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Energia

Fontes de energia renovável: biomassa assegura 45% da produção

Os ecossistemas rurais são a principal fonte de biomassa usada na produção de energia renovável em Portugal. O aproveitamento da biomassa residual diminui a dependência nacional de combustíveis fósseis e, em simultâneo, pode incentivar a gestão das áreas florestais, reduzindo o risco de incêndio, mas há condições a respeitar para que o uso da biomassa para energia não ponha em risco outros benefícios da floresta.

O recurso à lenha como fonte de aquecimento é uma prática ancestral, mas a versatilidade da biomassa permite utilizações que vão muito além do seu uso doméstico em lareiras, salamandras ou fogões, tendo-se tornado numa fonte significativa de energia renovável em Portugal.

A produção anual de energia renovável nacional revela um significativo contributo da biomassa: cerca de 45% do total produzido em 2019, de acordo com as Estatísticas Rápidas sobre Renováveis de janeiro de 2021, da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).

A importância da biomassa como Fonte de Energia Renovável – a par da hidroelétrica, eólica, solar, geotérmica e biocombustíveis – tem sido uma constante ao longo dos últimos anos.

Há mais de uma década que a biomassa tem assegurado cerca de metade da produção de energia renovável em Portugal, com o seu maior contributo registado em 2012, quando contribuiu para 58% do total da produção de energia renovável. Desde então, embora em termos percentuais a contribuição da biomassa tenha decrescido, em termos líquidos tem vindo a aumentar: de 2536 ktep produzidos em 2012 para 2745 ktep em 2019.

No contexto da produção de energia, considera-se biomassa a “fração biodegradável de produtos, resíduos ou detritos de origem biológica provenientes da agricultura, incluindo substâncias de origem animal e vegetal, da exploração florestal e de indústrias afins, incluindo da pesca e da aquicultura, bem como a fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos”, identifica o Decreto Lei nº 117/2010. Isto significa que em termos florestais, só devem ser considerados para bioenergia os resíduos florestais e das indústrias de base florestal e as culturas energéticas de curta rotação, mas não a madeira.

Entre 2014 e 2018, aproximadamente 57% da biomassa foi utilizada para transformação em centrais termoelétricas, com ou sem cogeração, e 34% foi utilizada diretamente para a produção de calor, maioritariamente no sector residencial, revela a ADENE – Agência para a Energia, em “Energia em Números 2020”. Os restantes 9% da biomassa foram exportados sob a forma de pellets e briquetes. Em 2019, a percentagem da biomassa transformada noutras formas energéticas, nomeadamente em centrais termoelétricas e de cogeração, chegou aos 60%.

A maioria da energia proveniente de biomassa resulta de matérias-primas florestais: de resíduos vegetais e florestais, dos subprodutos do processo produtivo da indústria de papel e celulose – licores – e dos pellets e briquetes.

Este contributo tem sido essencial para apoiar a meta da diretiva comunitária 2009/28/CE, que fixou para Portugal o objetivo de incorporar 31% de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo final bruto de energia, até 2020. A percentagem desse ano ainda não é conhecida, mas em 2019 o peso das FER esteve perto desta meta: foi de 30,6%, percentagem ligeiramente inferior à dos anos anteriores (2015-2017), mas superior à do início da década (entre 2010 e 2012), que rondou os 24%. Segundo o PNEC – Plano Nacional Energia e Clima, pretende-se que esta percentagem aumente para 34% em 2022, 38% em 2025, 41% em 2027 e 47% em 2030.

Evolução do contributo da biomassa na produção anual de energia renovável (em ktep e percentagem)
2011-2019

Nota: Ktep (ou kilotep) é uma unidade de energia que corresponde a 103 toneladas equivalentes de petróleo. 1 ktep = 1000 tep; 86 tep = 1 Gigawatt-hora = 109 watt-hora

Fonte: Renováveis – Estatísticas Rápidas (janeiro 2021), DGEG

Quota das FER no Consumo final bruto de energia (%), 2010-2019

Nota: a meta de incorporação de FER no consumo final bruto de energia é calculada de acordo com a metodologia da Diretiva n.º 2009/28/CE, em que a produção total real é nivelada para indicadores de pluviosidade e de eolicidade médios.

Fonte: Estatísticas das Energias Renováveis, Eurostat

Refira-se que para a contabilização da produção anual de energia renovável passou a ser considerado, em 2018, o contributo das bombas de calor (que extraem energia térmica para aquecimento do ar, do solo ou da água subterrânea), o que levou, em 2019, a uma revisão dos valores oficiais publicados desde 2014. Este indicador juntou-se, assim, à energia elétrica de fonte renovável, aos biocombustíveis, à biomassa e a outras renováveis, como a solar térmica.

Eletricidade verde: biomassa é a terceira principal fonte

Cerca de um quarto da energia consumida no nosso país é eletricidade (os outros três quartos são combustíveis para transportes, calor para a indústria e aquecimento para edifícios). O contributo da biomassa para a produção desta eletricidade foi de cerca de 6% em 2020, percentagem que se eleva aos 10% se considerarmos apenas eletricidade de fontes renováveis, segundo estatísticas rápidas da DGEG. A região Centro é a que mais contribui para a produção elétrica a partir de biomassa: mais de 63% do total.

Ainda de acordo com a mesma fonte, é notório que a biomassa se tem consolidado, ao longo dos anos, como a terceira principal fonte de eletricidade renovável, a seguir à hídrica, com um peso histórico em Portugal desde finais do século XIX, e à eólica.

Imagem Interior Energia Renovável

Em 2020, a produção renovável representou mais de metade do total de energia elétrica consumida. Nesse ano a produção hídrica e eólica representaram 25% e 23% da produção, respetivamente, enquanto a biomassa gerou 6% e a fotovoltaica 3%.

Evolução da produção elétrica nacional com base em renováveis, por fonte de energia
2010 – 2020

Nota: Estes valores não incluem a fração não renovável de RSU. Totais reais de produção, sem normalização.

Fonte: Renováveis – Estatísticas Rápidas (janeiro 2021), DGEG

Contributos de cada fonte de energia renovável na produção elétrica (em %) 2020

Notas: A Biomassa inclui resíduos vegetais, florestais e licores sulfitivos. O total exclui a fração não renovável de RSU. Percentagens arredondadas.

Fonte: Renováveis – Estatísticas Rápidas (janeiro 2021), DGEG

Cogeração: o processo que aumenta a eficiência da indústria

A par da produção dedicada de energia elétrica, a biomassa está a ser aproveitada no sector industrial como forma de aumentar a eficiência dos processos e reduzir custos. Com centrais de cogeração a partir de biomassa, as unidades industriais conseguem produzir, em simultâneo e com níveis mais elevados de eficiência, energia térmica e elétrica, o que contribui para aumentar a autossuficiência energética de diversas empresas e para a poupança de energia primária.

Como referido na Edição 2020 de Energia em Números: “cerca de dois terços do consumo de calor produzido em regime de cogeração é utilizado no sector da pasta (celulose) e papel”, cuja principal forma de energia primária é a biomassa. Seguem-se as indústrias da refinação do petróleo (15%) e as químicas, dos plásticos e da borracha (6%).

“É no sector da indústria que o consumo de biomassa é mais evidente, substituindo, entre outras fontes, o coque de petróleo”, refere o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que indica as centrais descentralizadas de cogeração e de produção dedicada de calor, próximas dos locais de recolha, como forma de conseguir melhor relação de custo-eficácia da biomassa, “contribuindo igualmente para uma gestão sustentável da floresta”.

Biomassa: benefícios e condicionantes do uso energético

O aproveitamento da biomassa para produção de energia, quando devidamente enquadrado numa gestão florestal ativa e sustentável, pode constituir uma oportunidade extra de rendimento para os proprietários florestais e ajudar a reduzir o risco de incêndio – risco este relacionado com o abandono de áreas rurais e com a falta de capacidade financeira de muitos proprietários para gerirem as suas áreas florestais, o que se tem traduzido em aumentos na quantidade e continuidade da biomassa existente no território.

Ao contribuir para a diminuição da área ardida, esta valorização da biomassa repercute-se também na diminuição de emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) que seriam geradas durante os incêndios.

Estes benefícios estão espelhados no Decreto-Lei n.º 120/2019, de 22 de agosto, que cria um regime de apoios para centrais a biomassa com produção em cogeração de energia elétrica e térmica em zonas críticas de risco de incêndio. Da mesma forma, o recurso à biomassa florestal para energia, em substituição de fontes de origem fóssil, é um dos caminhos apontados para o cumprimento das metas de energia renovável e apoia diversas políticas nacionais, como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, e internacionais, como o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu.

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No entanto, a produção de energia a partir da biomassa também gera gases com efeito de estufa, que se libertam para a atmosfera. Neste sentido e para que a biomassa seja considerada uma fonte de energia sustentável e “neutra em carbono” é preciso ter em conta dois fatores principais:

1. Que tipo de biomassa florestal é usado para energia – A produção de bioenergia a partir de ramos, cascas e outra biomassa florestal residual, que não tem outra aplicação de maior valor – de acordo com o princípio de utilização em cascata -, pode ser considerada como “neutra em carbono”.

2. O equilíbrio entre o carbono retido na biomassa e o carbono libertado na produção da energia a partir da biomassa – Ao produzir energia, liberta-se o carbono que foi retirado da atmosfera e acumulado durante o crescimento das árvores. Como a acumulação de carbono nas florestas é variável – varia em função de múltiplos fatores, incluindo a espécie florestal e o período de crescimento das árvores – o conceito de neutralidade carbónica está dependente do tempo. Num curto período, a retenção feita na floresta não é suficiente para compensar a emissão, o que pode acontecer se considerarmos um ciclo mais longo.

Por exemplo, se considerarmos outros tipos de biomassa que não a florestal residual, como por exemplo os pellets – para uso na geração dedicada de energia elétrica em substituição do carvão – as emissões por eles geradas só serão compensadas quando se verificar um crescimento proporcional de biomassa que permita absorver o carbono emitido na respetiva preparação, transporte e combustão.

A entrada em vigor da nova Diretiva das Energias Renováveis (RED II), em julho de 2021, virá estabelecer critérios para a utilização sustentável da biomassa para a energia, no sentido de assegurar a preservação de habitats e evitar quer a redução crítica das reservas de carbono na floresta, quer o aumento de emissões por via da utilização excessiva de biomassa para energia.

Estas preocupações tornam-se mais relevantes num contexto global de perda continuada de área florestal a nível global (ainda que o ritmo de perda tenha vindo a diminuir), de aumento da população mundial, com reflexo no acréscimo da procura de madeira e bioprodutos, e perante as evidências de que a preservação da floresta é essencial não apenas na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, mas como abrigo de biodiversidade, para a proteção do solo, regulação do regime hídrico ou melhoria da qualidade do ar.

Importa, pois, equilibrar da forma mais eficiente e sustentável as várias fontes renováveis de energia e caminhar para um mix energético que, sem relegar o contributo da biomassa, permita um uso do solo mais compatível com todas as solicitações que recaem sobre este recurso, também ele escasso, desde a produção de alimentos à recolha de matérias-primas renováveis, passando pela salvaguarda dos ecossistemas.