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Turismo e Lazer

Um passeio pelos exuberantes jardins das ilhas dos Açores e Madeira

O que têm em comum os arquipélagos dos Açores e da Madeira? O clima quente e húmido, a flora, fauna e geologia únicas e a presença constante do Oceano Atlântico. Conhecer os jardins das ilhas é um convite para descobrir as relíquias da floresta Laurissilva e a exuberância de espécies locais e vindas de todo o mundo.

Se os jardins botânicos têm uma grande relevância na preservação de espécies, na identificação, análise e catalogação de árvores, arbustos e plantas, a verdade é que os jardins das ilhas dos Açores e Madeira oferecerem também uma experiência imersiva na exuberante flora local e no exotismo da que foi trazida de longe.

Em 1836, Charles Darwin, então um jovem de 22 anos formado em teologia pela Universidade de Cambridge, passou pelos Açores, mais propriamente pelas ilhas Terceira e de São Miguel. Em viagem pelo mundo há meses, acabou por escrever, em 1845, que a sua passagem, embora prazerosa, não tinha sido interessante. Na verdade, não poderia estar mais errado.

No seu regresso a Inglaterra levou a cabo uma experiência com 87 sementes de diferentes espécies, recolhidas nos Açores e imersas em água do mar por um mês. Verificou que 64 delas germinaram. Desta experiência, Darwin concluiu que poderiam ter sido levadas por correntes oceânicas até aquele arquipélago. Concebeu, então, uma teoria revolucionária: novas ilhas poderiam ser colonizadas por plantas e animais vindos de outros locais e estas espécies vindas de longe poderiam evoluir, dando lugar a novas espécies, através da seleção natural.

É, assim, inevitável que Darwin tenha mencionado o arquipélago dos Açores – mas também, e sobretudo, o da Madeira –, no seu livro A Origem das Espécies, publicado em 1859, referindo as suas especificidades e importância no estudo da evolução das espécies.

Confirmando esta descoberta, Charles Gunn e John Dennis publicam o guia World Guide to Tropical Drift Seeds and Fruits, em 1976, em que identificam a origem de várias sementes e propágulos (resultantes de multiplicação assexuada de partes de plantas originando plantas iguais à planta-mãe): por exemplo, a Entada gigas, uma liana lenhosa cuja semente é a disseminação mais comum nas praias açorianas, é originária das Caraíbas e foi trazida pelas correntes do Golfo (México); a Dioclea reflexa “descende” de uma videira vinda da Ásia; e a Merremia discoidosperma terá vindo das florestas da América Central.

Quanto ao arquipélago da Madeira, e embora Darwin não tenha por lá passado nessa primeira viagem pelo mundo, estas ilhas têm bastante peso na sua reconhecida obra. Como escreve n’A Origem das Espécies, sobre a seleção natural: “Numa pequena ilha, a corrida pela vida terá sido menos severa e terá havido menos alteração e menos extermínio. Acontece que a flora da Madeira, segundo Oswald Heer [geólogo e botânico suíço, autor de um importante estudo sobre a flora madeirense], se assemelha à extinta flora Terciária da Europa.”

Darwin comparou dados recolhidos nas ilhas Galápagos através de cartas trocadas com vários naturalistas – como Thomas Wollaston, entomólogo (estudo dos insetos) e malacologista (estudo dos moluscos) –, formando a sua teoria da evolução segundo a qual as espécies que prevalecem são as que se adaptam às condições naturais oferecidas por cada ilha.

Ambos os arquipélagos são, por todas estas razões, considerados “laboratórios da evolução” e importantes locais de conservação para espécies de flora. Conhecê-las nos jardins das ilhas Madeira e Açores é um convite para viajar no tempo.

À descoberta de dois jardins das ilhas açorianas

São muitos os jardins das ilhas dos Açores que se dedicam à conservação de espécies: além dos que destacaremos em seguida – o Jardim Botânico do Faial e o Parque Terra Nostra –, pode ainda maravilhar-se com o Jardim Botânico António Borges, um dos principais jardins históricos da ilha de São Miguel (de entrada livre), com o Jardim Botânico José do Canto, também em Ponta Delgada e que alberga várias árvores monumentais, como as centenárias árvores-da-borracha-australianas (Ficus macrophylla), ou com a Mata do Dr. Fraga (Furnas, ilha de São Miguel), espaço requalificado e de grande riqueza botânica, remontando ao século XIX.

Jardim Botânico do Faial, Horta, ilha do Faial

A cerca de 2,5 quilómetros da cidade da Horta, na ilha do Faial, encontra o Jardim Botânico do Faial, um dos dois jardins das ilhas açorianas que destacamos neste roteiro. Foi fundado em 1986 para reunir e manter uma coleção de plantas da macaronésia.

© Jardim Botânico do Faial

O Jardim Botânico do Faial é o centro ambiental mais antigo dos Açores. Começou por ocupar uma área de quase seis mil metros quadrados, chegando agora aos 15 mil. O espaço incorpora hoje um auditório, uma sala de exposições, uma biblioteca e um herbário e exibe cerca de 50 espécies endémicas dos Açores.

O arboreto é a zona mais antiga do jardim e nela podemos ver o pau-branco (Picconia azorica), uma das 75 espécies endémicas dos Açores. À medida que o passeio continua, os habitats alteram-se e o visitante é premiado com espécies que se encontram naturalmente nas ilhas a diferentes altitudes – cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), loureiro-dos-Açores (Laurus azorica), uva-da-serra (Vaccinium cylindraceum), azevinho (Ilex aquifolium), não-me-esqueças (Myosotis maritima), lotus azoricus – este uma espécie rara –, ou trovisco-macho (Euphorbia characias subsp. characias), planta com milhões de anos, extinta no mundo exceto nos Açores. Esteja também atento à erva-do-capitão (Sanicula azorica Guthn. ex Seub), rara e igualmente endémica dos Açores, eleita como símbolo deste jardim botânico.

A par da conservação das espécies, o Jardim Botânico do Faial empenha-se em recuperar habitats naturais açorianos. Assim aconteceu em 1995, aquando da reabilitação de uma zona de 60 mil metros quadrados, a 400 metros de altitude. Trouxe-se de volta àquele habitat as espécies caraterísticas da Laurissilva húmida e super-húmida.

Em 2003, foi criado o Banco de Sementes dos Açores, recolhendo-se uma coleção de sementes viáveis de espécies de todas as ilhas açorianas, passíveis de ser conservadas ex situ, neste caso num banco de sementes. Este importante passo foi ao encontro do estabelecido no diploma da Estratégia Global para a Conservação das Plantas 2011-2020, definido em 2010 na X Conferência das Partes para a Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada em Nagoia, Japão. Este projeto foi distinguido pelo Botanic Gardens Conservation International como caso de estudo bem-sucedido na conservação de sementes raras num desafio lançado pela organização, o Global Seed Conservation Challenge, em 2015.

© Jardim Botânico do Faial

Em 2011, após nova ampliação, foi incluída a recriação de sete habitats característicos dos Açores, que valeu ao jardim uma menção honrosa na categoria de “Requalificação de Projeto Público”, atribuída pelo Turismo de Portugal. São eles: habitats de calhau rolado, charnecas macaronésicas, habitats de dunas e areias, feteira, zona de média altitude, zona húmida e de turfeira e zona com vegetação de altitude.

A nova ampliação, em 2019, permitiu uma especialização em habitats de zonas húmidas, a criação de uma zona de culturas tradicionais dos Açores e a instalação de uma estufa, que serve de orquidário. O Orquidário dos Açores, com uma das maiores coleções da Europa, exibe mais de cinco mil orquídeas, de 320 espécies ou híbridos, e de 51 géneros, inclusive a orquídea europeia mais rara e endémica dos Açores, a Platanthera azorica. Uma outra, a Angraecum sesquipedale, merece também destaque por ter intrigado Charles Darwin e, por isso, ter sido uma das espécies que o inspiraram na formação da teoria da evolução.

Horário de verão, de 1 de maio a 30 de setembro: aberto todos os dias, das 09h00-18h00.
Horário de inverno, de 1 de outubro a 30 de abril: das 09h00-17h00, exceto domingos e segundas, 1 de janeiro e 25 de dezembro.

Parque Terra Nostra, ilha de São Miguel, Açores

Próxima paragem: Vale das Furnas, na ilha de São Miguel – na verdade, uma cratera vulcânica. Aqui, o bicentenário Parque Terra Nostra preserva a flora endémica dos Açores e também várias espécies nativas de outros países.

Podemos dizer que a história do Parque Terra Nostra começa com a formação de uma cratera de vulcão com sete quilómetros de diâmetro, adormecido desde 1630. É este o habitat do Parque Terra Nostra, uma hidrópole (zona rica em nascentes de águas minerais e termais) de 12,5 hectares irrigada por centenas de nascentes e cursos de variados tipos de águas: frias, quentes, tépidas, sulfúreas, mineralizadas, gasocarbónicas.

O seu primeiro visionário foi Thomas Hickling, comerciante de Boston e Cônsul Honorário dos Estados Unidos na ilha de São Miguel, que, em 1775, ali construiu o Yankee Hall, uma casa de madeira com um tanque de água (os primórdios do tanque termal) envolto por árvores – uma delas, um carvalho inglês (Quercus robur), pode ainda ser admirado.

A ampliação do jardim culmina no ano de 1935, com o então Hotel Terra Nostra a impulsionar a compra de toda a propriedade pelo açoriano Vasco Bensaude, aficionado por botânica. Foi a seu convite que o jardineiro escocês John McInroy voou até ao Parque Terra Nostra e supervisionou a sua restauração.

Uma nova renovação, terminada em 1992/93, adiciona ao parque três mil exemplares de espécies arbóreas e arbustos. Fetos arbóreos, magnólias e cameleiras, azáleas e hidrângeas, clívias e jarros: a grande variedade de plantas permite ao parque manter a sua beleza em qualquer estação do ano.

Continuamente a enriquecer o seu espólio, o Parque Terra Nostra conta hoje com importantes coleções, das quais se destacam:

Coleção de Cycadales

Com 85 exemplares de diferentes espécies e subespécies, é uma das maiores coleções da Europa de cicadófitas. Estes fósseis vivos, que outrora dominavam a flora do planeta, estão hoje reduzidos a 11 géneros. Cycas, Stangeria, Dioon, Encephalartos, Lepidozamia, Macrozamia, Ceratozamia e Zamia são os oito com presença no parque. Especificamente para esta coleção, iniciada em 2000, foi concebido um habitat específico, um pequeno vale com um ambiente pré-histórico e um microclima perfeito para estas espécies. Aqui se encontram dois exemplares do pinheiro-wollemi (Wollemia nobilis), originário do Parque Nacional de Wollemi, em Sidney, Austrália.

Coleção de Camélias

A coleção tem hoje mais de 800 cameleiras e é uma das maiores do mundo, com as espécies reticulata, japonica e híbridas. As cameleiras mais antigas têm entre 90 e 110 anos, provavelmente aqui introduzidas em 1872. Das mais raras, destaque para a camélia amarela (Camellia nitidissima – em perigo), a Azalea e a Amplexicaulis, esta última extinta na natureza, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Jardim da Flora Endémica e Nativa dos Açores

No Jardim da Flora Endémica e Nativa dos Açores estão reunidos, desde 1994, exemplares das principais plantas endémicas da ilha de São Miguel: 42 espécies e subespécies de 28 famílias botânicas, muitas protegidas pela Convenção de Berna e pela Diretiva Habitats. Em 300 metros quadrados, e inspirado nas ilhas do arquipélago, o jardim recria os habitats das várias espécies, das quais destacamos a Euphorbia stygiana subsp. Stygiana e o vulnerável Juniperus brevifolia.

Desde 2010 que, ao lado do Jardim da Flora Endémica, se encontra uma nova coleção das Bromeliáceas, ainda em fase de experimentação, com cem plantas em adaptação às condições edafoclimáticas do vale. Podem ser encontradas sobre as raízes de algumas árvores til (Ocotea foentes).

Das plantas aquáticas, destaque para a Victoria cruziana, da família Nymphaeaceae, originária do Norte da Argentina, Paraguai, Brasil e Bolívia. Trata-se de um nenúfar gigante cujas folhas podem atingir mais de um metro de diâmetro. As flores de vários tons e formas têm um curto ciclo de vida: abrem ao anoitecer e apenas por 48 horas. O Parque Terra Nostra é um dos poucos jardins de Portugal a apresentar a planta ao ar livre.

Horário: aberto todos os dias, das 10h00-18h00.

Funchal: uma ilha jardim com dois jardins em destaque

No Funchal, pode dizer-se que a cada esquina há um jardim, sendo merecida a designação de “ilha jardim”. Ao todo, são 14 os jardins, jardins botânicos e quintas com espaços dedicados à coleção e preservação de plantas, segundo indica o ICNF – Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. Entre os muitos jardins das ilhas do arquipélago da Madeira destacamos dois: o Jardim Botânico da Madeira e o Jardim Tropical Monte Palace. Saiba mais sobre ambos.

Jardim Botânico da Madeira, ilha do Funchal, Madeira

Madeira: o clima da ilha torna-a ideal para o cultivo de diferentes espécies de plantas. O Jardim Botânico da Madeira acolhe três mil espécies vegetais, algumas delas raras.

A semente do que viria a ser hoje o Jardim Botânico da Madeira – Eng.º Rui Vieira, situado na cidade do Funchal, surgiu em 1798, fruto do desejo – e de estudos de investigação – do médico madeirense João Francisco de Oliveira em estabelecer na ilha um viveiro de plantas. Começou a materializar-se em 1799, com a criação do primeiro viveiro, entretanto extinto.

Desde cedo, portanto, foi percebida a potencialidade do clima madeirense para o cultivo de diferentes espécies vegetais. O naturalista J. R. Theodor Vogel foi uma das vozes defensoras da criação de um jardim botânico, em maio de 1841, mas também o botânico austríaco Frederico Welwitsch e o naturalista Barão de Castello de Paiva corroboravam esta ideia. Apesar da apologia de gerações de investigadores e técnicos da botânica nacionais e internacionais, só a 30 de abril 1960 se inaugurou o Jardim Botânico da Madeira.

Com cerca de 80 hectares e entre os 200 e os 350 metros de altitude, o jardim reúne três mil espécies de todo o mundo e conta com mais de 60 anos de investigação, conservação de espécies e recuperação de habitats naturais. Em concordância com este esforço, o Banco de Sementes do Jardim Botânico da Madeira, criado em 1994, foca-se na conservação das plantas indígenas da Madeira (incluindo ilhas Desertas, Selvagens e Porto Santo), plantas endémicas e raras ou ameaçadas de extinção.

Das coleções principais destacam-se as espécies endémicas da Madeira, o arboreto, as plantas suculentas, os jardins coreografados e a topiária, as plantas agroindustriais, as plantas aromáticas e medicinais e as palmeiras e cicadáceas, assim como as áreas ajardinadas.

O arboreto, situado na parte norte do jardim botânico, é constituído por uma coleção de árvores e arbustos originários de vários cantos do mundo. Além de diversas espécies de herbáceas, uma pequena lagoa e uma gruta – a “gruta dos namorados”, de onde se observa a cidade do Funchal –, compõem a área. Aqui observam-se várias espécies exóticas, como as dombeias (Dombeya nyasica e Dombeya wallichii), várias espécies de magnólia, araucárias (Araucaria bidwilii e Araucaria heterophylla), cedros (Cedrus macrocarpa), sequoias (Sequoia semprevirens, Metasequoia sp.), Eucalyptus ficifolia, Pinheiro de Dâmara (Agathis brownii) e Ginkgo (Ginko biloba). Uma das duas áreas dedicadas à flora da Madeira está localizada nesta zona do jardim.

Nesta zona encontra também uma exposição de topiária, poda ornamental em que se esculpem arbustos, e também jardins coreografados, em que as cores das plantas são utilizadas para criar mosaicos coloridos com diferentes geometrias.

Já na zona centro-este do Jardim Botânico da Madeira encontra a coleção de suculentas – espécies típicas de climas secos, que acumulam reservas de água em vários tecidos, nomeadamente nas folhas. Estão aqui reunidas cerca de 200 espécies de várias famílias, como a Agavaceae, Asclepidaceae, Aizoaceae, Cactaceae, Crassulaceae ou Euforbiaceae. É possível observarem-se as diferentes estratégias evolutivas e adaptativas das espécies aqui apresentadas. Encontram-se também nesta área as coleções de plantas agroindustriais (150 espécies) e de plantas aromáticas e medicinais (80 espécies).

A sul do jardim, a simular os vários níveis de vegetação da ilha da Madeira, espécies organizadas da zona litoral às montanhas. Aqui se encontra uma coleção de 44 espécies de palmeiras, inclusive palmeiras do governador (Chambeyronia macrocarpa) e palmeiras de prata (Bismarckia nobilis), e cicas dos géneros Dioon, Encephalartos, Zamia e Macrozamia. Destacam-se ainda duas espécies raras: a Berberis maderensis e o mocano (Pittosporum coriaceum), endémicas da Madeira e ambas Criticamente em Perigo pelo Livro Vermelho do IUCN.

Nesta secção do jardim, num habitat composto por rochas basálticas, encontra-se a espécie endémica Aichryson dumosum, extremamente rara na natureza e que é encontrada somente numa localidade da ilha da Madeira.

Incluído nas instalações do Jardim Botânico, está o Museu de História Natural. Com a missão de preservar os recursos naturais da Madeira e Selvagens, tem em exposição minerais e rochas, corais, fósseis (encontrados em rochas sedimentares de São Vicente, Porto Santo, Porto da Cruz e Caniçal), plantas, líquenes e fungos, e ainda animais taxidermizados, como a foca monge, peixes e aves indígenas.

Horário: aberto todos os dias das 09h00-18h00, exceto 25 de dezembro.

Jardim Tropical Monte Palace, Funchal, ilha da Madeira

Na Quinta Monte Palace, onde se encontra um fascinante hotel desativado, nasceu um dos mais “ricos” jardins das ilhas. Para desfrutar da vista e das muitas espécies que alberga, suba a bordo do teleférico do Funchal.

Quando começou o Funchal a ser apelidado de “cidade jardim” não se sabe, mas se restarem dúvidas sobre o motivo do epíteto, basta subir a bordo do teleférico do Funchal e fazer a panorâmica viagem de cerca de 20 minutos. Enquanto sobe os 3200 metros, se optar por partir da zona histórica da cidade até ao Monte (que aconselhamos), a paisagem citadina dá lugar a montes, vales e um horizonte de mar. O Jardim Tropical Monte Palace, com 70 mil metros quadrados, fica no topo, a 600 metros de altitude, um dos redutos florísticos, faunísticos e culturais da ilha.

A história do local é aliciante: no século XVIII começou por chamar-se Quinta do Prazer, propriedade do cônsul inglês Charles Murray. Mudou de mãos em 1897 e o novo proprietário, Alfredo Guilherme Rodrigues, um importante comerciante funchalense, construiu o “palácio”, que, em 1904, deu lugar ao emblemático Monte Palace Hotel. Era, na sua época áurea, destino da elite portuguesa e internacional, que admirava a sua envolvência natural única.

Em 1943, aquando do falecimento de Alfredo Guilherme Rodrigues, o hotel fechou e, em 1987, foi adquirido por José Berardo, que o transformou em jardim e o enriqueceu com plantas exóticas, endémicas de todo o mundo, além de plantas indígenas da floresta Laurissilva madeirense – fetos, cedros, loureiros entre outras espécies.

Esteticamente, o jardim é uma fusão de estilos arquitetónicos, tanto portugueses como asiáticos – nomeadamente nos dois jardins orientais –, fruto de uma viagem de José Berardo à China e ao Japão e do seu enamoramento pelo Oriente. Ornamentos de cantaria, uma janela e um nicho manuelino de grande valor patrimonial, anjos esculpidos em granito representando quatro dos cinco sentidos e arcos de pedra convivem lado a lado com elementos simbólicos chineses, como pagodes, cães de Fó e dragões em mármore, budas, lanternas e esculturas, que contribuem para um ambiente exótico e multicultural.

A lagoa central, que antes deleitava os visitantes com os seus passeios de barco, com canhões e jatos de água, ainda lá está, hoje com patos e cisnes pretos originários da Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia, cisnes bravos da Islândia e Escandinávia e carpas koi japonesas. A esta lagoa foram adicionadas outras duas, de 300 mil litros que, sem o uso de químicos, são habitat de várias espécies de peixes. Por todo o jardim, passeiam livremente galináceos (de “galinhas palheiras” a galos de combate indonésios) e pavões – estes vindos do Museu do Jardim Tropical de Belém em 1995 –, considerados mensageiros de paz e prosperidade, na China.

A grande coleção de azulejaria, apenas comparada com a apresentada pelo Museu Nacional do Azulejo, está exposta por todo o jardim, com azulejos hispano-mouriscos dos séculos XV a XX. Sob o mote “A Aventura dos Portugueses no Japão”, a coleção é composta por 166 azulejos vidrados de terracota e por 40 painéis inspirados na História de Portugal.

Outro espaço incluído no jardim é o Museu Monte Palace Madeira, composto por três galerias. Em duas delas, está patente a exposição “Paixão Africana”, com uma coleção de mil esculturas contemporâneas do Zimbabué; na terceira galeria encontra-se uma coleção de 700 minerais, “Segredos da Mãe Natureza”, oriundos de Portugal, Brasil, Peru, Argentina, África do Sul e América do Norte.

Quanto a flora, no jardim encontram-se mais de cem mil espécies de plantas: cicas e próteas da África do Sul, azáleas da Bélgica ou urzes da Escócia.

Flora nativa

A Laurissilva encontrada na ilha da Madeira é hoje uma relíquia, mas ocupava toda a ilha antes da última glaciação (glaciação de Würm, de 35 mil a 20 mil anos a.C.). O clima quente e húmido favorecia a existência de espécies variadas como o loureiro (Laurus novocanariensis), o til (Ocotea foetens), o barbuzano (Apollonias barbujana), o folhado (Clethra arborea) ou a faia (Myrica faya).

Para que o Jardim Tropical Monte Palace recebesse as várias espécies de Laurissilva que ocorrem em três níveis de altitude distintos, foram criadas três áreas distintas. Destas espécies destacam-se o dragoeiro (Dracaena draco), a Euphorbia piscatória (espécie arbustiva), os já referidos loureiro e til, o vinhático (Persea indica), o orgulho-da-madeira (Echium candicans) e a cabreira (Phyllis nobla).

Cicas

Mais de 700 cicas povoam os dois jardins orientais na que é considerada uma das maiores coleções de cicas do mundo, com origem em África e também na Ásia – caso da Cyca revoluta. A coleção conta com 60 espécies, plantadas em 1988. Estes fósseis vivos, da era Mesozóica, conviveram com os dinossauros, há duzentos milhões de anos. De folhas persistentes e dióicas (cada planta tem apenas flores masculinas ou femininas), assemelham-se a palmeiras, de onde surge o seu nome: do termo grego koíkas, ou palmeira-do-egipto.

Depois de visitar o museu e explorar cada recanto deste jardim tropical, reserve tempo para admirar a vista sobre a baía e a cidade do Funchal banhada pelo Oceano Atlântico até onde o olhar alcança.

Horário do jardim: aberto todos os dias, das 09h00-18h00.
Horário do museu: aberto todos os dias, das 10h00-16h30.