Montado do Freixo do Meio e de escolher entre as várias atividades que permitem descobri-lo. O programa conta com uma visita à Área Protegida na companhia de Alfredo Sendim, outra ao Mega-Centro Interpretativo do Megalitismo Alentejano e outra ainda ao Freixo Pré-histórico – esta última guiada pelo arqueólogo Manuel Calado. Um passeio botânico ao encontro das plantas medicinais e comestíveis, na companhia de Fernanda Botelho, é outra das sugestões e não falta também um almoço tradicional alentejano.

Vale das Amoreiras: o refúgio do carvalho-de-Monchique

No sopé da serra de Monchique, entre Aljezur e Carrascalinho, um bosque frondoso esconde de olhares menos atentos um autêntico refúgio de carvalho-de-Monchique, espécie criticamente em perigo e que, em Portugal, tem presença muito rara: apenas cerca de 300 exemplares. Falamos do Vale das Amoreiras, área protegida privada de cerca de 10 hectares dentro de uma área maior de 53 hectares, gerida pelo casal Nelly e Raban von Mentzingen.

A vulnerabilidade da espécie de carvalho – e de outros valores naturais no local – faz com que a preservação do estado de conservação do bosque de sobreiros e de outros carvalhos centenários, na parte norte da propriedade, seja o objetivo principal da criação desta área protegida. De forma secundária, a gestão visa também desenvolver áreas adjacentes, de forma a ampliar a área contígua de bosque.

Além do Quercus canariensis e dos sobreiros, ao passar pela área protegida encontrará também a pequena planta com flor amarela Senecio lopezii, endémica do sudoeste da Península Ibérica e que, em Portugal continental, apenas tem exemplares identificados no Algarve. Juntam-se, na paisagem, o azevinho (Ilex aquifolium), o pilriteiro (Crataegus monogyna), o adernos-de-folhas-largas (Phillyrea latifolia) e a madressilva (Lonicera periclymenum ssp. hispanica), entre outras espécies. No reino animal, destaque para a presença da lontra (Lutra lutra), do lagarto-de-água (Lacerta schreiberi) e cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa).

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Para orientar os transeuntes pelo espaço, os diferentes micro-habitats da área protegida dividem-se em sete trilhos: um exemplo dos cuidados na forma como o espaço está organizado, com pequenas pontes, escadarias, caminhos e bancos, ao longo do percurso circular na área protegida.

A forma como estes detalhes “abraçam” gentilmente o património natural acabam por ser um reflexo da história de amor que uniu Raban e Nelly e que os levou à aquisição da propriedade de Aljezur, ainda nos anos 80 do século XX. Já a gestão da área protegida está a cargo da RWSW – Rewilding Sudoeste, uma associação focada na proteção e desenvolvimento de floresta autóctone e outros habitats da região do sudoeste de Portugal.

Tenha em conta que o acesso a está área privada é condicionado, sendo recomendável entrar em contacto com a RWSW e informar-se sobre os próximos passeios temáticos em agenda ou sobre outras formas de conhecer o local e participar na sua preservação.