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“Clima estável como património comum da Humanidade”, por Paulo Magalhães

O clima estável é um bem-comum, intangível e indivisível, que requer gestão e manutenção. O modelo económico atual não é compatível com o objetivo de limpar a atmosfera ou reduzir as emissões, para restaurar e manter um Clima estável.

O Sistema Terrestre vive num período de estabilidade, o Holoceno, há onze mil e setecentos anos, fruto de mudanças climáticas que originaram alterações químicas na atmosfera. É durante este período que surgem as grandes civilizações e as florestas. Estavam, então, criadas as condições biogeofísicas para um clima estável e para que as civilizações prosperassem. Com elas, surgiu a agricultura e as bases das sociedades que hoje conhecemos.

Este clima estável é a “manifestação de um bom funcionamento” do Sistema Terrestre, esclarece Paulo Magalhães, investigador convidado do Florestas.pt. Trata-se, pois, de um bem sobre o qual nenhum Estado é soberano. Não pertencendo a ninguém, pertence a todos e é afetado pelas ações humanas: podemos influenciá-lo de forma positiva, apoiando os serviços de ecossistemas, por exemplo; ou de forma negativa, com a emissão de gases com efeito de estufa (GEE).

Assim, o clima estável, isto é, a circulação de matéria e energia em padrões definidos em torno do nosso planeta, respeita certas características imutáveis:

  • É indivisível e intangível;
  • Não é sujeito a soberania;
  • Ninguém pode ser excluído;
  • Está sujeito a degradação.

Os efeitos causados pela ação humana, sejam estes positivos ou negativos, são partilhados por todos (ou seja, partilhamos danos e benefícios). O clima estável como bem-comum requer gestão e manutenção. A ausência de ação global resulta na incapacidade de se ultrapassarem obstáculos que dificultam a mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

O clima estável e a economia mundial

Enquanto não for dado valor ao equilíbrio termodinâmico e físico do planeta, as emissões de CO2 continuarão a aumentar, reflexo de uma estrutura económica assente na produção ininterrupta de bens vendáveis aos quais a sociedade atribui valor económico.

Como o clima estável não é vendável, resta aos países a tentativa de controlar as emissões de CO2. Em termos jurídicos, é possível delimitar o espaço aéreo de um país, mas não é possível dividir a composição bioquímica da atmosfera. Os serviços do Sistema Terrestre são uma externalidade: externos ao Direito, à Economia e à organização das sociedades humanas: “a maior falha de mercado da história”, nas palavras do economista Nicholas Stern.

Como se poderão, então, internalizar os benefícios? Paulo Magalhães dá como exemplo o conhecimento – outro bem tipicamente não vendável. Ao ser criado e partilhado, o conhecimento aumenta o total de ‘saber’ existente na sociedade, tornando-se um benefício de todos. O seu valor é reconhecido pelos “direitos de autor”. Ora, isto ainda não acontece nos serviços ambientais. Apesar dos avisos do IPCC – Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas e dos objetivos do Acordo de Paris, não existe um sistema que retire massivamente CO2 da atmosfera, para benefício da humanidade. Está em falta um quadro legal em que a economia regenerativa se possa basear, capaz de limpar a atmosfera e manter o bem-comum.

Mas o que é o clima?

Estávamos em 1988 quando as nações pensaram, pela primeira vez, sobre o clima estável e se propôs o seu reconhecimento como Património Comum da Humanidade, na primeira proposta de Malta. Neste primeiro documento avançou-se com a ideia de que a forma de funcionamento do Sistema Terrestre deveria ser um bem-comum, que pertencia à humanidade, e que todos teriam de gerir o seu uso e benefícios.

Contudo, esta abordagem não foi aceite do ponto de vista jurídico. Em vez dela, foi aceite outra perspetiva: a das alterações climáticas como Preocupação Comum da Humanidade. Esta perspetiva mantém-se e está na base do enquadramento jurídico do Acordo de Paris. Mas qual o verdadeiro significado desta perspetiva? Os direitos e deveres decorrem de uma preocupação comum da humanidade, mas não estão claramente expressos em termos jurídicos.

O Acordo de Paris surge, em 2026, como compromisso para diminuir as emisões de CO2, com cada país envolvido em contribuir com determinada quota. Quando muitos países ficam muito aquém da quota estipulada estamos perante um jogo de soma negativa. Se um país reduziu as emissões mais do que a sua quota pode vender o remanescente a um país que ultrapassou o limite de emissões e dá-se lugar ao chamado jogo de soma zero. Mas, no seu conjunto, estes esforços não alcançam os efeitos desejados.

Em Portugal, o artigo 15.º da alínea F da recente Lei do Clima (Lei n.º 98/2021) define como objetivo reconhecer o clima estável como Património Comum da Humanidade para que se crie um objeto jurídico sem fronteiras capaz de criar o suporte jurídico, o primeiro no mundo, a reconhecer o valor da natureza, criando-se condições para a mudança sistémica necessária.

Tal como foram encontradas soluções jurídicas para outros bens intangíveis, na questão ambiental há que ir além das quotas e sanções individuais. É necessário encontrar uma solução global, construindo-se uma economia capaz de restaurar e manter o clima estável. “Sem essa riqueza, as outras que já conhecemos não têm qualquer sentido”, acrescenta o orador.

Sobre o Formador

Paulo Magalhães é investigador no CIJ – Centro de Investigação Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, onde fez um pós-doutoramento. É licenciado pela Universidade Católica do Porto, pós-graduado pela Universidade de Coimbra e doutorado pela Universidade Nova de Lisboa.

É presidente e fundador da Casa Comum da Humanidade e coordenador do Grupo de Missão Clima Património da Humanidade. É ainda conselheiro do CNADS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Vencedor de vários prémios tais como: prémio inspiração Visão Verde, Medalha de Mérito Cidade do Porto Grau Ouro, Personalidade do Ano 2022 Portugal Inovador Santander.