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Energia

Energia renovável: biomassa assegurou mais de 40% da produção

Os ecossistemas rurais são a principal fonte de biomassa usada na produção de energia renovável em Portugal. O aproveitamento da biomassa residual diminui a dependência nacional de combustíveis fósseis e, em simultâneo, pode incentivar a gestão das áreas florestais, reduzindo o risco de incêndio, mas há condições a respeitar para que o uso da biomassa para energia não ponha em risco outros benefícios da floresta.

O recurso à lenha como fonte de aquecimento é uma prática ancestral, mas a versatilidade da biomassa permite utilizações que vão muito além do seu uso doméstico em lareiras, salamandras ou fogões, tendo-se tornado numa fonte significativa de energia renovável em Portugal.

A produção anual de energia renovável nacional revela um significativo contributo da biomassa: mais de 40% do total produzido em 2023, de acordo com as Estatísticas Rápidas sobre Renováveis, de maio de 2025, da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).

A biomassa tem assegurado entre 42% a 55% da produção anual de energia renovável em Portugal desde 2015, com o seu maior contributo registado nesse ano, em que permitiu 55% do total da produção. Desde então, a contribuição relativa da biomassa decresceu em termos percentuais, mas aumentou em termos líquidos, passando de cerca de 2800 ktep em 2015 para quase de 3200 ktep em 2022. Em 2023, desceu ligeiramente para perto dos 3100 ktep, o equivalente a 42% da produção de energia renovável em Portugal.

No contexto da produção de energia, considera-se biomassa a “fração biodegradável de produtos, resíduos ou detritos de origem biológica provenientes da agricultura, incluindo substâncias de origem animal e vegetal, da exploração florestal e de indústrias afins, incluindo da pesca e da aquicultura, bem como a fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos”, identifica o Decreto Lei nº 117/2010. Isto significa que em termos florestais, só devem ser considerados para bioenergia os resíduos florestais e das indústrias de base florestal e as culturas energéticas de curta rotação, mas não a madeira.

A importância estratégica da biomassa como Fonte de Energia Renovável (FER) – a par da hidroeléctrica, eólica, solar, geotérmica e biocombustíveis – tem sido uma constante ao longo dos últimos anos e a maioria da energia proveniente de biomassa resulta de matérias-primas do sector florestal: de resíduos vegetais e florestais e dos subprodutos da indústria de pasta e papel – líquidos, chamados licores, gerados no processo produtivo. Juntam-se os produtos lenhosos transformados, como os pellets e briquetes.

Evolução do contributo da biomassa na produção anual de energia renovável (em ktep e percentagem), 2015-2023

Nota: Ktep (ou kilotep) é uma unidade de energia que corresponde a 103 toneladas equivalentes de petróleo. 1 ktep = 1000 tep; 86 tep = 1 Gigawatt-hora = 109 watt-hora.

Fonte: Estatísticas Rápidas sobre Renováveis, maio 2025, DGEG

Quota das FER no Consumo final bruto de energia (%), 2015-2023

Nota: a meta de incorporação de FER no consumo final bruto de energia era calculada de acordo com a metodologia indicada na Diretiva n.º 2009/28/CE, em que a produção total real é nivelada para indicadores de pluviosidade e de eolicidade médios. A partir de 2021, inclusive, os dados seguem a Diretiva (UE) 2018/2001.

Fonte: Estatísticas das Energias Renováveis, Eurostat (nrg_ind_ren)

Há mais de uma década que a biomassa é usada maioritariamente para transformação em centrais termoelétricas, com ou sem cogeração. Foi este o destino de 58,3% de toda a biomassa consumida para energia em 2023. A fração utilizada diretamente para a produção de calor, maioritariamente no sector residencial, foi de 37,4% em 2023, revela a ADENE -Agência para a Energia, em “Energia em Números 2025”. Cerca de 4,4%% da biomassa foram exportados sob a forma de pellets e briquetes.

Este contributo tem sido essencial para apoiar a meta da Diretiva (UE) 2018/2001 (que substitui a Diretiva comunitária 2009/28/CE), que fixou para Portugal o objetivo de incorporar 31% de Fontes de Energia Renováveis (FER) no consumo final bruto de energia, até 2020. A percentagem desse ano, de acordo com o Eurostat, foi de 33,98%. Em 2022, a percentagem aumentou para 34,68%, o que permitiu ultrapassar a meta estabelecida pelo  PNEC – Plano Nacional Energia e Clima, que era 34% de quota de energias renováveis nesse ano. Este Plano estabelece ainda que a percentagem de energias renováveis no consumo final bruto chegue aos 38% em 2025, 41% em 2027 e 47% em 2030.

Refira-se que a contabilização da produção anual de energia renovável passou a considerar, em 2018, o contributo das bombas de calor (que extraem energia térmica para aquecimento do ar, do solo ou da água subterrânea). Esta nova fonte juntou-se, assim, à energia elétrica de fonte renovável, aos biocombustíveis, à biomassa e a outras renováveis, como a solar térmica.

Eletricidade verde: 5% vem da biomassa 

O contributo da biomassa para a produção de eletricidade em Portugal foi de cerca de 5,4% em 2024. Esta percentagem elava-se aos 7% se considerarmos em exclusivo a eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, indicam as estatísticas rápidas sobre renováveis, de maio de 2025. A região Centro é a que mais contribui para a produção elétrica a partir de biomassa – um total de 72% em 2024 -, sendo esta a região que tem mais capacidade produtiva (potência instalada).

Em 2024, a produção de energia elétrica renovável representou 76,2% da produção total em Portugal.  A produção hídrica e eólica representaram cerca de 32% e 25% da produção, respetivamente. A biomassa costumava ser a terceira fonte de eletricidade renovável, mas em 2023 a produção fotovoltaica (solar) ocupou este lugar, destronando a biomassa para a quarta posição: em 2024, a biomassa gerou cerca de 5% e a fotovoltaica 12%.

Imagem Interior Energia Renovável

Evolução da produção elétrica nacional com base em renováveis, por fonte de energia, 2016 – 2024

Nota: Dados de 2024 provisórios. Biomassa inclui resíduos vegetais e florestais, licores sulfitivos, fração renovável de RSU. Totais reais de produção, sem normalização.

Fonte: Estatísticas Rápidas sobre Renováveis, maio 2025, DGEG

Contributos de cada fonte de energia renovável na produção elétrica (em %), 2024

Nota: Dados de 2024 provisórios. Biomassa inclui resíduos vegetais e florestai, licores sulfitivos e fração não renovável de RSU. Percentagens arredondadas.

Fonte: Estatísticas Rápidas sobre Renováveis, maio 2025, DGEG

Cogeração: o processo que aumenta a eficiência da indústria

A par da produção dedicada de energia elétrica, a biomassa está a ser aproveitada no sector industrial como forma de aumentar a eficiência dos processos e reduzir custos. Com centrais de cogeração a partir de biomassa, as unidades industriais conseguem produzir, em simultâneo e com níveis mais elevados de eficiência, energia térmica e elétrica, o que contribui para aumentar a autossuficiência energética de diversas empresas e para a poupança de energia primária.

Como referido na Edição 2025 de Energia em Números: “cerca de 78% do consumo de calor produzido em regime de cogeração é utilizado no sector da pasta (celulose) e papel”, cuja principal forma de energia primária é a biomassa. Seguem-se as indústrias da refinação do petróleo (11,4%) e as químicas, dos plásticos e da borracha (3,5%).

“É no sector da indústria que o consumo de biomassa é mais evidente, substituindo, entre outras fontes, o coque de petróleo”, refere o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que indica as centrais descentralizadas de cogeração e de produção dedicada de calor, próximas dos locais de recolha, como forma de conseguir melhor relação de custo-eficácia da biomassa, “contribuindo igualmente para uma gestão sustentável da floresta”.

Biomassa: benefícios e condicionantes do uso energético

O aproveitamento da biomassa para produção de energia, quando devidamente enquadrado numa gestão florestal ativa e sustentável, pode constituir uma oportunidade extra de rendimento para os proprietários florestais e ajudar a reduzir o risco de incêndio – risco este relacionado com o abandono de áreas rurais e com a falta de capacidade financeira de muitos proprietários para gerirem as suas áreas florestais, o que se tem traduzido em aumentos na quantidade e continuidade da biomassa existente no território.

Ao contribuir para a diminuição da área ardida, esta valorização da biomassa repercute-se também na diminuição de emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) que seriam geradas durante os incêndios.

Estes benefícios estão espelhados no Decreto-Lei n.º 120/2019, de 22 de agosto, que cria um regime de apoios para centrais a biomassa com produção em cogeração de energia elétrica e térmica em zonas críticas de risco de incêndio. Da mesma forma, o recurso à biomassa florestal para energia, em substituição de fontes de origem fóssil, é um dos caminhos apontados para o cumprimento das metas de energia renovável e apoia diversas políticas nacionais, como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, e internacionais, como o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu.

No entanto, a produção de energia a partir da biomassa também gera gases com efeito de estufa, que se libertam para a atmosfera.

Para que a biomassa seja considerada uma fonte de energia sustentável e “neutra em carbono” é preciso ter em conta dois fatores principais:

1. Que tipo de biomassa florestal é usado para energia – A produção de bioenergia a partir de ramos, cascas e outra biomassa florestal residual, que não tem outra aplicação de maior valor – de acordo com o princípio de utilização em cascata -, pode ser considerada como “neutra em carbono”.

2. O equilíbrio entre o carbono retido na biomassa e o carbono libertado na produção da energia a partir da biomassa – Ao produzir energia, liberta-se o carbono que foi retirado da atmosfera e acumulado durante o crescimento das árvores. Como a acumulação de carbono nas florestas é variável – varia em função de múltiplos fatores, incluindo a espécie florestal e o período de crescimento das árvores – o conceito de neutralidade carbónica está dependente do tempo. Num curto período, a retenção feita na floresta não é suficiente para compensar a emissão, o que pode acontecer se considerarmos um ciclo mais longo.

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Por exemplo, se considerarmos outros tipos de biomassa que não a florestal residual, como por exemplo os pellets – para uso na geração dedicada de energia elétrica em substituição do carvão – as emissões por eles geradas só serão compensadas quando se verificar um crescimento proporcional de biomassa que permita absorver o carbono emitido na respetiva preparação, transporte e combustão.

Para acelerar a transição energética na União Europeia e promover a energia de fontes renováveis, a Diretiva RED III, que entrou em vigor em 20 de novembro de 2023, reforçou o compromisso de aumentar a quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final para 42,5 % até 2030. Para alcançar esse objetivo, há uma aposta no uso sustentável da biomassa. Além disso, a RED III reforça os critérios de sustentabilidade para a biomassa, reforçando o seu uso em cascata, ou seja, recomendando que devem ter prioridade as utilizações da biomassa que agregam mais valor, antes de ser usada na produção de energia.

Estas preocupações tornam-se mais relevantes num contexto global de perda continuada de área florestal a nível global (ainda que o ritmo de perda tenha vindo a diminuir), de aumento da população mundial, com reflexo no acréscimo da procura de madeira e bioprodutos, e perante as evidências de que a preservação da floresta é essencial não apenas na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, mas como abrigo de biodiversidade, para a proteção do solo, regulação do regime hídrico ou melhoria da qualidade do ar.

Importa, pois, equilibrar da forma mais eficiente e sustentável as várias fontes renováveis de energia e caminhar para um mix energético que, sem relegar o contributo da biomassa, permita um uso do solo mais compatível com todas as solicitações que recaem sobre este recurso, também ele escasso, desde a produção de alimentos à recolha de matérias-primas renováveis, passando pela salvaguarda dos ecossistemas.