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Indicadores Económicos

Qual o valor do uso recreativo da floresta portuguesa?

Caminhar entre as árvores, descobrir recantos únicos, mergulhar em rios e cascatas, observar as aves, inspirar o ar refrescante da floresta ou acordar sob um teto de verde e céu... Qual o valor destas e de tantas outras atividades e experiências que nos proporciona o uso recreativo da floresta? Não é fácil determiná-lo, mas o valor estimado aponta para mais de 29 milhões de euros por ano em Portugal.

O valor do uso recreativo da floresta não é fácil de quantificar, porque não há mercado para a venda e compra da sensação de tranquilidade e evasão que a floresta nos proporciona. No entanto, vários estudos científicos têm recorrido a diferentes metodologias para estimar o valor que a floresta tem para os cidadãos enquanto espaço de recreio e turismo, e de usufruto da paisagem e do ar livre.

Na União Europeia, o mais recente valor adiantado para o uso recreativo das florestas e áreas florestais é de 30,7 mil milhões de euros, de acordo com o relatório “Accounting for ecosystems and their services in the European Union”. A publicação é de abril de 2021, mas o cálculo refere-se a 2012 e foi feito tendo por base as “visitas diárias a áreas localizadas a uma distância máxima de quatro quilómetros das zonas residenciais e locais de elevada qualidade natural”.

Um estudo anterior da Comissão Europeia estimou valores entre 52 e 90 mil milhões de euros (dados relativos a 2006), mas neste caso a base da estimativa são os gastos feitos pelos turistas (entradas em áreas naturais, aluguer de equipamento, acomodação e alimentação) em zonas abrangidas pela rede Natura 2000.

E em Portugal, como calcular o valor do uso recreativo da floresta?

Para estimar o valor do uso recreativo da floresta em Portugal seguimos a metodologia aplicada por Américo Mendes, professor de Economia na Universidade Católica do Porto, no livro “Valuing mediterranean forests: towards total economic value” e no seminário da Academia Florestas.pt “Quanto Vale a Floresta portuguesa? O valor contabilizado e o desconhecido”. O valor apurado ascende a mais de 29,3 milhões de euros para 2019, o último ano para o qual se encontram disponíveis os dados estatísticos a considerar.

Para chegar a este valor, que se encontra relacionado com o turismo em espaço rural, consideraram-se três indicadores que permitem estimar o número daqueles que, a cada ano, beneficiam do uso recreativo da floresta:

1. O número de dormidas em parques de campismo no território nacional, exceto no Algarve, região excluída por se presumir que a motivação para aí acampar será a praia mais do que a floresta;
2. O número de dormidas em alojamentos de turismo em espaço rural e de habitação, excluindo-se também o Algarve sob o mesmo pressuposto;
3. O número de visitas a parques e outras áreas florestais, considerando apenas as famílias residentes na Região Metropolitana de Lisboa e na Região Metropolitana do Porto e supondo que só metade destas famílias visita uma vez por ano uma zona florestal.

A soma destes indicadores permite-nos chegar a mais de 7 milhões de visitantes (dormidas + visitas) em 2019 e nos dois anos anteriores.

201720182019
Número de dormidas em parques de campismo em Portugal, exceto Algarve460442147862804892112
Número de dormidas em turismo rural e de habitação em Portugal, exceto Algarve178152416274451543729
Número de visitas a zonas florestais por metade das famílias das Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa 900416900416900416
Total de dormidas e visitas728636173141417336257

Fontes: INE – Estatísticas do Turismo, para Dormidas (N.º) nos parques de campismo por localização geográfica (NUTS 3) e para Dormidas (N.º) nos estabelecimentos de alojamento turístico por localização geográfica (NUTS 3) e tipo – Turismo no espaço rural e de habitação em Portugal; Pordata, famílias clássicas segundo os Censos 2011 (números de famílias mantém-se todos os anos).

Refira-se ainda que parte significativa do número de dormidas no espaço rural e florestal se deve à permanência de turistas estrangeiros no nosso país. Por exemplo, em 2019, mais de 1,2 milhões das dormidas em parques de campismo resultam de estadias de estrangeiros.

Francisco Castro Rego avaliou em 140 milhões de euros anuais a riqueza produzida, do ponto de vista turístico, pelos 15 mil hectares de Laurissilva na Madeira, classificados como Património da Humanidade. O cálculo foi apresentado em “A riqueza insuspeita dos recursos florestais” (2012), e o resultado baseia-se no gasto médio por visitante (108 euros) e no número de dormidas dos turistas que apontaram a natureza, e principalmente a Laurissilva e as levadas, como motivo da visita (31% de turistas). Isto significa que cada hectare de floresta Laurissilva representa para a Madeira mais de 9 mil euros anuais de receita em turismo.

Para concluir a nossa estimativa, é necessário considerar um montante de referência a atribuir a cada uso recreativo da floresta. A definição deste valor tem variado entre estudos, nomeadamente entre aqueles que procuram determinar o que estarão dispostos a pagar os utilizadores que usufruem deste serviço do ecossistema (DPP – disponibilidade para pagar ou WTP – willingness to pay).

Flávio Gomes foi um dos investigadores que, na sua tese “Aplicação do método de avaliação contingente ao caso da Reserva Florestal de Recreio do Pinhal da Paz”, usou a metodologia DPP para estimar o valor da referida reserva florestal, localizada na lha de São Miguel, Açores. Este trabalho, de 2013, chegou a um montante de 3,99 euros por pessoa e por visita. Por sua vez, Fernanda Oliveira, num estudo de 2012, contabilizou que a Mata Nacional de Leiria teria mais de 128,3 mil utilizadores de recreio, na maioria provenientes dos concelhos vizinhos. A sua disponibilidade para pagar por este benefício era de 2,68 euros por mês. Em termos agregados, o valor destas visitas representava quase 345 mil euros mensais e um total de 4,1 milhões de euros por ano.

Nesta nossa estimativa, consideram-se 4 euros por visitante, um valor relativamente conservador, tendo em conta estudos anteriores e exemplos internacionais que apontam para montantes superiores. Por exemplo, no Parque Doñana, em Espanha, a disponibilidade para pagar pelos visitantes com motivações relacionadas com a natureza foi estimada em cerca de 15 euros. Para se ter uma referência nacional atual, 4 euros é o custo de ingresso nos Passadiços do Paiva, em época alta, se o bilhete for adquirido no local.

201720182019
Total de visitas e dormidas 728636173141417336257
Valor de recreio da floresta (considerando uma disponibilidade para pagar de 4 euros por visita) €29145444€29256564€29345028

É assim que chegamos a totais anuais superiores a 29 milhões de euros para os anos em análise: 2017, 2018 e 2019.

Em 2020, os entraves à circulação impostos pela situação pandémica terão feito recuar o valor do uso recreativo da floresta portuguesa, como aconteceu com tantos outros indicadores relevantes da economia. Esse impacte não é ainda possível de calcular, mas segundo dados do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, o número de visitas guiadas a parques nacionais, reservas naturais e áreas protegidas em Portugal diminuiu em 2020. Em 2018 e 2019 foram realizadas anualmente mais de 23 mil visitas guiadas a zonas classificadas, enquanto em 2020 foram feitas perto de 7 mil, menos de um terço face aos anos anteriores.

“As florestas estão entre os mais importantes recursos turísticos nacionais, por vezes associadas a monumentos construídos”, como a Mata Nacional do Buçaco ou o Parque da Pena, em Sintra, lembra o ICNF no seu “Perfil florestal”.

A importância dos recursos florestais e naturais portugueses está patente na Estratégia Turismo 2027, que destaca a natureza como um dos ativos diferenciadores em Portugal e recorda o vasto e rico património natural, a fauna e flora ímpares ou os cerca de 23% de território incluídos na Rede Natura 2000.