Comentário

Horácio da Silva Ferreira

O fogo técnico como uma ferramenta de defesa da floresta e das populações rurais

Os incêndios de 2017 obrigaram a uma reflexão sobre o estado da floresta em Portugal e, quando o objetivo é a defesa da floresta, nenhuma solução deve ser esquecida nem nenhum interlocutor ignorado.

Os espaços florestais, de matos, pastagens e improdutivos ocupam perto de 70% do território nacional continental, segundo o 6º Inventário Florestal Nacional, pelo que é importante olharmos para a floresta de um modo inclusivo.

Os incêndios de 2017 obrigaram a uma reflexão sobre o estado da floresta em Portugal, o que gerou uma “onda de revolta” contra uma determinada árvore. Será que o elevado número de ignições e a extensa área ardida se deve a uma espécie em particular? Ou será uma questão cultural, económica e social?

O êxodo rural, o minifúndio, o valor da mão de obra especializada e a sua escassez levaram ao abandono da floresta, o que se traduz no crescimento da biomassa e na necessidade de reforçar a defesa da floresta. A par desta situação, temos as alterações climáticas que se têm vindo a agravar, com a tendência para a ocorrência frequente de fenómenos extremos, tais como precipitação intensa, tempestades e períodos de seca extrema.

Este conjunto de fenómenos contribui para o crescimento e acumulação dos combustíveis florestais e, consequentemente, para a ocorrência de incêndios cada vez mais violentos, com velocidades e intensidades de propagação extrema, o que leva à destruição do património e ao comprometimento da segurança das populações.

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© Horácio da Silva Ferreira

Será possível reverter esta situação?

 

A topografia, a meteorologia e os combustíveis são os principais fatores que afetam o comportamento dos incêndios florestais. É certo que não podemos alterar os primeiros, pelo que, será importante gerir o que arde. Devemos agir em vez de reagir. Temos de ser pró-ativos e alterar o paradigma: é urgente atuarmos na prevenção e no planeamento se queremos mudar o estado da floresta em Portugal.

A solução passará por uma gestão organizada e coordenada envolvendo todos os agentes: governo, municípios, organizações de produtores florestais, empresas do sector florestal, agentes de proteção civil e, principalmente, os proprietários.

Os planos têm de ser exequíveis e precisam de sair do papel; devem ser executados por profissionais que vão ao terreno e falam com as pessoas. Não podemos resolver os problemas da floresta sem falar com os proprietários (mais de 400 mil) e sem conhecer as realidades e as verdadeiras necessidades.

Portugal é um país pequeno, mas com uma enorme diversidade, pelo que não podemos realizar planos de gestão e ordenamento do território iguais para todas as regiões. Cada uma delas e as suas populações têm necessidades diferentes.

É necessário criar condições para que a floresta seja rentável e para isso as ações silvícolas devem ser conjuntas, de forma a dividir despesas e, consequentemente, os dividendos que possam advir.

Fogo técnico pode ajudar à prevenção e defesa da floresta

 

O uso do fogo para eliminação de sobrantes agrícolas e florestais, assim como para renovação de pastagens, é uma prática ancestral pelo que, não deve ser esquecida. Este método, sendo bem planeado e executado, poderá ser uma solução para a gestão de grandes áreas, sendo um processo rápido, com baixos custos, comparativamente a outras técnicas utilizadas, e com efeitos imediatos. Além de reduzir a biomassa, ajuda a enriquecer o solo com nutrientes e, consequentemente, melhora as condições para a fauna e flora existentes.

Nos últimos anos tem havido um grande incremento na credenciação de Operacionais de Queima e Técnicos de Fogo Controlado, por forma a contribuir para uma gestão florestal cuidada, com conhecimentos técnicos e, assim, apoiar o melhoramento dos povoamentos, mas maioritariamente a defesa da floresta contra incêndios.

Outra das ações executadas por estes técnicos é o acompanhamento e o apoio a queimadas, que representam um elevado número de causas de incêndios, bem como, de acidentes com os seus autores. A sua intervenção representa uma diminuição do risco.

Num ano que se antevê ser complexo relativamente a incêndios florestais, seja pela meteorologia, seja pelo aumento da biomassa florestal, é urgente criar áreas “tampão” que permitam utilizar uma estratégia de defesa da floresta e das populações. As áreas tratadas com fogo durante o inverno não serão afetadas pelos incêndios de verão, por falta de combustível, contribuindo, assim, para um melhor planeamento das manobras de supressão.

A floresta portuguesa necessita ser protegida: é uma das nossas maiores riquezas. É urgente olhar para a floresta no sentido de explorar o seu potencial, seja ao nível da produção, proteção ou conservação. É imprescindível envolver as populações para que se sintam parte da solução pois a floresta é de todos nós!

Maio de 2022

O Autor

Horácio da Silva Ferreira é licenciado em Engenharia dos Recursos Florestais pela Escola Superior Agrária de Coimbra, onde frequentou, em 2012, o Curso de Especialização Tecnológica em Defesa da Floresta Contra Incêndios, o que o tornou credenciado em Técnico de Fogo Controlado. Em 2018 obteve a credenciação em Técnico de Fogo de Supressão.

Desde 1992 que faz parte do Corpo de Bombeiros Voluntários de Brasfemes – Coimbra, desempenhando funções de Comandante desde 2019. É formador externo da Escola Nacional de Bombeiros na área de incêndios rurais e colabora com diversas entidades formativas.

É membro efetivo da Ordem dos Engenheiros Técnicos e frequenta o Mestrado em Dinâmicas Sociais, Riscos Naturais e Tecnológicos da Universidade de Coimbra.