Comentário

Rita Lourenço Costa

Há 15 anos a melhorar a resistência do castanheiro

O melhoramento genético de castanheiro iniciou-se no INIAV em 2006, com o objetivo de compreender e melhorar a resistência do castanheiro à doença da tinta, uma das principais ameaças dos soutos portugueses, responsável por uma produtividade baixa, cerca de metade do seu potencial.

Nasceu de uma necessidade de criar uma descendência de castanheiros com pais conhecidos, obtidos de cruzamentos controlados entre duas espécies: uma sensível, o nosso castanheiro europeu – Castanea sativa, e outra resistente, o castanheiro japonês – Castanea crenata. Esta descendência é segregante em relação à doença, isto é, possui uma gradação de indivíduos que variam entre resistentes como o pai e sensíveis como a mãe.

A partir de uma descendência com estas características, é possível localizar os genes que conferem a resistência ao castanheiro japonês, através de técnicas de mapeamento genético e transcriptómica. Este conhecimento é fulcral para melhorar a resistência do castanheiro europeu, de uma forma mais dirigida.

Ao longo destes 15 anos, este trabalho que visa melhorar a resistência do castanheiro foi evoluindo e cedo se percebeu que, para além desta investigação fundamental, para o qual foi criado inicialmente, existia uma vertente aplicada, muito importante, com impacto na economia real: a seleção e produção de novas variedades com maior resistência à doença, para utilização como porta-enxertos. O programa possui, assim, uma componente aplicada e uma componente básica ou fundamental.

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Desde 2006 até hoje foram obtidas descendências de diferentes cruzamentos controlados, que foram inoculadas com o agente patogénico que ataca as raízes dos castanheiros e causa a doença da tinta, Phytophthora cinnamomi, um oomiceta, semelhante a um fungo, porque é filamentoso, mas com estrutura de alga a nível celular.

Depois da inoculação das raízes foram selecionadas as plantas que não morriam, o que significa que apresentavam a resistência do pai, o castanheiro japonês, o dador de pólen nos cruzamentos controlados.

As plantas selecionadas mais resistentes foram depois multiplicadas em larga escala por uma técnica que se designa por micropropagação. A micropropagação consiste na produção rápida de milhares de clones de uma planta, a partir de uma única célula vegetal somática ou de um pequeno pedaço de tecido vegetal.

Tudo isto acontece em laboratório: as plantas crescem em frascos com meios de cultura, com todos os nutrientes que necessitam, em ambiente estéril e com hormonas. Tem a vantagem de poder fazer-se durante todo o ano – o que não sucede naturalmente, uma vez que o castanheiro é uma espécie caducifólia, com um período de repouso vegetativo que decorre de novembro a abril – e de possibilitar a produção de plantas livres de doenças, resultado da cultura em ambiente estéril.

Melhorar a resistência do castanheiro: a aplicação prática

Na vertente de investigação aplicada o objetivo do programa é lançar um novo produto no mercado: novos porta-enxertos com resistência melhorada à doença da tinta, variabilidade genética e adaptados às condições atuais de clima, para suprir as necessidades do mercado.

As plantas que se comercializam atualmente são maioritariamente originárias de programas de melhoramento dos anos 50-60 do século passado, pouco adaptadas às condições atuais, porque têm pouca diversidade genética, logo pouca plasticidade, isto é, são sempre os mesmos clones que são propagados.

Do programa em curso foram até agora selecionados diferentes clones e avaliada a sua adaptação a diferentes situações de temperatura e humidade. Para transferir o conhecimento e os novos produtos do laboratório para o campo, foi criada em 2019 uma unidade piloto em Marvão, financiada pelo Programa Alentejo 2020, constituída por uma estufa de 500 m2 e um campo de ensaio de 1 hectare.

Na estufa, equipada com sistema de rega automatizada e sistema de energia solar, são produzidas as novas variedades selecionadas. As plantas vêm do laboratório nos frascos de cultura e na estufa dá-se a transferência para as condições ex-vitro, denominada aclimatização, que corresponde ao processo de adaptação a um meio diferente, com redução gradual da humidade. Para além da aclimatização e enraizamento, decorrem todas as etapas de desenvolvimento até as plantas terem o tamanho adequado para plantação.

No campo avalia-se o desenvolvimento comparativo em função de diferentes dotações de rega e a compatibilidade de enxertia com variedades nacionais de castanha.

O castanheiro é uma espécie florestal e fruteira. Em Portugal o maior interesse na sua cultura é como fruteira, para produção de castanhas, sendo as variedades portuguesas reconhecidas mundialmente pelas suas excelentes qualidades organolépticas.

A investigação fundamental

Nada disto seria possível sem a vertente de investigação básica ou fundamental: identificaram-se genes e mecanismos responsáveis pela resistência da espécie asiática, com o objetivo de desenvolver marcadores moleculares que os localizem nos novos indivíduos, e, dessa forma, agilizar o processo de seleção dos indivíduos mais resistentes, tornando-a mais expedita, sem recurso à inoculação com o agente patogénico, que é um processo muito moroso.

O programa de investigação tem contado com parcerias internacionais nomeadamente: investigadores espanhóis do CIF – Centro de Investigación Florestal de Lourizan que possuem programas de melhoramento genético de castanheiro também para a vertente florestal; e com investigadores americanos da Universidade do Kentucky, State University of New York e Penn State University e ainda com a American Chestnut Foundation, que lidera um programa de melhoramento genético, já com 35 anos, para a resistência do castanheiro americano ao cancro, doença que em 50 anos dizimou esta espécie emblemática e quarta espécie da floresta americana.

Este programa, que nos permite melhorar a resistência do castanheiro, é inovador na Europa porque junta uma componente aplicada com uma componente básica e tira partido das novas tecnologias disponíveis na área da genómica e biotecnologia vegetal. Ganhou a primeira edição do Prémio Floresta e Sustentabilidade na categoria Projetos de I&D em 2016.

O objetivo a médio e longo prazo é produzir um conjunto de novas variedades de castanheiro com resistência à doença da tinta e menor suscetibilidade ao cancro, com uma boa base de diversidade genética e cada vez mais semelhantes à espécie Europeia, para promover uma boa compatibilidade na enxertia, com as variedades de castanha da espécie europeia, Castanea sativa.

Isso faz-se cruzando os indivíduos mais resistentes de cada geração com o castanheiro japonês e selecionando, sucessivamente, sempre os mais resistentes nas gerações seguintes. Dessa forma vai-se aumentando a componente genética do castanheiro europeu e reduzindo a componente genética do castanheiro japonês.

É assim um programa de 15 anos que se prolongará no tempo, com diferentes gerações de castanheiros e de investigadores. Até hoje, cerca de 20 investigadores e técnicos de diferentes instituições nacionais, estiveram dedicados a melhorar a resistência do castanheiro e este programa contribuiu para a realização de duas teses de doutoramento, três teses de mestrado e oito teses de licenciatura.

As primeiras variedades selecionadas estão neste momento no processo de caracterização para registo no Catálogo Nacional de Variedades Fruteiras e o seu lançamento no mercado está previsto para a campanha de 2022/2023. Serão comercializadas a partir da unidade piloto de Marvão com a marca NewCastRootstocks®, novos porta-enxertos de castanheiro, para o mercado nacional e para exportação. A instalação da unidade piloto numa região do interior, teve como objetivo trazer uma nova dinâmica à região, com a criação de novos postos de trabalho, numa região transfronteiriça que facilita também a exportação dos novos produtos.

maio de 2021

O Autor

Rita Lourenço Costa é investigadora com habilitação do INIAV I.P., doutorada em Biotecnologia Vegetal pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e responsável pelo Laboratório de Biotecnologia Vegetal da Unidade de Sistemas Agrários Florestais e Sanidade Vegetal. Coordena o programa de melhoramento genético de castanheiro do INIAV e o programa de investigação em castanheiro: “Compreensão da resistência a Phytophthora cinnamomi em Castanea spp.”. É membro do Centro de Estudos Florestais (CEF) do Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa e do Centro de Competências dos Frutos Secos (CCFS).

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