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Espécies Florestais

Azinheira: o carvalho com a bolota mais doce

A azinheira é, a par do sobreiro, um dos carvalhos mais frequentes em Portugal. A sua relevância reforça-se pelo papel que desempenha no Montado e pela reintrodução da bolota na alimentação humana. Fique a conhecer mais sobre a espécie neste artigo em colaboração com Cristiana do Vale.

Também conhecida como azinho, sardão ou sardoeira, a azinheira é uma espécie há muito cultivada pela sua bolota. Tal como no sobreiro, esta bolota continua a ser utilizada na alimentação do porco de montanheira, criado no montado de sobro e azinho.

De nome científico Quercus rotundifolia, a azinheira pertence ao género Quercus e à família das Fagáceas (Fagaceae), que inclui espécies como as faias ou os castanheiros. Dentro do género dos carvalhos, a azinheira é uma das onze espécies nativas (que ocorre naturalmente) em Portugal.

A azinheira é uma árvore de folha permanente (perene), de copa ampla, densa e arredondada. Em média, não ultrapassa os oito metros de altura, mas não é incomum observarem-se árvores com 15 metros ou mais, podendo algumas alcançar os 25 metros.

Esta é uma espécie de crescimento lento e só por volta dos 10 anos começa a dar frutos, mas o seu desenvolvimento máximo acontece bastante depois, entre os 30 e os 50 anos. A sua vida é longa e cada árvore pode viver centenas de anos.

Considerada uma espécie rústica, é resistente à seca e ao frio e pouco exigente em termos de nutrientes. Assim, consegue desenvolver-se em diferentes altitudes, desde o nível do mar até às zonas montanhosas – que podem ir até cerca de 1500 metros. Tolera vários tipos de solos, independentemente de serem mais ou menos profundos e pedregosos. No entanto, os solos mais pesados, como os de textura argilosa, podem limitar o seu crescimento. Da mesma forma, não se dá bem em solos encharcados.

As folhas da azinheira podem ter até cinco centímetros de comprimento e centímetro e meio de largura. São mais pequenas e de um verde menos intenso (mais acinzentado) do que as folhas do sobreiro (Quercus suber). Em cada nó do caule só existe uma folha (chamadas folhas alternas). A sua forma é elíptica (semelhante à ponta de uma lança) e as folhas são espessas e duras, com limites espinhosos, que se tornam mais lisos com a idade, e com pelos acinzentados na face inferior.

Entre março e junho, a floração reveste a azinheira de tons amarelados. O amarelo é a cor das flores masculinas, que são pequenas e agrupadas em cachos pendentes (chamados amentilhos). Já as flores femininas são de um tom mais suave, um verde-acinzentado, cobertas por uma camada pilosa e surgem normalmente solitárias ou aos pares sobre os rebentos do ano. Ambas coexistem numa mesma árvore (uma característica das chamadas espécies monoicas) e são as flores femininas que dão depois origem aos frutos, as bolotas.

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Folhas e bolotas, flores masculinas e femininas

A frutificação, que se inicia entre os oito e 10 anos, torna-se regular a partir dos 15 a 20 anos e atinge o máximo entre os 50 e os 100 anos. No que toca à altura do ano, dá-se no outono, entre outubro e dezembro. O fruto é uma glande (bolota), que pode ter três centímetros de comprimento e apresenta uma cúpula em forma de dedal, coberta por pequenas escamas. A bolota da azinheira é reconhecida pelo seu sabor doce, bastante mais doce do que a bolota do sobreiro ou do carvalho-cerquinho (Quercus faginea), por exemplo. Já madura, cai entre novembro e janeiro e a espécie tem ciclos de produção mais elevada a cada quatro a seis anos (a chamada safra e contrassafra).

Uma forma de perceber se uma azinheira é uma jovem ou anciã é observar a sua casa (ritidoma): se for acinzentada significa que a árvore é jovem, mas se for castanho-enegrecida e gretada é sinal de que a árvore já está a envelhecer.

Azinheira é natural Bacia do Mediterrâneo

A azinheira é nativa da Bacia do Mediterrâneo e cresce naturalmente na Península Ibérica, em Itália, no sul de França e ao longo do litoral europeu até à Turquia, assim como no norte de África.

Em Portugal, está presente em quase todo o território, mas é no Alentejo e no interior que tem maior importância, pela sua presença nos Montados de sobro e azinho. Na vizinha Espanha é também uma das principais espécies florestais, estando presente nas Dehesas (o equivalente ao Montado em Portugal), que constituem 14% da floresta espanhola, e nos azinhais, que ocupam 13%.

Espécie natural de regiões onde as temperaturas são elevadas e onde existe secura estival, a azinheira tem características que lhe permitem sobreviver com condições adversas. As sua folhas pequenas são perenes (como se mantêm, a árvore não precisa de “investir” anualmente no seu crescimento), duras e têm uma consistência coriácea (que lembra couro). Além de pequenas, as folhas estão revestidas com substâncias ceráceas, um género de ceras isolantes, que ajudam a reter a humidade, perdendo menos água por evapotranspiração (evaporação e transpiração). As suas raízes são do tipo profundante, ou seja, crescem mais na vertical, e têm capacidade de penetrar em fissuras de rochas, o que lhes permite ter acesso a lençóis freáticos em profundidade.

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Fonte: Distribuição natural da azinheira, com base no Atlas of Forest Tree Species

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Fonte: Distribuição natural da azinheira, adaptada de “Guia da Flora de Portugal Continental, Tomo I, Parte I”, de André Carapeto, Paulo Pereira e Miguel Porto, Ed. Imprensa Nacional.

Além disso, a azinheira tem capacidade para reduzir o crescimento da parte aérea (principalmente pela diminuição do número e do tamanho das folhas) em situações de carência de água. Este tipo de adaptação tem-lhe permitido viver em zonas semiáridas e pedregosas, como o interior do Alentejo ou o Barrocal algarvio, onde várias outras espécies têm dificuldade em resistir. Apesar destas características adaptativas, o aumento das temperaturas e das zonas áridas, decorrentes das alterações climáticas, são riscos adicionais para esta espécie.

Bolota e madeira são aproveitamentos antigos que perduram

O consumo humano de bolota de azinheira é uma prática antiga. Em Portugal, existem registos deste consumo desde a Idade do Bronze. No entanto, com a melhoria das condições de vida, a sua utilização ficou restrita a momentos de crise, de grande escassez alimentar, nos quais a bolota era utilizada como substituto de outros alimentos.

Vários destes períodos de escassez alimentar ocorreram no século XX, por exemplo durante a Guerra Civil Espanhola e no período de racionamento imposto pela II Guerra Mundial. Em Portugal, após a revolução de 1974, a melhoria das condições de vida conduziu a um abandono da bolota como alimento humano, ficando destinada apenas à alimentação de animais, nomeadamente os porcos de montanheira, que crescem no Montado.

Hoje, o aproveitamento da bolota tem vindo a ganhar interesse graças às suas características nutricionais, ao seu reconhecimento como um alimento rico em fibra, lípidos e compostos antioxidantes, com propriedades benéficas para a saúde humana, e por ser uma alternativa para pessoas com intolerância ao glúten. É possível encontrá-la inteira – fresca ou congelada, em bebida vegetal, em creme de barrar e compota, em biscoitos e bolachas, pão e broa, esparguete e até hambúrgueres e almôndegas. Também a farinha de bolota reapareceu, apresentando-se como um substituto da farinha de trigo utilizada na produção de pão.

Além do fruto, que é na verdade a semente da azinheira, a madeira desta espécie tem sido utilizada como lenha e carvão, e pode ser ainda aproveitada para a produção de óleo. Por ser muito densa, dura e compacta, esta madeira tem tendência a fender e a empenar durante o processo de secagem, o que dificulta trabalhá-la para outras finalidades. Ainda assim, pode ser utilizada em mobiliário, no revestimento de pisos, em carroçaria rural e em cabos de ferramentas.

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Sabia que a azinheira…

– É uma espécie com elevada longevidade, havendo pelo menos um registo de uma árvore com mais de 1000 anos de idade, em Espanha.

– Em 2019, a azinheira secular do Monte Barbeiro em Mértola (na foto de topo deste artigo) ficou em 3º lugar no concurso “Árvore Europeia do Ano”. É uma árvore com cerca de 150 anos e uma copa de grandes dimensões.

– Tal como o sobreiro, é uma espécie protegida em Portugal (Decreto-Lei nº169/2001, 25 de maio). Isto, apesar do seu grau de ameaça ser considerado globalmente como “Pouco Preocupante”.

– Integra dois tipos de habitats naturais da Rede Natura 2000: os habitats 6310 – Montados de Quercus spp. de folha perene e 9340 – Florestas de Quercus ilex e Quercus rotundifólia.

– Tem um exemplar associado às aparições de Nossa Senhora de Fátima (1917). Embora não seja a árvore original onde os pastorinhos relataram as aparições, é um exemplar centenário e, por motivos históricos e culturais, é considerada pelo ICNF uma árvore de “interesse público” (processo KNJ1/473). É popularmente denominada por Azinheira Grande.

– Na mitologia da Grécia Antiga, diz-se que esta espécie, tal como todo o género Quercus, era protegida por Zeus. Conta-se que Rea, quando se encontrava grávida do seu sexto filho, decidiu fugir para a floresta. Fê-lo para que o seu marido, Cronos, não devorasse o filho, tal como fizera com os anteriores. Após dar à luz Zeus, Rea escondeu-o debaixo de um carvalho. Zeus cresceu, acabou por destronar Cronos e tornar-se senhor do Olimpo. Como forma de agradecimento, decidiu fortalecer a árvore que lhe dera abrigo. Diz-se também que estas árvores se tornaram veneradas pelos homens e invejadas pelos deuses que, de diversas formas, as tentaram destruir. Nunca conseguiram fazê-lo e as características que hoje apresentam, como as suas fortes raízes e folhas recortadas, se devem a todos os obstáculos que tiveram de ultrapassar.

*Artigo em Colaboração

Cristiana do Vale

Cristiana do Vale frequenta a licenciatura de Agronomia, no ISA – Instituto Superior de Agronomia, e colaborou com a plataforma Florestas.pt, na elaboração deste conteúdo, no âmbito dos estágios de verão alumnISA.