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Serviços do Ecossistema

Carbono removido pela floresta portuguesa em 2019 representa 257 milhões de euros

A floresta portuguesa removeu da atmosfera mais de 10,4 megatoneladas de gases com efeito de estufa em 2019, o último ano com registos oficiais. Contabilizado ao preço médio das licenças de carbono europeias em leilão no mesmo ano, este carbono removido pela floresta representou mais de 257 milhões de euros.

A floresta portuguesa tem contribuído, ano após ano, para retirar da atmosfera parte dos gases com efeito de estufa (GEE) que Portugal emite. Entre 2015 e 2019, a única exceção foi 2017, um ano marcado por um valor muito elevado de área ardida que resultou em perda de área florestal, não permitindo que o carbono removido pela floresta compensasse aquele que foi emitido nos incêndios rurais.

Nos restantes quatro anos em análise, as áreas florestais que se mantiveram e as novas zonas florestadas, a par dos produtos criados com a madeira colhida – que continuam a armazenar o carbono sequestrado -, funcionaram como um sumidouro de carbono, segundo revelam os Inventários Nacionais de Emissões Atmosféricas, da Agência Portuguesa do Ambiente.

Neste período, o maior contributo foi alcançado em 2015, quando o carbono removido pela floresta e material lenhoso se elevou às 11,5 Mt (megatoneladas) e, excetuando 2017, o valor mínimo aconteceu em 2016, com 8,7 Mt de CO2 eq .

Remoção e emissão de CO2 eq, em megatoneladas, pela floresta portuguesa

(Mt CO2 eq)20152016201720182019
Floresta que se manteve -8,079-6,0015,254-6,580-8,208
Novas áreas de floresta-3,002-2,494-1,157-2,349-2,173
Produtos da madeira colhida-0,424-0,171-0,112-0,044-0,104
total -11,506-8,6673,984-8,974-10,486

Fonte: Agência Portuguesa do Ambiente, “Portuguese National Inventory Report on Greenhouse Gases” (table 1.5), relativo aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019

Os números negativos significam que a floresta retirou dióxido de carbono da atmosfera e armazenou-o. Os valores positivos indicam que emitiu dióxido de carbono (CO2) e outros GEE para a atmosfera. Para efeitos de contabilização de emissões, os outros gases com efeito de estufa, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), são expressos em termos equivalentes da quantidade de CO2. Ou seja, a medida internacional CO2eq expressa a quantidade de CO2 se todos os GEE fossem emitidos sob a forma deste gás.

Quanto vale o carbono removido pela floresta portuguesa?

Mas o que significam estes valores se quisermos quantificar quanto vale o serviço que a floresta portuguesa nos presta por conseguir sequestrar carbono da atmosfera e armazená-lo na sua biomassa e no solo?

Embora este serviço do ecossistema não seja tradicionalmente quantificado em valor monetário, o facto de existir um mercado de licenças de emissão de carbono permite apurá-lo, tal como indica Américo Mendes, professor de Economia na Universidade Católica do Porto, que tem feito vários exercícios de avaliação do valor da floresta – um dos quais serviu de referência ao Governo para traçar a Estratégia Nacional para a Floresta, em 2016.

O Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) baseia-se, parcialmente e desde 2013, na emissão de um número limitado de licenças de carbono pelos Estados-Membros, que são vendidas através de licitação em leilão. Neste mercado primário, onde se transacionam, por exemplo, os European Union Emissions Schemes (EU-ETS), os compradores são entidades e empresas às quais, no âmbito do Protocolo de Quioto, foram impostos limites máximos de emissões de GEE como condição para operar.

As organizações que compram estas licenças podem depois transacioná-las no mercado regulado ou mercado secundário, vendendo títulos de que não necessitem a outras empresas que precisem de cumprir os limites de emissões que lhe foram estipulados. Este mercado secundário é mais complexo, com inúmeros instrumentos financeiros, mas em todos os casos, também aqui é a relação entre a procura e a oferta que dita o preço da transação.

Tomando como referência o preço médio anual de arrematação em leilões das licenças emitidas pela União Europeia, é possível estimar o valor do carbono removido pela floresta portuguesa. Note-se que as licenças (transacionadas em EU allowances ou EUA, na sigla inglesa) têm valor de arrematação tipicamente mais baixo do que o das transações no mercado secundário e mais conservador do que os montantes de referência que têm sido considerados na literatura científica sobre o tema.

Valorização do carbono removido pela floresta

20152016201720182019
Emissões/remoções florestais Mt CO2-11,506-8,6673,984-8,974-10,486
Média anual do preço médio diário €/ton. CO27,5605,1405,58014,99024,580
Valor anual emissões/remoções milhões € 86,985 44,551-22,235134,530257,753

Fonte: Valor médio anual de arrematação de licenças de carbono em leilão (Euros por TCO2) baseado nos dados disponibilizados pelo European Energy Exchange (EEX)

Considerando as megatoneladas de CO2 removidas a cada ano e o valor médio de referência das EUA no respetivo ano, a valorização do carbono removido pela floresta portuguesa corresponde a quase 87 milhões de euros em 2015, a 44,5 milhões de euros em 2016, a 134,5 milhões de euros em 2018 e aos 257 milhões de euros, acima referidos, em 2019. Em 2017, as emissões florestais significaram um prejuízo de 22 milhões de euros.

Deduzindo à valorização dos sequestros de 2015, 2016, 2018 e 2019 as emissões de 2017 (que representam prejuízo), o carbono removido pela floresta, nestes cinco anos em análise, representa mais de 500 milhões de euros.

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Em maio de 2021, os preços de arrematação de licenças europeias de carbono subiram pela primeira vez acima dos 50 euros por tonelada. O preço médio, desde o início do ano até meados de maio, rondava os 42,4 euros por tonelada, segundo dados da European Energy Exchange. Se a floresta mantiver em 2021 um nível de remoção de carbono similar ao de 2019 e os preços das EUA se mantiverem perto dos 50€ por tonelada de CO2, a este nível de preços, o valor deste seu serviço do ecossistema praticamente duplicará.

Embora este cálculo ajude a dar resposta à questão sobre “quanto vale o carbono removido pela floresta portuguesa?”, os projetos florestais – como os de florestação, reflorestação, melhorias de gestão ou recuperação de ecossistemas de floresta – não são considerados pela União Europeia como geradores de créditos de carbono para o Comércio Europeu de Licenças de Carbono.

Esta limitação contribui para que quem planta e gere a floresta não seja remunerado neste mercado pelo serviço do ecossistema que promove.

Mercado voluntário: floresta é categoria em destaque nas soluções baseadas na natureza

Esta valorização da floresta está limitada ao mercado voluntário de carbono, que permite, por exemplo, compensar as emissões de GEE de empresas que, não estando obrigadas por lei a cumprir limites de emissões, desejem ter no seu “curriculum reputacional” esta vertente ambiental.

Aqui, a compensação de carbono é, tipicamente, feita através do financiamento por estas empresas de projetos implementados por terceiros, como é o caso de Organizações Não Governamentais Ambientais (ONGA) e associações de produtores florestais.

Neste mercado voluntário, as transações globais efetuadas no “Ecosystem Marketplace”, na categoria floresta (Floresta e uso da terra) tiveram em 2019, e segundo o relatório “Voluntary Carbon and the Post-Academic Recovery”, um preço médio de 4,3 dólares (cerca de 3,5 euros), cerca de 7 vezes inferior aos mais de 24,5 euros do mercado primário, o que reduz a remuneração de quem desenvolve o projeto no terreno.

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O carbono removido pela floresta é reconhecido como uma das suas externalidades positivas e é, consecutivamente, apontado como um dos caminhos para avançar rumo à neutralidade carbónica em Portugal. Esta ideia volta a ser destacada, em 2021, no “Net Zero Portugal”, um estudo da McKinsey para o BCSD Portugal, que sublinha: “a absorção florestal apresenta um elevado potencial” e há condições para que aumente o seu contributo. Contudo, deixa também um alerta sobre o aumento do risco de incêndio decorrente das alterações climáticas, lembrando previsões que apontam para a duplicação da área ardida até 2050. A gestão ativa e responsável da floresta é imprescindível, para equilibrar as várias funções das florestas.

Acresce que parte significativa dos grandes projetos florestais envolvidos estão na esfera do Programa REDD+, através do qual as Nações Unidas dinamizam (e pagam) por ações que removam ou reduzam emissões nos países em desenvolvimento e investir em soluções de baixo carbono.

Apesar deste mercado voluntário ter menor dimensão do que o regulado, tem vindo a ganhar novos mecanismos, muitos deles regionais e locais, revela o relatório “State and Trends of the Carbon Pricing 2020”, do Banco Mundial. Entre as várias áreas elegíveis, que vão das energias renováveis à agricultura, a floresta tem constituído um atrativo crescente: 42% dos créditos emitidos nos últimos cinco anos provém da área florestal. O documento acrescenta ainda que este interesse pela floresta e pelas amplas soluções baseadas na natureza pode impulsionar o potencial destes projetos na redução de emissões de uma forma económica, além de gerar co-benefícios em vertentes como a conservação da biodiversidade ou as reservas de água.