Conhecer

Fogo

Maior área ardida em Portugal ocorre em condições meteorológicas extremas

2003, 2005 e 2017 foram os anos dos mais severos incêndios rurais e contribuíram para que a área ardida em Portugal fosse das maiores da Europa nas duas últimas décadas. Para além de refletirem mudanças na utilização do espaço rural, estes registos estão diretamente relacionados com condições meteorológicas extremas.

Os cinco países mediterrânicos cujo clima e a geografia mais se assemelham (Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia) foram os que viram mais território afetado por incêndios nos últimos 20 anos. Espanha foi o país com mais área ardida nos anos 80 e 90, mas desde 2000 que a área ardida em Portugal ultrapassou os registos do país vizinho. Entre 2000 e 2019, Portugal foi o país europeu (EU-27) com mais extensão de território ardido, segundo o European Forest Fire Information System (EFFIS).

Para este lamentável recorde contribuíram em particular os anos de 2003, 2005 e 2017 com vastas extensões de área ardida em Portugal, intercalados por anos de registos muito baixos, como sucedeu em 2007, 2008 e 2014, em que a área ardida nacional ficou muito abaixo de outros países mediterrânicos.

Os anos em que se regista maior área ardida em Portugal têm algo em comum: os incêndios mais devastadores ocorrem em larga maioria em dias de condições meteorológicas extremas. “A área ardida neste tipo de condições corresponde à quase totalidade da área ardida, em particular nos anos em que mais arde”, assinala um estudo do Observatório Técnico Independente (dezembro de 2020), que alerta: “São, na realidade, os dias de condições meteorológicas extremas que nos devem preocupar (…)”. Estes dias caracterizam-se por baixos valores de humidade do ar e de elevadas temperatura e velocidade do vento.

Segundo a análise efetuada, 91% do total da área ardida em Portugal em 2003 corresponde a incêndios em dias de condições meteorológicas extremas. A história repete-se em 2005, ano em que 92% da área ardida aconteceu nestas mesmas condições, e de novo em 2017, em que dos 540 mil hectares ardidos perto de 508 mil (94%) correspondem aos 72 dias de condições extremas. Recorde-se que as “condições extremas” são a classe mais elevada do índice de severidade meteorológica DSR – Daily Severity Rating, medida considerada a mais representativa da dificuldade em combater um incêndio.

Não é, por isso, de estranhar que cerca de 54% da área ardida em Portugal em 2017 tenha ocorrido durante uma onda de calor e de ventos fortes causados pelo furacão Ophelia, já em outubro, numa altura em que o país se encontrava já em situação de seca. Neste que foi o mais dramático incêndio de que há registo em Portugal, o território nacional devastado pelo fogo representou 41% de toda a área ardida na Europa.

Evolução da área ardida na Europa mediterrânica, 2000 – 2019

Fonte: EFFIS – Relatório Anual 2019

Entre 2000 e 2019, foram registados 2,8 milhões de hectares de área ardida em Portugal, 2,2 milhões em Espanha e 1,4 milhões em Itália. Grécia e França têm registos menos dramáticos, com 734 mil e 345 mil hectares ardidos, respetivamente. No entanto, este total não corresponde integralmente a fogos na floresta.

Fogo consumiu 1,4 milhões de hectares de floresta portuguesa em 20 anos

grafico_area_ardida_hectares

Fonte: EFFIS – Relatório Anual 2017 e Pordata

De 2000 a 2019, dos 2,9 milhões de hectares de área ardida em Portugal, povoamentos florestais e matos foram as ocupações do solo mais afetadas: cerca de 1,4 milhões de hectares correspondem a povoamentos florestais (50,3% da área total), e cerca de 1,3 milhões de hectares a matos (45,7%), de acordo com os dados divulgados pela Pordata.

Estes dados variam ligeiramente face aos considerados pelo relatório da Comissão Técnica Independente e pelas Estatísticas do Ambiente do INE – 2019, cujas percentagens indicam que, nestas duas décadas, mais de metade da área ardida em Portugal correspondeu a matos e pastagens, zonas agrícolas e urbanas.

Olhando apenas para as espécies florestais e de acordo com estas últimas fontes, os incêndios afetaram principalmente pinheiro-bravo e eucalipto, o que seria esperado, visto que estas duas espécies constituem perto de metade da área florestal no país.

De referir que não existem dados completos para o ano de 2020. O Relatório Provisório dos Incêndios Rurais 2020 do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que abrange o período entre 1 de janeiro e 15 de outubro, indica 65,8 mil hectares de área ardida (mais do que nos dois anos anteriores), que se dividem entre povoamentos florestais (31,8 mil hectares), matos (27,8 mil hectares) e agricultura (6,2 mil hectares).

Evolução da área ardida total e por tipo de ocupação, 1998- 2019

Fonte: Pordata

Evolução da área ardida e sua distribuição por diferentes ocupações do território e espécies florestais

Fontes: Relatório da Comissão Técnica Independente (dados 2000 a 2017) e Estatísticas do Ambiente INE 2019 (dados 2018 e 2019)

A expansão e abandono do espaço rural, os aumentos da carga combustível, das ignições e da temperatura, assim como a irregularidade da precipitação são vistos como os quatro fatores centrais que estão a aumentar o risco de incêndio em Portugal e no resto da Europa mediterrânica.

Por sua vez, a desflorestação e a degradação das áreas florestais contribuem para as emissões de gases com efeito de estufa, que estão na base das alterações climáticas.

As perturbações nos ecossistemas causadas pelo abandono e pelos incêndios rurais favorecem a instalação de plantas invasoras, com impactes no ambiente, economia e saúde.