Comentário

Maria Vicente

Como é que a educação climática pode contribuir para a transformação social?

Os efeitos das alterações climáticas já se sentem, com diferentes intensidades por todo o mundo, mas a educação climática ainda não conseguiu o papel central, que necessita de ter, no ensino formal, não formal e informal. Para o bem comum, é urgente integrá-la em todos os tipos de aprendizagens, de forma duradoura e mobilizadora, para transformar positivamente os conhecimentos e comportamentos das comunidades.

Do lugar de onde escrevo, de olhar apontado para Este, deslumbro-me com o vale do Douro. Avisto Espanha e o distrito de Bragança, e o ponto onde o rio Douro entra em terras portuguesas depois de navegar por margens ibéricas desde Miranda. Estamos em pleno coração do Parque Natural do Douro Internacional. Em Barca d’Alva.

O lugar de onde escrevo, que ocupa o lugar cimeiro de Barca d’Alva, foi em tempos idos o espaço da Escola Primária. Mas ainda hoje, este lugar, continua a ser um espaço a partir do qual se explora o mundo que nos rodeia.

Escrevo da Plataforma de Ciência Aberta – Centro Ciência Viva. Um espaço e um projeto do território. Que existe e se constrói para servir o território. Que todos os dias acorda com a missão de aproximar a ciência, a tecnologia e a inovação do dia-a-dia das pessoas e das comunidades, de todos nós. E de nos desafiar a utilizar a investigação e a inovação como ferramentas para um desenvolvimento com significado, resiliente e sustentável do território.

É aqui, neste território, que tenho aprendido, ao longo dos últimos anos, sobre a necessidade, a importância e a possibilidade de tornar real a participação das pessoas e das comunidades em processos científicos, e de conduzir o trabalho ecossistémico em prol de objetivos comuns. Mas também que nada disso é efetivo se as relações não forem bidirecionais e genuínas; se não formos ao encontro dos lugares e dos contextos da vida real e se não cultivarmos sentimentos de ligação, pertença e cuidado.

Do lugar de onde escrevo, os impactes das alterações climáticas são também já sentidos, tal como em muitas comunidades por todo o mundo.

 

Acompanho o Douro, que é um rio com um caudal que eu pensava inesgotável. (…) Nestes últimos 10 anos, vi-o, em Barca D’Alva, com um caudal muito baixo. (…) Se no rio com mais caudal da Península Ibérica, vemos que o caudal está a baixar a olhos vistos, por causa de um sobreuso humano e por causa de alterações climáticas, isto é sinal de luz vermelha.

Excerto de António Monteiro, ecólogo, investigador e habitante local no podcastVozes do Clima”.

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Foto de Maria Vicente

As alterações climáticas são um desafio global, contudo os seus efeitos variam drasticamente entre países (e mesmo dentro de cada país), tal como variam as capacidades para lidar com estes mesmos efeitos, a nível local, nacional e regional. É, por isso, fundamental fomentar a literacia, a ação e a resiliência climáticas enraizadas nos locais e nas comunidades. E é cada vez mais urgente preparar os jovens com o conhecimento, o espírito crítico, a diligência e a capacidade de agir num mundo definido pela crise climática, em particular quando as estatísticas –nomeadamente os dados do projeto Changing Childhood, da UNICEF – mostram que 85% dos jovens (15-24 anos, de 55 países), em média, afirmam já ter ouvido falar de alterações climáticas, no entanto, apenas 50% compreendem o que é.

Do lugar de onde escrevo, um lugar para a educação de ciência e para a cidadania global, sinto a responsabilidade (e a necessidade) de que contribuamos para a resolução dos desafios societais do nosso tempo e para o bem-estar das pessoas e das comunidades. Mas como é que a educação e os nossos sistemas educativos – formal, não formal, informal – podem impulsionar a mudança social, à escala e ao ritmo maciços necessários, para a atenuação das alterações climáticas?

Educação climática nas instituições de ensino e para além delas

Sabemos que, a nível mundial, a educação é o fator de previsão mais forte de sensibilização para as alterações climáticas. Em vários países, mais educação está associada a uma maior vontade de adotar estilos de vida favoráveis ao clima e está também associada a uma maior capacidade de atenuação e adaptação às alterações climáticas. Como bem lembra o trabalho “Choosing our future: education for climate action” (2024), a educação ajuda os jovens a agir hoje e também melhora os comportamentos climáticos dos seus pais e comunidades.

A educação climática, contemplada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas com metas e indicadores específicos, refere-se a um modelo que pretende apoiar as pessoas a compreender e a enfrentar os impactes das alterações climáticas, não só para o ambiente, mas também para a economia e a sociedade, preparando-as com os conhecimentos, competências, valores e atitudes necessários para atuarem como agentes de mudança.

Veja-se o que diz o ODS 13 – Ação Climática

Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactes.

Meta 13.3

Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacte e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas.

Indicador 13.3.1

Grau com que a (i) educação para a cidadania global e a (ii) educação para o desenvolvimento sustentável são disseminados em: (a) políticas educativas nacionais, (b) programas educativos, (c) formação de professores e (d) avaliação de estudantes.

As Nações Unidas defendem que, até 2025, a educação climática deveria fazer parte do ensino em todas as escolas. Contudo, um estudo da UNESCO – “Learn for our planet: a global review of how environmental issues are integrated in education” (2021) – analisou as políticas e os currículos educativos de 46 países e concluiu que mais de metade não faz qualquer referência às alterações climáticas, sendo que apenas 19% mencionam a biodiversidade.

É inquestionável o papel fundamental da educação formal na promoção da ação climática e na mudança de comportamento a larga escala, bem como a necessidade premente de que esta transformação ocorra nas escolas.

No entanto, as oportunidades educativas não se encerram na escola e as instituições de educação não formal e informal, como os museus e centros de ciência, instituições culturais, associações ambientais, grupos desportivos, podem – e devem – constituir-se como espaços para uma aprendizagem ao longo da vida e transformadora, para enfrentar a crise climática e o bem-estar dos cidadãos.

Na realidade, a importância desta abordagem holística para a sustentabilidade, que liga ofertas não formais e informais a experiências educativas fundamentais, foi reconhecida pela adoção da Recomendação do Conselho Europeu sobre aprendizagem em prol da transição ecológica e do desenvolvimento sustentável, que apela a tornar estas aprendizagens numa prioridade nas políticas e nos programas de educação e formação.

Nesse sentido, e com vista a informar o processo de decisão política e as orientações neste domínio, o relatório “Harnessing the potential of non-formal education for sustainability” (2024) analisou a situação atual da educação não formal no contexto da aprendizagem para a sustentabilidade. Entre algumas das práticas e fatores identificados que podem catalisar o potencial transformador da educação não formal para a sustentabilidade, destacam-se:

  • As experiências enraizadas no ambiente local, que ajudam, muitas vezes, a contextualizar questões globais e a compreensão científica associada às alterações climáticas e à biodiversidade;
  • Uma visão mais sistémica da sustentabilidade, que reconhece como as questões ambientais transcendem as fronteiras tradicionais das disciplinas;
  • Práticas interativas que apoiam pedagogias participativas como a aprendizagem baseada no local, a aprendizagem baseada na investigação, a escola aberta, a ciência cidadã e conceitos como a competência para a ação, a aprendizagem social e a ecojustiça;
  • E a utilização crescente de tecnologias digitais para melhorar o acesso e os resultados educativos, bem como permitir a visualização de possíveis cenários em relação a preocupações de sustentabilidade.

É ainda importante relevar o potencial da educação não formal para a melhoria da inovação e o reforço da competitividade, ao permitir uma atualização mais rápida, ágil, conectada e adequada dos conhecimentos e práticas ligados à sustentabilidade, fundamental para criar as mentalidades criativas e inovadoras, necessárias para enfrentar o ritmo e a escala das crises climática e ambiental.

No entanto, apesar do papel significativo desempenhado por estas oportunidades, existem ainda poucos dados e evidências que definam claramente os contributos únicos ou o impacte do sector da educação não formal na concretização da transição ecológica.

A educação climática como motor de transformação e mobilização social

O lugar de onde escrevo, localizado num território raiano de baixa densidade populacional, é igual ao resto do mundo.

A evidência científica mostra que o nosso planeta se aproxima de vários pontos de viragem ambientais e climáticos. Mas também que a educação – e neste caso a educação climática e ambiental – pode ser o grande motor de transformação social. Não apenas para entender a crise climática, mas para mobilizar as pessoas a agirem. Para nos mobilizar a agirmos.

A transformação necessária – profunda – exige um esforço colaborativo, integrado e o envolvimento de todos os setores da sociedade. Exige-nos que criemos ambientes de aprendizagem interligados que permitam a colaboração efetiva entre as escolas, os ecossistemas de investigação e inovação, as instituições de educação não-formal e os decisores políticos. Que cultivemos sentimentos de ligação, de pertença e de cuidado. E que valorizemos práticas, apoiadas por dados de investigação e competências ecológicas, que impulsionem a transição do conhecimento para a ação.

Teríamos, assim, a concretização da transformação social, através da educação.

Fevereiro de 2025

O Autor

Doutorada em Neurociências, Maria Vicente é Coordenadora Plataforma de Ciência Aberta – Centro Ciência Viva do Município de Figueira de Castelo Rodrigo, um projeto que procura aproximar a ciência, a tecnologia e a inovação do quotidiano das comunidades locais.

Adicionalmente, é vice-Presidente da Rede Portuguesa de Ciência Cidadã e integra o grupo coordenador da iniciativa “aBEIRAr – parceria de ciência cidadã para a valorização do território”, que atua no território da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.

Anteriormente, foi responsável pelo programa de Educação de Ciências no Centro Champalimaud para o Desconhecido, gestora internacional do projeto Open Science Hub Network, na Universidade de Leiden, Países Baixos, e coordenou a participação portuguesa no projeto europeu EU-Citizen.Science.

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