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Espécies Florestais

Florestas ribeirinhas: corredores de vida para conhecer e preservar

Especiais pela multiplicidade de funções ecológicas e serviços ambientais que proporcionam, as florestas ribeirinhas são verdadeiros corredores de vida que envolvem os cursos de água doce. Conhecer estas florestas e monitorizá-las é essencial para saber como geri-las e protegê-las, alerta este artigo de Francisca Aguiar.

Indissociáveis dos cursos de água, as florestas ribeirinhas possuem uma identidade única e uma dinâmica muito própria de proximidade com os ecossistemas dos meios aquático e terrestre.

Em Portugal, várias espécies de árvores e arbustos estão associadas à identidade das florestas ribeirinhas. Amieiros (Alnus glutinosa), salgueiros (Salix spp.), ulmeiros (Ulmus spp.), bidoeiros (Betula pubescens), sanguinhos-de-água (Frangula alnus), freixos (Fraxinus angustifolia), loendros (Nerium oleander) e tamujos (Flueggea tinctoria) são alguns exemplos, mas as florestas que envolvem os cursos de água não se esgotam na sua variedade de árvores.

Um grande cortejo de plantas herbáceas ocupa os solos húmidos ou ensombrados das margens dos rios. Entre elas, destacam-se espécies aromáticas, medicinais e condimentares, incluindo a hortelã-de-água (Mentha aquatica), o poejo (Mentha pulegium), a erva-saboeira (Saponaria officinalis), bem como as plantas ditas anfíbias, desde o lírio-amarelo (Iris pseudacorus), ao bunho (Scirpoides lacustris), passando por juncos (Juncus spp.), junças (Cyperus spp.) e tabuas (Typha spp.). Junta-se ainda um grande número de plantas melíferas, como as urzes (Erica spp.) e espécies antecessoras de plantas cultivadas como a videira-silvestre (Vitis vinifera subsp. sylvestris).

Esta riqueza e diversidade florística oferece recursos a várias comunidades biológicas, que podem incluir desde invertebrados a pequenos mamíferos, répteis e aves. Estes animais, por sua vez, auxiliam na dispersão de sementes e propágulos (fragmentos de plantas com capacidade de regeneração), assim como na polinização, promovendo a regeneração natural das florestas ribeirinhas e a sua diversidade genética.

No entanto, uma floresta saudável não é composta apenas por elementos vivos. Também a presença de árvores mortas e de troncos e ramos caídos são indício de uma floresta com capacidade de regeneração, de resiliência e de suporte à biodiversidade. Não se trata apenas da libertação lenta de nutrientes ou do contributo da madeira morta na estabilização e na dinâmica do solo. Há um elevado número de espécies de fungos, líquenes, musgos, invertebrados e bactérias dependentes destes componentes da floresta ou, pelo menos, por eles suportados.

A estrutura das florestas ribeirinhas não é simples nem homogénea. Apresenta uma grande variabilidade ao longo de quatro dimensões do rio, que se interconectam – vertical, lateral, longitudinal e temporal. Esta variabilidade é função da morfologia do vale, de processos físicos influenciados pelo clima, geologia e hidrologia, assim como dos legados históricos humanos e de adaptação da vegetação à dinâmica natural destes sistemas fluviais.

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Fotos © Francisca Aguiar – Odonata sp. e loendro (Nerium oleander)

Florestas ribeirinhas: galerias ecológicas ou oásis lineares

Há evidências de que, há milhares de anos, as florestas ribeirinhas da Europa Mediterrânica possuíam uma grande extensão lateral sobretudo nas zonas de planície aluvionar – zonas planas e sujeitas a inundações durante as cheias sazonais. Atualmente, ocupam faixas relativamente estreitas ao longo da rede de sistemas fluviais e, por esse motivo, são frequentemente designadas por galerias ribeirinhas.

Embora a sua largura se tenha reduzido, é incontestável a sua enorme importância ecológica e o contributo no suporte de biodiversidade e em bens e serviços ambientais que são centrais para o bem-estar humano e a sociedade. Assim, nos nossos rios, estas florestas destacam-se da paisagem envolvente como corredores verdes de refúgio, alimentação e migração para a fauna, enquanto as plantas herbáceas ribeirinhas beneficiam da amenidade climática e dos solos húmidos e ricos em matéria orgânica. São assim, verdadeiros “oásis lineares”.

Reconhecem-se vários tipos de florestas ribeirinhas no nosso país, acompanhando a grande diversidade geográfica, a “terra de contrastes” tão bem descrita por Orlando Ribeiro no seu livro “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”.

Por exemplo, em cursos de água de carácter torrencial, isto é, com grandes caudais no inverno e longos períodos de secura estival, encontramos formações arbustivas de loendros, tamargueiras (Tamarix africana) ou tamujos (Flueggea tinctoria). Esta última espécie, um endemismo ibérico, tem preferência por terrenos siliciosos e pedregosos, e surge por exemplo em afluentes do Rio Erges, no Pônsul e no Rio Guadiana (zona do Pulo do Lobo). Por sua vez, os loendrais, formações arbustivas dominadas por loendros, têm uma distribuição localizada em cursos de água temporários, no sudeste do país e no Algarve. Num outro extremo climático, os bidoeiros têm uma distribuição em zonas montanhosas frias, em áreas com precipitação elevada, muitas vezes sobre a forma de neve, como é o caso de cursos de água na zona do Soajo, no Gerês.

Em rios permanentes, ou temporários, mas com um regime torrencial menos marcado, estabelecem-se florestas ribeirinhas dominadas por freixos, amieiros ou ulmeiros e acompanhados frequentemente por salgueiros arbóreos ou arbustivos. As florestas dominadas por amieiros encontram-se em zonas de solos profundos e ocorrem por exemplo na ribeira do Alvito e Rio Ocreza, da bacia do Tejo. São também frequentes no país os salgueirais de borrazeira-branca (Salix salviifolia), espécie adaptada a condições mediterrânicas e que suporta variações acentuadas de caudais.

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Fotos © Francisca Aguiar

Estas formações vegetais atravessam áreas agrícolas, zonas florestadas e de matos e estão presentes de zonas montanhosas até às planícies aluvionais e também nas margens de rios urbanos. Deste modo, aos fatores ambientais que influenciam os ecossistemas ribeirinhos, junta-se a perturbação causada pelo uso humano dos recursos hídricos e das áreas ribeirinhas.

 

Apesar da sua relevância ecológica, económica e social, as florestas ribeirinhas têm uma reduzida visibilidade na sociedade, o que as coloca também entre as mais desconhecidas, negligenciadas e perturbadas. As perdas de vegetação ribeirinha são dramáticas em muitas regiões de países desenvolvidos. Na Europa, estima-se que cerca de 80% dos habitat ribeirinhos desapareceram durante os últimos 200 anos.

Em Portugal, as florestas ribeirinhas, refletem as marcas de intervenções milenares nos rios e zonas ribeirinhas para controlo da dinâmica espacial e temporal dos recursos hídricos e de riscos naturais como cheias e secas, para além do uso agrícola e florestal dos habitat ribeirinhos.

Acompanhando estes constrangimentos, muitas das florestas ribeirinhas encontram-se empobrecidas na sua composição florística, invadidas por espécies exóticas, afetadas pelo fogo, fragmentadas e com deficiente ligação ao ecossistema aquático. São também afetadas pelas recentes alterações no regime hídrico, provocadas por barragens, linearizações, aprofundamentos e outras alterações na morfologia do leito dos rios, bem como por arroteamentos e drenagens. As florestas ribeirinhas, estando dependentes do regime hidrológico, são particularmente vulneráveis às alterações climáticas, que se traduzem em dificuldades na regeneração e sucessão das várias unidades de vegetação que a constituem.

Assim, urge conhecer (e dar a conhecer!) estas florestas para as preservar e gerir de forma a conservar as suas numerosas funções e serviços.

Florestas ribeirinhas e serviços dos ecossistemas

Há uma certa sobreposição entre as funções ecológicas das florestas ribeirinhas (ex. estabilização das margens, participação na cadeia alimentar) e os serviços do ecossistema que proporcionam (por exemplo, proteção contra as cheias, habitat para agentes de controlo de pragas agrícolas).

Os serviços referem-se ao bem-estar humano e não incluem por exemplo a biodiversidade intrínseca, que é considerada nas versões mais recentes da CICES (Common International Classification of Ecosystem Services) como um serviço intermediário ou de suporte. Ainda de referir que os benefícios são distintos dos serviços. Por exemplo considera-se o serviço de polinização das florestas ribeirinhas, com o benefício de aumento ou melhoria das produções agrícolas.

As florestas ribeirinhas proporcionam serviços nas três categorias consideradas na CICES:

  • Aprovisionamento (madeira, frutos, genes, etc.);
  • Regulação e Manutenção (amenidade climática e sequestro de carbono, por exemplo);
  • Culturais (como o ecoturismo).

O estudo recente “Global Overview of Ecosystem Services Provided by Riparian Vegetation” apresenta uma visão global sobre a relevância destes serviços para a sociedade. Proporcionar habitat (para agentes de controlo de pragas, por exemplo), filtrar nutrientes e poluentes, sequestrar carbono, controlar a erosão e proteger contra cheias e deslizamentos, bem como providenciar recursos genéticos (sementes, esporos, genes) estão entre os mais importantes. Outros serviços, apesar de relevantes, foram considerados muito variáveis, em função da composição e estrutura da vegetação, como é o caso da importância destas florestas na proteção contra o fogo.

Por sua vez, os serviços culturais carecem ainda de estudos de valorização, pela dificuldade metodológica na avaliação. São considerados “benefícios imateriais que as pessoas obtêm dos ecossistemas através de enriquecimento espiritual, de desenvolvimento cognitivo, reflexão, recreação e experiências estéticas” (Millenium Ecosystem Assessment, 2005). Estes serviços incluem usos recreativos tangíveis (como passear nas florestas e observação de aves), produções artísticas (pinturas, livros, filmes) e científicas ou benefícios menos tangíveis como a contemplação, a estética da paisagem, o sentido de pertença e valores educacionais, patrimoniais e simbólicos.

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Fotos © Francisca Aguiar

O caminho a percorrer para preservar as florestas ribeirinhas

Para a conservação das florestas ribeirinhas e valorização dos múltiplos serviços que proporcionam à sociedade é necessário monitorizar a integridade destas formações, de modo a priorizar ações de restauro e fundamentar decisões de gestão sustentável nas zonas ribeirinhas.

Nas últimas três décadas, assistiu-se a um aumento dos estudos técnicos e científicos sobre vegetação ribeirinha. Muitos destes trabalhos foram impulsionados pela transposição e implementação de legislação comunitária, sobretudo a Diretiva Habitats e a Diretiva Quadro da Água, ou desenvolvidos no âmbito de formação avançada (mestrados, doutoramentos).

Adicionalmente, os estudos de impacte ambiental, como a implementação de caudais ecológicos em rios regularizados por aproveitamentos hidroelétricos e as monitorizações operacionais, de vigilância e de investigação incluem estudos de vegetação ribeirinha. Tem havido também investimento nacional e internacional para investigação e disseminação de conhecimentos nesta área (Projeto RIVEAL e Ação COST CONVERGES por exemplo).

No entanto, continua a não existir um protocolo específico de avaliação oficial do estado ecológico das florestas ribeirinhas em Portugal e na União Europeia, não obstante o reconhecimento do seu papel como elemento estruturante dos cursos de água (referido na gíria técnica como “elemento hidromorfológico”).

A crescente utilização de Sistemas de Informação Geográfica, a captação por deteção remota de imagens de muito elevada resolução espacial e os avanços na área da modelação e geoestatística têm contribuído para um maior conhecimento das florestas ribeirinhas. A partilha de informação-base (Flora-On, por exemplo), o acesso a bancos de dados (GBIF, entre muitos outros) e a maior transferência de conhecimento (em publicações, palestras, etc.) são fatores que, juntamente com trabalho de campo dirigido a zonas específicas, têm permitido um melhor planeamento e sucesso do restauro de zonas ribeirinhas degradadas.

Há, no entanto, muito caminho a percorrer, quer do ponto de vista da investigação e inovação (por exemplo, na mitigação das alterações climáticas), quer nas políticas públicas (por exemplo, no desenvolvimento de instrumentos de legislação complementar) e na sociedade (a participação ativa dos cidadãos, por exemplo). É assim necessário fomentar um alinhamento estratégico entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e os desafios ambientais para a valorização das florestas ribeirinhas, dos serviços dos ecossistemas e para a sua integração em sistemas de apoio à decisão.

Francisca Aguiar

Professora Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, Francisca Aguiar é licenciada em Engenharia Agronómica pela mesma instituição, onde fez o doutoramento em Engenharia Florestal sobre vegetação ribeirinha e efeitos das alterações humanas nestes ecossistemas. É investigadora do Centro de Estudos Florestais (https://www.isa.ulisboa.pt/cef/grupos-de-investigacao/forprotect), onde tem desenvolvido atividades de I&D na área da ecologia, gestão e conservação de plantas aquáticas e ribeirinhas, incluindo estudos por plantas exóticas invasoras e efeitos das alterações climáticas. Coordena atualmente o projeto RIVEAL – Valores e serviços dos ecossistemas fluviais e das florestas ripárias em paisagens fluviais alteradas e futuros climáticos incertos (www.riveal.pt).

e-mail: fraguiar@isa.ulisboa.pt