Valor da Floresta
A anatomia da madeira desvenda a estrutura interna deste material lenhoso (também chamado lenho ou xilema secundário), que é o principal constituinte dos troncos e ramos de árvores e arbustos. Esta disciplina estuda as células que compõem a madeira, a forma como se organizam e relacionam, as suas funções e características.
O estudo da anatomia da madeira permite destacar, desde logo, as diferenças entre as madeiras das duas grandes classes em que a taxonomia divide as plantas: as gimnospérmicas, em que as sementes não se encontram encerradas num fruto, e as angiospérmicas, em que as sementes estão protegidas no interior do fruto. Dá, assim, a conhecer que a madeira das coníferas (pertencentes às gimnospérmicas) tem uma estrutura mais simples e homogénea, enquanto a das folhosas (que integram as angiospérmicas) tem uma estrutura mais complexa e heterogénea.
A estrutura básica do xilema secundário possui dois sistemas de elementos, que diferem na orientação dos seus eixos longitudinais: um é vertical e o outro horizontal: o sistema vertical compreende os vasos, as fibras, os traqueídos, os fibrotraqueídos e a parênquima; o sistema horizontal é composto pelos raios. A principal diferença na estrutura anatómica de coníferas e folhosas está na ausência de vasos no lenho das coníferas e na sua presença nas folhosas. Outra diferença relaciona-se com quantidade de parênquima, sobretudo parênquima axial, que é mais reduzida nas coníferas. Da mesma forma, os raios aparecem em maior quantidade nas folhosas do que nas coníferas.
Fonte: Baseado em ilustração da quarta edição de “Plant Anatomy“, A. Fahn, Pergamon Press, 1990
A cada tipo de células podem associar-se as suas principais funções. Por exemplo:
Refira-se que o lenho, ou xilema, é o principal tecido condutor de água das plantas vasculares e está associado a um outro tecido, com função de condução dos alimentos, designado por líber ou floema. A estes dois tecidos condutores dá-se o nome geral de tecidos vasculares e, juntos, formam um sistema vascular contínuo, que percorre toda a planta (transportando água e nutrientes).
Todos estes aspetos são fundamentais para a identificação e caracterização de uma madeira, sublinha Fernanda Bessa, na sua tese “Criação de uma xiloteca electrónica (e-xiloteca) tropical e sua utilização para identificação e caracterização de madeiras com fins científicos e económicos” (2009).
É a disposição, combinação, distribuição e dimensão destes diferentes conjuntos de células, revelada pela anatomia da madeira, que faz com que a madeira de uma espécie seja diferente da de outra e haja tão grande diversidade de madeiras, daí a grande importância na sua identificação e caracterização.
A madeira das espécies folhosas (integradas no grupo das angiospérmicas, de folhas largas e com frutos que contêm a semente no seu interior) e a das espécies resinosas ou coníferas (integradas no grupo das gimnospérmicas, de folhas finas que lembram agulhas e frutos em formato de cone ou pinha) é diferente ao nível anatómico.
Assim, da mesma forma que a anatomia humana clássica faz a dissecação de um corpo para observar e analisar os órgãos e tecidos no seu interior, a anatomia da madeira recorre tradicionalmente à dissecação deste material lenhoso, das suas camadas e tecidos.
No estudo anatómico da madeira procede-se habitualmente a três cortes – transversal, tangencial e radial – que deixam à vista planos distintos do interior do lenho, permitindo observar estruturas de aspeto diferente consoante a superfície observada.
Fonte: baseada em Ilustrações do livro “Madeiras Portuguesas: estrutura anatómica, propriedades e utilizações, de Albino de Carvalho
O plano transversal é o mais rico em informação sobre a estrutura da madeira, pois permite ver as camadas ou anéis de crescimento (diferentes na primavera-verão e no outono-inverno) e distinguir as características do cerne (parte mais interna da madeira, constituída por tecido fisiologicamente morto, normalmente mais escura e resistente) e do borne (camadas exteriores da madeira, que se encontram mais próximas da casca, geralmente de cor mais clara).
Além destes elementos, os diferentes cortes permitem observar:
– Nas folhosas: os vasos (porosidade, agrupamento, tipo de elemento de vaso, pontuações, perfurações), o parênquima (abundância, disposição, natureza, caracteres acessórios), os raios (número de células em largura e altura, natureza das células, trajeto, abundância, disposição, caracteres acessórios) e as fibras (natureza, disposição, comprimento, largura, espessura da parede);
– Nas coníferas: os traqueídos de início e fim de estação, os raios, os canais de resina (caso se trate de uma resinosa), entre outros detalhes.
As dimensões e formas como os elementos observados se organizam entre si dão informação sobre as características específicas de diferentes madeiras – o seu tipo de fio e de grão, por exemplo, que influenciam os tipos de trabalhos e utilizações a que se prestam – e sobre as características partilhadas por árvores das mesmas espécies ou géneros botânicos.
A identificação de uma madeira é sempre acompanhada por um estudo comparativo com amostras de madeira, existentes numa xiloteca, e com lâminas, de uma laminoteca, completando-se esta informação com uma pesquisa bibliográfica, indica Fernanda Bessa, Professora do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.
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